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Sete anos após o lançamento do último conteúdo do game original, Scott Pilgrim vs the World volta às lojas digitais em versão remasterizada com todos os acertos (e erros) do nostálgico título beat ‘em up. O jogo, desenvolvido e distribuído pela Ubisoft, tem inspiração no universo dos quadrinhos de Scott Pilgrim, um jovem que descobre que sua vida amorosa pode ser mais desafiadora do que ele imaginava. Pude jogá-lo nestes últimos dias e te conto minha experiência neste review.
Por sinal, o nome completo da versão atual do game é Scott Pilgrim vs the World: The Game – Complete Edition. Porém, para facilitar sua leitura, caro leitor, tratarei o game ao longo deste review como somente “Scott Pilgrim vs The World” ou “Scott Pilgrim“. Lembrando que todas as imagens abaixo foram capturadas via OBS com a minha cópia do jogo para PC, fornecida pela Ubisoft para review.
História e referências
Como background rápido ao histórico do game, Scott Pilgrim vs The World foi lançado para PlayStation 3 e Xbox 360 em 2010 e, quatro anos depois, desapareceu por completo das lojas online de distribuição. Acredita-se que tenha sido somente o fim do contrato da licença da marca/parceria com a Ubisoft, mesmo que nada tenha sido detalhado na época. Para a surpresa de todos, em 2020 foi anunciada a versão remasterizada com todas as expansões, lançada agora em janeiro para PS4, Xbox One, Nintendo Switch e PC (no exterior, há uma versão também para Google Stadia).
Na história original dos quadrinhos de Bryan Lee O’Malley, que servem como base para o jogo e para o filme de 2010, Scott se apaixona por uma garota chamada Ramona Flowers, que tem sua vida amorosa controlada por seus 7 ex-namorados. O grosso do game é exatamente este: o rapaz canadense precisa combater a “Liga” e só então terá a chance de namorar Ramona. No final das contas, a história acaba sendo somente o plano de fundo para justificar a porradaria.
Com tantas referências contidas à cultura pop no material original, era inevitável o próprio game Scott Pilgrim ser recheado de easter eggs para jogos 8-bit e 16-bit que marcaram época. Isso se estende até os menus, pois logo na tela de seleção de personagem nos deparamos com uma cópia de Super Mario 2. O mapa, por sua vez, lembra bastante Super Mario World. Com isso vemos como a versão para Switch vem a calhar, dado que não há tanta exigência de hardware e temos uma convergência deste público-alvo “gamer nostálgico“.
Então chegamos a um ponto crucial: a história não inova em quase nada dos quadrinhos, então quão bom o game é em contá-la? De maneira direta, não muito. Exceto pela cutscene inicial, pressupõe-se que você tenha um contexto básico do universo de Scott Pilgrim. Opcionalmente, você pode escolher por relevar a história e aproveitar a jogabilidade e o grind para chegar nos chefões.
Movimentação e jogabilidade
Jogos arcade como Scott Pilgrim vs The World não têm muito a inovar na fórmula, então é tudo uma questão de ver quais elementos extras são aplicados nessa mistura na tentativa de te entreter. Me surpreendi quando entrei em uma porta por completo acidente, por exemplo, e passei a testar portas diversas. Em uma rápida pesquisa na internet, encontrei listas (do game original) explicando como funcionava a compra de itens e o que exatamente você ganha em cada um.
As explicações vagas soam poéticas, mas em um game onde itens são quase essenciais para um bom progresso, chega a ser frustrante ler “essa delícia vai matar sua fome” ao invés de “dá +50 pontos de HP e +3 pontos de força”. Mesmo que tente remeter ao prazer das descobertas ocasionais de fliperamas, nos tempos de hoje, pagar R$60 em um jogo digital para não entender mecânicas básicas é outra história. Fica a dica: encontre um guia que explique os bônus de itens permanentes e evoluam seu personagem.
Ter jogado (e adorado) o recente Streets of Rage 4 tornou inevitável comparar a evolução de jogabilidade com estes clássicos marcantes. Com certeza em Scott Pilgrim há uma linha mais tênue entre os diferentes personagens à sua disposição. Os combos são desbloqueados de forma gradativa e a noção de profundidade pode confundir ocasionalmente, mas a adição da compra de itens ajuda um pouco a “dar um norte” melhor do que só partir para a luta corpo-a-corpo.
