Sporothrix brasiliensis: o fungo “brasileiro” que se espalha e já preocupa cientistas

Sporothrix brasiliensis: o fungo “brasileiro” espalha e já preocupa cientistas

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A Sociedade Brasileira de Infectologia alerta sobre o risco do Sporothrix brasiliensis, que teve um aumento em sua transmissão, de felinos e roedores para seres humanos

Recentemente, pesquisadores brasileiros voltaram sua atenção para o Sporothrix brasiliensis, fungo brasileiro desconhecido até meados dos anos 1990, que, na época, afetava apenas felinos. Hoje, o Sporothrix já é problema de saúde pública que não afeta apenas aos gatos, mas, também, cães e até humanos. Na última quarta-feira (8), a Sociedade Brasileira de Infectologia emitiu um comunicado explicando um pouco mais sobre o fungo e despertou o alerta em todo o país.

Segundo algumas publicações, a transmissão iniciou na cidade do Rio de Janeiro, proliferando-se, inicialmente, entre gatos de rua. Posteriormente, novas circulações do micro-organismo foram detectadas em outros estados brasileiros e até em outros países, como Bolívia, Colômbia, Argentina, Inglaterra e Estados Unidos.

O Sporothrix brasiliensis

Sporothrix brasiliensis: o fungo “brasileiro” que se espalha e já preocupa cientistas
Fungos do gênero Sporothrix são conhecidos desde 1898, aparecendo especialmente no solo e algumas plantas (Reprodução/Internet)

Fungos do gênero Sporothrix são conhecidos desde 1898, aparecendo especialmente no solo e algumas plantas. São espécies fundamentais para decompor matéria orgânica. Em alguns casos raros, porém, esses micro-organismos podem causar doenças em seres humanos, conhecidas genericamente como esporotricose. No caso do Sporothrix brasiliensis, por exemplo, ele se infiltra nas camadas superficiais de nossa pele e coloniza o tecido subcutâneo, provocando feridas. O fungo também é capaz de invadir o sistema linfático e afetar os olhos, o nariz e até os pulmões.

Desde 1990, o número de casos aumentou de maneira raṕida. Entre 1998 e 2001, a FioCruz diagnosticou 178 casos de esporotricose. “Dos 178 pacientes, 156 tinham algum contato em casa ou no trabalho com gatos que também estavam com essa enfermidade, e 97 levaram alguma mordida ou arranhão desses animais”, indica o estudo. Segundo as últimas estatísticas, já são mais de 12 mil casos em seres humanos desde então.

Com a alta no número de casos, cientistas passaram a estudar melhor o fungo e, com o passar do tempo, foram capazes de entender melhor o ciclo da infecção não apenas entre as pessoas, mas também em animais que vivem próximos de nossas casas.

Por algum motivo, o fungo se adaptou aos gatos. Neles, o patógeno causa doença disseminada, que provoca ferimentos no rosto e nas patas. E um gato infectado transmite para outros, além de passar para cachorros e seres humanos.

Flavio Telles, médico da Sociedade Brasileira de Infectologia

Vale ressaltar que o gato, assim como os seres humanos, são vítimas e não são culpados pela esporotricose. O problema expõe outra situação degradante, que é a falta de políticas públicas para impedir a disseminação do fungo.

Razões para o problema

Sporothrix brasiliensis: o fungo “brasileiro” espalha e já preocupa cientistas. A sociedade brasileira de infectologia alerta sobre o risco do sporothrix brasiliensis, que teve um aumento em sua transmissão, de felinos e roedores para seres humanos
Desde 1990, o número de casos aumentou de maneira raṕida. Entre 1998 e 2001, a FioCruz diagnosticou 178 casos de esporotricose (Reprodução/Internet)

O microbiologista Marcio Lourenço Rodrigues, da FioCruz Paraná, falou que a ascensão do fungo ainda é estudada. No entanto, ele afirma que os desequilíbrios na natureza provocados pelas ações dos seres humanos são algumas das razões para a elevação no número de casos observados nos últimos anos no país.

