Semanas atrás, resolvi vasculhar a estante em busca de histórias em quadrinhos que convencessem crianças de uma fazenda a aprenderem a ler. E qual foi a surpresa ao descobrir o quão difícil é se separar de dois personagens que representam toda uma infância. Afinal, conquistando a cada página, eles se tornaram meus amigos.
Com Calvin & Hobbes (Calvin e Haroldo aqui no Brasil), você sempre descobre algo novo. Leia-os quando criança e se apaixone pelas coloridas aventuras de um menino e seu tigre. Leia-os com 16 ou 26 anos, e eles representarão algo totalmente diferente, mas não menos impactante.
Criados em novembro de 1985 por Bill Watterson, um cartunista que fazia questão de cuidar de todos os aspectos de sua criação, ele foi responsável por reinventar a importância dada aos quadrinhos de jornais. Com foco em fazer perguntas sérias e explorar ideias, Watterson convidava leitores a repensar conceitos como desigualdade de gêneros, identidade religiosa, educação, ambientalismo, filosofia e muito mais.
O cuidado com a história transformava leitores em exploradores, filósofos e artistas; convidados a pensar fora da caixa e descobrir, através da imaginação de um pequeno menino, o quão interessante e complexo é o mundo em que vivemos.
Watterson não acreditava na distinção da criação de arte de acordo com a mídia a que ela era destinada. Por essa razão, usava de inventivas formas e cores para causar impacto a cada tira. Por exemplo, o cartunista invertia a lógica tradicional ao tornar os mundos imaginados por Calvin em representações mais realistas do que as utilizadas para desenhar seus momentos de realidade. Esse tom dava ainda mais vida ao personagem e destacava a tira do trabalho criado por outros cartunistas da época.
Os limites artísticos do próprio formato deu uma “história em quadrinhos” eram constantemente testados. Watterson brigava com editores e jornais, numa luta para explorar novos layouts e painéis nada tradicionais, criando formas mais dinâmicas de contar histórias.
Calvin & Hobbes possuem personalidades genuínas, em histórias com substância. Eles compartilham uma imaginação sem limites, tem apreciação por arte e sim, um certo repúdio a autoridades. E isso era algo raro em tiras de jornal, antes da chegada de Watterson.
Mas talvez o item mais marcante destes quadrinhos seja o amor do criador pela criação. Entendendo que o valor deste tipo de arte deve deriva da qualidade do trabalho e da excelência em contar histórias, Watterson sempre se opôs a transformar o menino e seu tigre em produtos de consumo.
Para conhecer Calvin & Hobbes, você precisa descobrir os quadrinhos. Nada de apelos de consumo, propagandas ou adaptações que removeriam das histórias a essência do formato na qual elas foram criadas: o papel. E isso deixa a experiência muito mais íntima.
Talvez seja essa perspectiva única de Watterson, um homem e seu lápis, valorizando o cuidado com a arte, em oposição a uma indústria de conteúdo produzido em massa e nas mãos de licenciamentos, que tenha cativado o coração de leitores. Da criança que acabou de aprender a ler ao adulto que tanto trabalha, todos sorriem diante do mundo de imaginações do pequeno menino e seu tigre.