Scott Pilgrim vs The World pelo menos possui um aspecto de games clássicos que o torna divertido: o multiplayer. São até três amigos simultâneos, com opção de co-op online ou local sem afetar diretamente a narrativa. Na tela de seleção de personagem, você também pode optar pela cor de roupa que mais te agrade. Como adição desta versão “completa”, tanto Wallace Wells como Knives Chau podem ser escolhidos – o que antes era possível somente com a compra da expansão.
Como não conheci ninguém que possuísse/pudesse jogar Scott Pilgrim online (e estamos em uma pandemia), me contentei com o modo single player. Mesmo assim, preciso mencionar que há certos modos arcade, como a sobrevivência a um ataque de zumbis, que com certeza é mais divertido se você jogar com dois ou três amigos.
Combate e atmosfera
Em relação ao combate, temos mais um clichê bem-humorado, pois os inimigos viram moedas quando morrem. Entre os mais fracos e os ex-namorados de Ramona, há poucas diferenças no combate. Não há lógica de defesa ou esquiva, infelizmente, como era de se esperar em um jogo ritmado do tipo. Vez ou outra, há uma sequência de inimigos (na maioria, clones) que montam sobre seu corpo caído no chão e te obrigam a esmagar botões repetidas vezes.
São dois ataques para cada personagem, sendo um forte e um fraco, abrindo a possibilidade de fazer combos ao realizar sequências de ataques específicos. No aspecto de movimentação, você tem a principal esquerda-direita (sidescroll) e as várias camadas de profundidade. Nisso, encontrei certo problema para coletar moedas e descobrir em “qual” camada específica o inimigo estava. Muitas vezes quando você chega até essa camada, ele está pronto para te atacar. O mais seguro a se fazer com inimigos mais fortes é aguardar pelo ataque, bloquear e revidar, e assim por diante.
Você também dispõe de um ataque com dano maior de área, que consome seus pontos de energia, mas é útil caso você se encontre encurralado em um dos cantos da tela. Um outro método de ataque menos eficiente que admito ter usado pouco ao longo da jogatina é a convocação de um amigo seu para um ataque especial. Uma pena serem raras as situações onde isso funciona como deveria.
A repetição maçante de enfrentar extensas hordas de inimigos até chegar a um dos chefões/namorados é algo intrínseco ao estilo de jogo que Scott Pilgrim vs the World se propõe. Contudo, o ritmo de beat em’ ups costuma ser um pouco mais agitado. Há pausas de combate, por exemplo, com nocautes – seja dos inimigos te derrubando ou você, impedido de bater em inimigos que estejam no chão até você destravar o ataque que permita isso.
O bloqueio de ataques também pode ser problemático até que você atinja o nível necessário para agarrar inimigos. Por estes e outros motivos, Scott Pilgrim vs the World se aproxima da mecânica de RPGs, quase lembrando os “rogue-likes“. Por contexto: este segundo gênero citado é o tipo de jogo como Hades, onde você deve morrer e voltar à estaca zero com novas habilidades. Essa lógica de progressão lenta foi algo que notei em outro recente da Ubisoft, Immortals Fenyx Rising, mas aqui está mais complexo e com menos fluidez.
Com exceção do primeiro chefão, Matthew Patel, os ex-namorados possuem ataques relativamente simples e quase nunca demonstram um grau de dificuldade que, à parte da lore, tornem-nos caricaturas de “chefões”. Em outras palavras, caso eu não soubesse sobre a história, o segundo chefão com certeza poderia ser só um tipo sutilmente diferente de inimigo “normal”. Isso inclui também o poderoso vegano Todd Ingram, que ainda é hilário como no quadrinho/filme.
Há certos minigames e estratégias mínimas em cada combate, porém, nenhum destaque de tão especial. A aparição do pai de Knives em um encontro completamente aleatório para qualquer jogador foi uma das poucas surpresas de respeito a criar em cima do material base. Essa também acaba sendo uma das disputas mais difíceis do jogo. Perder uma vida para ele é sinônimo de morte. Você volta para o final do nível anterior na seleção do mapa, o que difere de retomar a luta com uma vida a menos. Para enfrentá-lo novamente é preciso sorte.