Por que ele já estava ali no solo e, de repente, virou uma emergência de saúde pública? Há uma associação direta entre esse fato e a ocupação do solo, o desmatamento e a construção de moradias. Ou seja, você passa a ter uma desorganização de ecossistemas que antes estavam em equilíbrio e isso expõe animais e seres humanos a novos patógenos

Marcio Lourenço Rodrigues, microbiologista da FioCruz Paraná

Além disso, a proximidade dos felinos com o ser humano, que os mantém por perto, portanto, junto com o desequilíbrio natural, a contaminação é quase “natural”. Contudo, não explica como se espalhou. “Os gatos transitam por um território e podem atravessar fronteiras secas de estados ou até de países”, pontuou Telles. “Além disso, podem ser transportados pelas pessoas que se mudam de bairro ou cidade”.

Outra possível explicação para a disseminação do Sporothrix brasiliensis por vários países das Américas está nos ratos. Estudos conduzidos por cientistas demonstram que os roedores são capazes de “carregar” o fungo e ir de um lugar a outro durante o transporte de alimentos por caminhões ou navios. Sendo assim, o gato, predador natural do rato, acaba se infectando e dando início a um novo ciclo de esporotricose.

Prevenção

Sporothrix brasiliensis: o fungo “brasileiro” espalha e já preocupa cientistas. A sociedade brasileira de infectologia alerta sobre o risco do sporothrix brasiliensis, que teve um aumento em sua transmissão, de felinos e roedores para seres humanos
Se comparado com outros fungos do mesmo gênero, o Sporothrix brasiliensis apresenta uma característica diferente: o de ser mais virulento, ou seja, espalha-se com maior facilidade e velocidade (Reprodução/Internet)

Se comparado com outros fungos do mesmo gênero, o Sporothrix brasiliensis apresenta uma característica diferente: o de ser mais transmissível, ou seja, espalha-se com maior facilidade e velocidade, além de ser capaz de causar quadros infecciosos mais graves. Para completar, o tratamento atual não é dos mais fáceis, já que nem sempre os medicamentos antifúngicos respondem de primeira. Em média, o tratamento costuma durar cerca de 107 dias, de acordo com a Universidade Federal do Rio Grande (FURG).

A chave, garantem outros artigos publicados nos últimos anos, está em fazer o diagnóstico correto e iniciar o tratamento o quanto antes. Isso até evita a criação de resistência aos fármacos — esse, aliás, tem sido um problema frequente nos últimos anos com outras espécies de fungos, que estão se tornando cada vez mais difíceis de combater.

“Há 15 anos, a esporotricose não era um problema. A alteração de ecossistemas propicia possíveis exposições a patógenos que, antes, não aconteciam”, falou Rodrigues. “E isso gera crises de saúde pública cada vez mais difíceis de enfrentar”.

Infecções por fungos crescem desenfreadamente

Sporothrix brasiliensis: o fungo “brasileiro” espalha e já preocupa cientistas. A sociedade brasileira de infectologia alerta sobre o risco do sporothrix brasiliensis, que teve um aumento em sua transmissão, de felinos e roedores para seres humanos
A ameaça de patógenos fúngicos está aumentando, dizem os especialistas, e pode piorar muito em um mundo mais quente, úmido e doente (Reprodução/Internet)

Falar sobre infecções por fungos está em evidência desde que a série The Last of Us, da HBO, estreou em sua plataforma de streaming. Nela, parasitas fúngicos manipulam os humanos para infectar as comunidades ao seu redor. Na vida real, a espécie de fungo que inspirou a história, Ophiocordyceps, infecta insetos e não causa problemas para as pessoas. No entanto, a ameaça de patógenos fúngicos está aumentando, dizem os especialistas, e pode piorar muito em um mundo mais quente, úmido e doente.

Estamos sempre cercados por esporos de fungos. Vivemos com eles desde que fizemos camas na Savana 500.000 anos atrás, antes mesmo de evoluirmos para humanos modernos. E tivemos que adaptar esse sistema imunológico requintado que temos de defender contra os esporos, porque muitos deles são potencialmente patogênicos.

