Como a “cultura da dopamina” afeta como vivemos. Esportes viram apostas, filmes dão lugar a tiktoks e até relacionamentos se resumem a “arrastar” opções em apps. Entenda como a busca por recompensas rápidas de prazer está afetando nosso cérebro e a sociedade

Como a “Cultura da Dopamina” afeta como vivemos

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Esportes viram apostas, filmes dão lugar a TikToks e até relacionamentos se resumem a “arrastar” opções em apps. Entenda como a busca por recompensas rápidas de prazer está afetando nosso cérebro e a sociedade

Há uma importante transformação acontecendo na cultura moderna, onde a indústria de entretenimento está sendo substituída por uma “cultura da distração”. As grandes plataformas de tecnologia, como o TikTok e o Instagram, incentivam comportamentos viciantes que levam a um ciclo de dopamina, semelhante ao vício em drogas. Isso resulta em uma sociedade mais infeliz e menos conectada com experiências reais. Entenda essa negativa tendência e como se proteger dela:

O que é a Cultura da Dopamina?

Como a “cultura da dopamina” afeta como vivemos. Esportes viram apostas, filmes dão lugar a tiktoks e até relacionamentos se resumem a “arrastar” opções em apps. Entenda como a busca por recompensas rápidas de prazer está afetando nosso cérebro e a sociedade
Cultura da distração é algo preocupante e vem crescendo cada vez mais (Imagem: Reprodução/Getty Images)

A dopamina é um neurotransmissor ligado ao prazer e à recompensa no cérebro, e sua liberação é frequentemente desencadeada por estímulos positivos, como comida, sexo e conquistas. A tal cultura da dopamina se refere a como atividades, especialmente tecnológicas como acessar aplicativos de redes sociais, são projetadas para estimular a liberação desse neurotransmissor, criando diversos ciclos de gratificação instantânea e dependência. Acontece que essa constante busca por recompensa imediata, pode chegar a prejudicar a capacidade de concentração e ter impactos negativos no organismo, como aumentar a insatisfação, ansiedade e depressão. A exposição contínua a essas fontes artificiais de dopamina pode criar expectativas irrealistas e levar a sentimentos de inadequação.

Mas é válido lembrar que a cultura da dopamina não se limita apenas às redes sociais. Jogos eletrônicos, serviços de streaming e até mesmo aplicativos de compras podem ser perigosos. As notificações constantes, a gamificação de tarefas diárias e a disponibilidade incessante de novos conteúdos são todos elementos que contribuem para essa cultura de distração e gratificação rápida.

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Gráfico ilustra diferença de culturas ao longo do tempo (Imagem: The Honest Broker)

Para se ter uma noção, a cultura da dopamina chega a ser incrível quando comparada com outras formas de cultura de entretenimento impulsionadas ao longo das décadas. As pessoas estão tão dependentes de tecnologia e das telas dos celulares, que todo o conteúdo precisa ser adaptado para capturar a atenção e manter o usuário engajado e pronto para entrar em um ciclo contínuo. Antes, trocamos álbuns físicos de música por streaming no Spotify e filmes por conteúdos no YouTube. Agora, nada supera os vídeos de segundos em plataformas ou mensagens curtas no WhatsApp, uma vez que falar por telefone já parece ultrapassado para muitos.

Parece que tudo se tornou simples e prático, mas, ao mesmo tempo, propício a um ciclo vicioso e sem fim. Fato é que a dopamina pode ser um ótimo neurotransmissor e claramente é algo pelo qual devemos sempre estar em busca, mas tudo deve ser equilibrado. Cair numa cilada e deixar se levar por esse vício que deveria apenas ser momentâneo e em prol do bem-estar, é muito fácil atualmente.

Redes sociais, apps e conteúdos feitos para viciar

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Vício em redes sociais já pode ser comparada ao vício em apostas e drogas (Imagem: LinkedIn)

Plataformas como o TikTok e o Instagram são mestres em explorar a biologia humana para manter os usuários engajados, e isso é algo que praticamente todo mundo tem ciência sobre. Elas utilizam algoritmos sofisticados para apresentar conteúdo altamente personalizado que prende a atenção e incentiva a navegação contínua. Mas como exatamente? Cada curtida, comentário ou compartilhamento aciona uma pequena descarga de dopamina, reforçando o comportamento de verificação constante e interação com a plataforma.

