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A tecnologia por trás do scan e da impressão 3D possibilita novas formas de preservação e difusão de acervos artísticos e culturais. Entretanto isso também gera várias dúvidas no âmbito jurídico. Isso por conta de preocupações sobre violação de direitos das obras, bem como a quem pertence o arquivo digital.
Na semana passada, o serviço de TV Sky lançou uma parceria com o Museu Britânico de História Natural. Nessa parceria, os usuários do programa Hold the World passarão a ter acesso por VR a centenas de obras do acervo do museu, podendo ampliá-las e explorá-las em detalhes.
Ainda no Reino Unido, o Victoria & Albert Museum autorizou que os produtores do filme Alien: Covenant escaneassem uma réplica da estátua de David, de Michelangelo, integrante do seu acervo. Com isso, os produtores puderam exibir no filme uma cópia extremamente fiel da obra. Sem contar que o museu adquiriu de graça um arquivo digital da estátua. Este arquivo permite estudar detalhes da obra que só puderam ser capturados com a nova tecnologia.
Os problemas por trás da tecnologia
Esses dois exemplos mostram como instituições culturais podem se aliar à iniciativa privada para preservar digitalmente seu acervo. Essa preservação, ainda por cima, torna as obras mais acessíveis ao grande público. Entretanto, essas iniciativas pedem certa cautela no âmbito jurídico. Isso porque, no caso de obras fora do domínio público, o scan depende do consentimento de quem tiver os direitos dela.
Esses direitos podem estar com o museu, o próprio artista ou alguma pessoa que adquiriu a obra. Além disso, as novas tecnologias envolvendo o scan e impressão 3D ainda não estão bem reguladas no âmbito jurídico. Por exemplo, não existe clareza quanto à que tipo de obra seria o arquivo digital. Nesses casos a obra digital seria também obra artística? Ou uma derivação da obra original? Ela seria protegida pelo direito de autor ou não?
Muitos argumentam que a digitalização nada mais é que uma série de fotografias como um filme. Nessa lógica, ela mereceria a mesma proteção jurídica da obra de arte. Por outro lado, essas “fotografias” teriam um aspecto muito mais técnico do que a obra original. Dessa forma, outros argumentam que não são exatamente originais, nem muito menos uma forma de expressão daquele que opera o scan.
Ou seja, as escolhas de quem opera a máquina de impressão 3D ou scan seriam ditadas por necessidades funcionais apenas. Ficaria de fora assim qualquer tipo de visão artística, o que poderia excluir o arquivo da proteção pelo direito autoral.
Scan como base da dados ou direito conexo?
Outra possibilidade seria tratar o arquivo virtual como uma base de dados sobre as obras. Nessa lógica, o scan agrega uma série de informações dispostas de uma maneira precisa. Entretanto essa possibilidade cai na mesma discussão sobre a originalidade do scan. Isso porque ele seria apenas uma cópia literal da obra física. As bases de dados são uma categoria recente no mundo jurídico, o que gera muita dúvida sobre a sua proteção.
Uma terceira via, seria considerar a proteção dos arquivos digitais como uma forma de direito conexo. Esse regime é muito parecido com o direito de autor. Para quem não sabe, este é o direito das gravadoras sobre as faixas de disco que ela publica. O que foge da discussão sobre originalidade do produto. Só que para isso acontecer é preciso que uma alteração na Lei seja feita.
Uma discussão importante
Esse tipo de discussão é relevante por conta do uso de scan e impressão 3D poder servir para diversos fins econômicos. Com o barateamento das máquinas de impressão 3D, em poucos anos qualquer pessoa poderá fazer réplicas de obras de arte. Para tal só precisará ter acesso ao arquivo resultante do scan.
Quando a obra é antiga o suficiente para já estar em domínio público (isto é, já não há mais direitos econômicos sobre ela), não existem problemas legais envolvidos. Sem uma proteção jurídica ao arquivo digital em si, a impressão 3D não violaria direitos, sendo portanto lícita. Entretanto, museus podem ser prejudicados por conta disso. Porque uma das suas principais fontes de renda é a venda de réplicas como souvernirs, por exemplo.
O caso da impressão 3D de Nefertiti
Sem certezas por parte do âmbito jurídico do tema, alguns problemas já começaram a aparecer. Em outubro de 2016, dois artistas conseguiram sem autorização escanear por impressão 3D o Busto de Nefertiti, atualmente exposto no Neues Museum, em Berlim.
Além disso, os artistas disponibilizaram o arquivo digital de graça para todo o mundo. Por mais que tenha se tratado de uma manifestação política (o Governo Egípcio há anos exige que o Busto seja devolvido), o ato levanta preocupações quanto à forma de museus e galerias protegerem seus acervos. Especialmente das obras que ainda não estão em domínio público.
Em todo o caso, não havendo um regime específico para tratar esse tipo de arquivo digital, o mais importante é que as partes envolvidas estabeleçam em contrato os termos da parceria. Sejam eles museus, galerias e demais instituições culturais ou empresas que queiram escanear e fazer uso dos arquivos digitais. Principalmente quanto à utilização comercial da versão virtual da obra, seja em filmes ou em aplicativos para óculos VR.
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