Dr. Matthew Fisher, professor de medicina na Escola de Saúde Pública do Imperial College London

Os cientistas descobrem novos fungos o tempo todo – quatro foram encontrados apenas no ano passado – mas nem todos eles são uma ameaça para os seres humanos. Dos cerca de 4 milhões de espécies de fungos diversos, os cientistas identificaram apenas 300 como patógenos humanos que podem causar doenças. Por ano, mais de um bilhão de pessoas têm o que a Sociedade de Microbiologia considera infecções fúngicas “superficiais”.

Entre as infecções estão algumas bastante conhecidas, como a pé de atleta, uma erupção cutânea escamosa que pode causar coceira ou ardência; candidíase, lesões brancas que se desenvolvem na língua ou na parte interna da bochecha; e até mesmo a caspa são causadas na maioria por uma dessas infecções fúngicas superficiais. Eles são irritantes, mas, felizmente, os tratamentos ainda funcionam neles. Por outro lado, algumas infecções são mais graves e são capazes de levar a óbito. Em todo o mundo, cerca de 1,5 milhão de pessoas morrem por ano devido à complicações provocadas por infecções fúngicas.

Sporothrix brasiliensis: o fungo “brasileiro” espalha e já preocupa cientistas. A sociedade brasileira de infectologia alerta sobre o risco do sporothrix brasiliensis, que teve um aumento em sua transmissão, de felinos e roedores para seres humanos
No ano passado, a Organização Mundial da Saúde divulgou uma lista prioritária com os 19 tipos de fungos que o mundo deve observar (Reprodução/Internet)

No ano passado, a Organização Mundial da Saúde divulgou uma lista prioritária com os 19 tipos de fungos que o mundo deve observar. Entre eles está o cryptococcus neoformans, uma levedura patogênica que vive no solo. As pessoas podem inalar células fúngicas e a maioria não fica doente. Mas naqueles com um sistema imunológico suprimido, pode afetar os pulmões e se espalhar para o sistema nervoso e o sangue. Com o passar dos anos, esse fungo tornou-se resistente a alguns tratamentos.

Outra é a Candida auris, uma levedura que pode permanecer em superfícies e equipamentos médicos e pode se espalhar rapidamente de uma pessoa para outra. Ele tem causado um número crescente de surtos hospitalares em todo o mundo, uma ameaça que cresceu ainda mais durante a pandemia de Covid-19. E o pior de tudo é: não há vacinas para nenhuma das infecções fúngicas na lista crítica divulgada pela OMS.

De acordo com pesquisadores, as pessoas que correm maior risco de uma infecção fúngica grave são aquelas com condições subjacentes, como HIV, câncer ou diabetes, e aquelas com sistema imunológico comprometido devido à idade, doença ou medicamentos que tomam. Outros são vulneráveis ​​às consequências mais graves de infecções fúngicas porque não têm acesso a medicamentos mais comumente disponíveis no Ocidente.

Sporothrix brasiliensis: o fungo “brasileiro” espalha e já preocupa cientistas. A sociedade brasileira de infectologia alerta sobre o risco do sporothrix brasiliensis, que teve um aumento em sua transmissão, de felinos e roedores para seres humanos
Para tentar frear o aumento no número de casos, a OMS incentiva os países a melhorar sua capacidade de diagnóstico de infecções fúngicas e aumentar a vigilância (Reprodução/Internet)

E por que as ameaças de fungos estão crescendo a passos largos em todo o mundo? Segundo os estudos, o número de infecções fúngicas graves aumentou em parte devido ao número crescente de pessoas imunossuprimidas. “Temos populações envelhecidas e usamos muitos produtos químicos no ambiente que forçam os fungos a se adaptarem, e nossos antifúngicos clínicos estão sendo degradados pela resistência antimicrobiana”, explica Fisher.

Para tentar frear o aumento no número de casos, a OMS incentiva os países a melhorar sua capacidade de diagnóstico de infecções fúngicas e aumentar a vigilância. Também recomenda mais dinheiro investido em pesquisa, remédios e testes para essas infecções. Atualmente, as infecções fúngicas recebem menos de 1,5% de todo o financiamento para pesquisa de doenças infecciosas, disse a OMS.

Veja também:

O que é a Síndrome da Pessoa Rígida, doença de Celine Dion.

Fontes: BBC, CNN.

Revisado por Glauco


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