As redes sociais e até diversos outros aplicativos, hoje em dia, são projetados para viciar os usuários, utilizando técnicas semelhantes às empregadas por cassinos e substâncias viciantes. No Instagram, por exemplo, o feed de rolagem infinita mantém os usuários presos em um fluxo ininterrupto de conteúdo, enquanto as notificações de curtidas e comentários servem como pequenas recompensas imprevisíveis, semelhantes ao efeito das máquinas caça-níqueis em cassinos. Essa imprevisibilidade aumenta a liberação de dopamina no cérebro, reforçando o comportamento de verificação frequente do aplicativo. Quantas vezes você já se pegou desbloqueando a tela do celular automaticamente e acessando o Instagram sem objetivo algum?

Já o TikTok leva essa estratégia ainda mais longe com seu algoritmo altamente personalizado que analisa o comportamento do usuário para oferecer conteúdos que mantêm a atenção. O formato curto dos vídeos e a facilidade de rolar para o próximo, criam um ciclo de satisfação súbita que pode ser difícil de interromper. Além disso, na plataforma, a gamificação também é amplamente utilizada. Desafios e trends incentivam os usuários a participarem e criarem conteúdo, o que acaba oferecendo uma sensação de conquista e até pertencimento. Basicamente, essas táticas, quando combinadas, criam um ambiente que maximiza o engajamento e pode levar a um uso excessivo e problemático, principalmente quando a saúde mental é afetada.

Impactos ao organismo

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Cultura da dopamina pode ser tremendamente prejudicial em diversos aspectos (Reprodução/Internet)

Já sabemos que o uso excessivo de redes sociais, aplicativos e conteúdos projetados para viciar, pode ter uma série de impactos negativos, mas até que ponto? Fato é que eles podem afetar tanto o cérebro quanto o corpo de maneiras significativas. Em uma perspectiva neurológica, a exposição constante a estímulos digitais pode até levar a uma desregulação dos sistemas de recompensa do cérebro, o que resultará em uma diminuição da sensibilidade à dopamina e uma redução na capacidade de experimentar prazer com atividades cotidianas. Esse fenômeno, conhecido como tolerância, faz com que com o tempo, o cérebro necessite de doses maiores e mais frequentes para alcançar a mesma sensação experimentada inicialmente.

Essencialmente, é a dopamina em queda livre, que não volta apenas a níveis basais, mas cai para abaixo deles. Então, para cada prazer, há um custo. E o custo é uma sensação temporária da abstinência de uma substância. Algo universalmente traduzido em ansiedade, irritabilidade, depressão e fissura pela droga de preferência.

Anna Lembke, autora do livro Nação Dopamina

Porém, um dos impactos mais preocupantes é a diminuição das interações ao vivo. À medida que a dependência de redes sociais aumenta, as pessoas tendem a negligenciar encontros presenciais. Antigamente, isso não era tão comum, mas atualmente, o mundo mudou inclusive quando falamos sobre tipos de serviços como delivery e transporte, vide aplicativos como o iFood e o Uber, por exemplo. Isso colabora ainda mais para o isolamento social, enfraquecimento de laços significativos e até redução da empatia e da compreensão interpessoal. A falta de contato físico e de comunicação não verbal prejudica a qualidade das relações.

Diversos estudos também já sugerem que o uso excessivo das redes sociais antes mesmo de dormir — o que é uma prática bastante comum — pode interferir nos padrões de sono. A exposição à luz azul das telas suprime a produção de melatonina, o hormônio do sono, levando a problemas como fadiga, irritabilidade, comprometimento cognitivo e até maior risco de doenças cardiovasculares e metabólicas.

Contudo, ainda existe algo que pode ser ainda mais frequente na sociedade: a nomofobia, ou o medo de ficar sem o celular ou a conexão com a internet. Pode parecer até exagerado, mas esse é outro impacto que vem crescendo ao longo dos anos, principalmente quando se trata dos mais jovens. O problema é que essa condição pode levar a sintomas graves de ansiedade, estresse e desconforto quando o acesso ao celular é limitado ou interrompido. Aqui, estamos falando não apenas de acarretar nas atividades diárias e nas interações sociais, mas situações preocupantes e que podem ser comparadas àquelas de dependentes químicos que fazem de tudo para suprir seus vícios.

