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“O mercado de música não precisa de um guarda-chuva — ele precisa de um paredão de barragem“: foi dessa forma que o veículo especializado em música Billboard opinou sobre o que pode acontecer na indústria musical com a chegada da artificial intelligence (AI; inteligência artificial ou IA, em tradução livre). O texto em que consta essa posição mencionava o surgimento de diversas versões de músicas do cantor Drake, com uso de tecnologias AI na música.
Não é segredo que, a essa altura, a criação de sistemas generativos AI podem ser um risco sobre as atividades exercidas por nós, seres humanos. Exemplos disso são a carta assinada pelo Future of Life Institute, com participação inclusive do chief executive officer (CEO) do Twitter, Elon Musk, pedindo um controle mais rigorosos nessas tecnologias, e as medidas tomadas na China para deter possíveis riscos de segurança à sociedade a partir do uso de serviços com IA.
Quando o assunto é arte e, em especial, música, o assunto ganha um ponto preocupante: como proteger a criatividade de artistas diante de criações de obras feitas a partir de IA? É ideal que o mercado musical se debruce sobre isso e saiba como lidar com serviços do tipo. No Showmetech, você confere diferentes visões sobre esse debate e que posições estão sendo tomadas sobre isso.
Quem criou a música gerada por IA com a voz do Drake?
O surgimento do ‘AI Drake’ começou com a música Heart on My Sleeve. Publicada online pelo usuário do TikTok @ghostwritter977 em meados de abril, a canção chamou atenção por ter uma semelhança surpreendente com uma interpretação autêntica do cantor. No momento em que ele lançou a música na rede social, o usuário contava com mais de 130 mil seguidores e, enquanto este texto está sendo produzido, a conta já possui mais de 150 mil followers.
Ainda que o usuário da rede de vídeos tenha ganhado muita atenção com a música produzida por inteligência artificial, ele parece ter sentido o impacto do seu post, já que ele apagou os vídeos mais virais que possuía na rede. Entretanto, links com as músicas geradas por sistemas generativos produzidas pelo Ghostwritter continuaram surgindo em várias plataformas, como no YouTube.
Porém, ainda que essas publicações saiam do ar, ele parece ter arranjado uma solução para continuar divulgando a música: o Ghostwritter anunciou em um página na internet que envia as músicas produzidas por sistemas de IA pelo número de telefone de quem quer recebê-las. O site onde ele hospeda esse serviço é organizado por uma empresa especializada em criptomoedas e, inclusive, já declarou que não ter envolvimento com a distribuição.
Qual a posição das gravadoras e empresas sobre AI na música?
O caso envolvendo o ‘AI Drake’ levou a gravadora Universal Music Group (UMG) a se posicionar contra o avanço das tecnologias generativas — devido ao uso dos dados, que pertencem à empresa, para a produção da música feita pelo usuário do TikTok. A música teve que ser retirada do ar devido ao pedido da empresa, que alegou violação de direitos autorais. Esse momento conturbado com a tecnologia ainda rendeu uma resposta efusiva da gravadora à NPR:
“O treinamento de IAs generativas usando a música de nossos artistas (o que representa tanto uma brecha dos nossos acordos e uma violação a lei de direitos autoriais) tanto quanto a disponibilidade de infringir conteúdos por criação com IAs em Demand Side Platforms [DSPs; ‘plataformas de demanda lateral’, em tradução livre, como aplicativos de áudio], levanta uma questão sobre em que lado da história todos os acionistas no ecossistema de música vão querer estar: o lado dos artistas, fãs, e da expressão da criatividade humana, ou o lado das fraudes, da negação dos artistas e da sua devida compensação”.
UMG
A organização Human Artistry Campaign (“Campanha de Artistas Humanos”, em tradução livre) também surgiu no debate em torno da produção artística da tecnologia generativa. A entidade quer fazer parte das soluções para essa questão, destacando seu papel em encontrar “o valor único da arte e criatividade humana“, para levar um aproveito melhorado de serviços AI.
O próprio Spotify se movimentou contra a tecnologia generativa na produção musical. A empresa informou que está atenta a casos de “manipulação de stream”, avisando que não vai permitir que músicas geradas com apoio de tecnologias de IA sigam dentro da plataforma de distribuição de áudio.