Se quiser saber mais, o Showmetech já tem um artigo especial sobre a nomofobia.

Se não há como fugir, como se proteger?

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Estratégias e hábitos que limitem acesso ao celular são válidas para se proteger de vício (Imagem: Reprodução/Internet)

Embora seja difícil escapar completamente da influência das redes sociais, existem estratégias que podem ajudar a minimizar os impactos negativos e promover um uso mais saudável da tecnologia. É fundamental cultivar hábitos que promovam o bem-estar mental e emocional, como a prática regular de atividades físicas e até hobbies alternativos como práticas de meditação; a técnica mindfulness já é bastante debatida e recomendada para esse tipo de situação. Outra dica é revisar e ajustar as configurações de notificação dos aplicativos para reduzir interrupções desnecessárias e limitar as distrações.

Já sobre a ótica da autora do livro Nação Dopamina, Anna Lembke, a criação de regulamentações pode ser bastante eficaz, uma vez que a informação poderia ser disseminada com mais facilidade, além de fazê-la ter mais peso, afinal, essa é uma pauta que parece irrelevante para grande parcela da população.

(…) precisamos de leis, regulamentações e incentivos financeiros para ajudar a conter nosso consumo coletivo excessivo. Isso inclui inovações tecnológicas que ajudem a visualizar a natureza viciante dos produtos online, ferramentas para monitorar o consumo, desincentivo financeiro quando o consumo viola os limites saudáveis, proibição de anúncios de drogas digitais para menores e espaços livres de telas nas escolas.

Anna Lembke, autora de Nação Dopamina em entrevista para a Veja Saúde
Como a “cultura da dopamina” afeta como vivemos. Esportes viram apostas, filmes dão lugar a tiktoks e até relacionamentos se resumem a “arrastar” opções em apps. Entenda como a busca por recompensas rápidas de prazer está afetando nosso cérebro e a sociedade
Terapeuta e escritora acreditam que adoção de novas estratégias é a solução (Imagem: Madalena Feliciano/Rob Durston)

Segundo a terapeuta e especialista em vícios e comportamento humano, Madalena Feliciano, algumas estratégias mais específicas também podem ser colocadas em prática a fim de reverter quadros do exacerbado vício em redes sociais:

  • Estabelecer limites de tempo: Pôr limites claros para o uso diário de celulares, como definir horários específicos, é uma maneira eficaz de controlar o tempo gasto em atividades digitais.
  • Praticar a desconexão regularmente: É crucial reservar momentos de desconexão digital na rotina, como durante as refeições, antes de dormir ou ao acordar. Essa pausa permite estar presente no momento, desacelerar e se reconectar consigo mesmo e com os outros.
  • Cultivar relacionamentos reais: Investir em relacionamentos offline é importante para contrabalançar o isolamento social causado pelo uso excessivo de tecnologia. Priorizar encontros presenciais e atividades em grupo fortalece os laços sociais, além de melhorar a qualidade das interações interpessoais.
  • Investir em atividades offline: É essencial encontrar prazer em atividades offline para equilibrar o tempo dedicado ao celular. Isso inclui exercícios físicos, hobbies, leitura, contato com a natureza, meditação e momentos de tranquilidade sem aparelhos eletrônicos.

Em um mundo cada vez mais dominado pela cultura da dopamina, é essencial reconhecer os impactos negativos que fenômenos tecnológicos podem ter e adotar medidas para proteger nossa saúde mental, física e emocional. Embora as redes sociais e demais aplicativos ofereçam conveniência e entretenimento, é extremamente importante estabelecer limites, cultivar hábitos saudáveis e buscar apoio quando necessário. Nada deve ser radical e, ao encontrar um equilíbrio, é possível criar uma relação muito mais gratificante com o mundo digital e ainda preservar nosso bem-estar, o que deve ser prioridade.

Veja também: 12 hábitos tecnológicos para ser mais feliz em 2022

Exercício físico pode ser o seu maior aliado no combate à depressão e ansiedade

Fontes: The Honest Broker, Veja Saúde, BBC, Estado de Minas

Revisado por Noelle Pedroso em 10/07/2024


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