Mas o bloqueio tem mais a ver com o pagamento de royalties — quantia paga a produtores de algum bem, como no caso dos músicos — com risco de manipulação das estatísticas de cada música não feita por seres humanos, que necessariamente um boicote a serviços AI, como no caso da empresa Boomy. Alvo da ação do player de música online, a iniciativa opera com vozes já gravadas para criação de faixas musicais.
Como a chegada do ‘AI Drake’ mostrou um problema para a indústria musical
Mesmo que a geração de músicas a partir dos vocais do Drake tenham causado tanto nervosismo no mercado de música, não é a primeira vez que a situação chega a preocupar. O verso Cats, cats, cats, always on the prowl (“Gatos, gatos, gatos, sempre a perambular”, em tradução livre) criado por IA já havia chamado a atenção da UMG, por ser uma obra feita a partir da voz do Eminem: a empresa também pediu que a música fosse deletada da rede mundial de computadores. Mas existe quem tem uma opinião mais favorável quanto aos sistemas de IAs na criação de música, como a banda Oasis e da cantora Grimes.
Seja contra ou a favor, as músicas feitas com IAs generativas não vão parar tão cedo, segundo o professor Ge Wong, da Universidade de Stanford. Responsável por aulas envolvendo tecnologia e produção musical, o pesquisador indica haver uma forte tendência para a aceitação da AI no mercado musical, ao mesmo tempo em que muitas discussões vão acontecer em cima disso.
“Junto a essa questão [da AI na música] está uma tonelada de questões éticas, legais e artísticas que nós temos que antes pensar sobre elas em um sentido prático. Mas agora nós estamos”.
Ge Wong
Nick Cave, membro da banda Bad Seeds, por outro lado, não esconde sua posição contrária sobre a AI na música. Sobre composições feitas por tecnologias do tipo, o artista já disse que seria ideal que plataformas como o ChatGPT sumissem e “deixassem a composição de músicas em paz“. Tanto artistas como ele como outros que são favoráveis a AI em processos artísticos vão poder fazer uso desde ferramentas que ajudem a criar melodias a sistemas de IA capazes de simular sons com bases de dados musicais.
Fazer o uso de tecnologias do tipo vai considerar, ainda, pensar sobre o quanto de energia humana está presente em cada produção musical. Ou seja, vai ser cada vez mais preciso pensar na experiência em ouvir música e como aproveitá-la em shows, além de outras formas, do que necessariamente a superação de trabalhos com inteligência artificial sendo consumidos em detrimento das obras muscais de artistas humanos.
Posição de artistas brasileiros sobre música feita por IAs generativas
Nem só fora do Brasil existem pessoas usando IAs para trabalhar com música. O desenvolvedor Geraldo Ramos, brasileiro e criador do aplicativo Moises, já conta com investimentos altíssimos no ramo. Tendo arrecadado US$ 10,25 bilhões (mais de R$ 50,7 bi, na cotação atual), o Moises já tem fama consolidada entre DJs e com pessoas interessadas em converter músicas para uma versão em karaokê. Segundo Ramos, o app é um produto que “tanto os músicos quanto criadores adoram“.
Mas, e os artistas do Brasil? Fora da discussão em torno de sistemas generativos inteligentes, muitos deles têm se movimentado para aquecer o debate da responsabilidade de empresas de tecnologia em pagar bem as produções veiculadas em suas plataformas, no debate sobre o projeto de lei (PL) das Fake News (nº 2.630).
Participante do evento Web Summit, o fundador da produtora de funk Kondzilla, Konrad Dantas deu sua opinião sobre a necessidade de se regular mais tecnologias de IA na produção artística. Para Dantas, é preciso dar crédito aos criadores: enquanto se pronunciava sobre a questão, ele bateu na mesa onde estava falando com a imprensa, socando a superfície duas vezes de punho fechado e uma vez de palma aberta, para fazer alusão à música We will rock you, da banda Queen — na hora, disse que “se você se lembrou da voz de uma canção, […] para explorar economicamente deve dar crédito“.
“Quando falamos de música, falamos também de composição, de obra e da fixação da voz interpretando uma letra. Mesmo esta fixação sendo virtual, ela homenageia alguém.”
Konrad Dantas
Qual a sua posição sobre o assunto? Acha que as IAs contribuem para criação de músicas melhores? Deixa pra gente aqui no Showmetech a sua opinião!
Veja também:
Fonte: NPR | Billboard | The Generator | The Hill | Music Ally | The Verge | Música, Copywright e Tecnologia | Folha de São Paulo
Revisado por Glauco Vital em 8/5/23.