Algo que auxiliaria a transmitir a imersão na pele dos personagens seriam simples opções de diálogo, por mais que fosse limitada a uma por personagem (por nível). Scott Pilgrim vs the World tem um enorme mundo construído em uma série de quadrinhos, com dezenas de personagens secundários e principais. Era de se esperar, por exemplo, esbarrar com a Lisa Miller – e toda sua simpatia – dentro de uma loja e ter um gesto ou um balão de fala que reconheça a presença do personagem por lá. Ou a reação a algum gesto (taunt) que você faça. Uma única reação seria o suficiente.
Com todos os elogios e críticas citados aqui, uma “verdade absoluta” ao falarmos sobre Scott Pilgrim vs the World e outros jogos com atmosfera nostálgica é que há uma linha tênue entre homenagem e cópia. Ser familiarizado com um gênero de jogo pode ser positivo para você acumular habilidades similares em mais de um título, mas isso vai por água abaixo quando tudo o que existe é uma cadeia de referências sem muita consistência na história.
E reconheço também que um fã detentor de maior bagagem cultural pode ficar em cima do muro ao notar as cópias/homenagens, mas vai de cada jogador compreender a progressão do game como quiser. Repetindo algumas missões e morrendo dezenas de vezes, consegui finalizar Scott Pilgrim vs the World em apenas 5 horas, o que é uma média aceitável para sidescrollers modernos com pegada retrô.
Visual e trilha sonora
O audiovisual é o ponto mais forte de Scott Pilgrim vs the World, sem sombra de dúvidas. Dou destaque para as fases que se passam no trem (mundo 4), com uma mudança de cenários bastante dinâmica. Todo o visual consegue capturar muito bem a energia dos quadrinhos, com um mix moderado de pixel art.
Entendo que, em parte, só gostei de certas escolhas de visual por serem uma referência de respeito aos quadrinhos (que li e reli). Porém, mesmo quem ainda não jogou Scott Pilgrim vs the World precisa reconhecer que o visual do game, exemplificado por minhas capturas ao longo deste post, é um prazer aos olhos mesmo sem qualquer movimento. Com referências aos quadrinhos, pode-se perceber balões de fala discretos e onomatopeias para indicar que o inimigo foi derrotado. A lógica “meta-referencial” da adaptação do falso jogo/quadrinho/jogo é ótima.
Para amarrar tudo, temos composições do grupo Anamanaguchi, banda de chiptune – esse estilo de trilhas clássicas 8/16-bit. Muitos dos chefões tiveram uma atmosfera diferente graças às composições musicais, que complementam a ação vista sem distrair. Esse é um ponto delicado ao falarmos sobre games, pois a música deve te puxar para aquele ambiente do jogo. Em Scott Pilgrim vs the World temos isso demonstrado muito bem. Efeitos sonoros extras também carimbam a proposta retrô.
Conclusão
Scott Pilgrim vs the World: The Game – Complete Edition faz uma excelente tarefa de traduzir a obra-prima de Bryan Lee O’Malley que em si já era inspirada nos games. Música e visual são o que tornam a experiência mais imersiva e te colocam na pele de Scott. Porém, o mesmo não funciona quando tratamos de contar uma história.
Não há como negar. A Complete Edition foi lançada pensando em quem já jogou o primeiro, ou em quem teve vontade e nunca pôde (o meu caso). Esse mesmo segmento do público, por consequência, está familiarizado com Scott Pilgrim e até com o desfecho de sua saga. Então, vale o questionamento: até quando um game beat ‘em up tem a responsabilidade de contar uma história digna?
Para facilitar, traço um rápido paralelo com blockbusters. Filmes onde a ação é o gênero principal não necessariamente precisam ter um bom enredo, afinal, só pagamos o ingresso para ver “tiro, porrada e bomba”. Contudo, sempre é ótimo ter uma história para costurar essas cenas e justificar a jornada do protagonista. O filme de Scott foi bom em adaptar o ritmo do quadrinho, mas não senti o mesmo quando isso foi transportado para a progressão lenta do jogo.
Um dos fatores que ironicamente contribuiu a isso com certeza é a rapidez de produção, visto que os desenvolvedores tiveram apenas 5 meses para criar Scott Pilgrim vs the World do zero. Agora, estando em uma geração nova de consoles e mais de uma década após o game de origem, era de se esperar pelo menos uma atualização daquilo que todos veem como defeitos (até de quem ama o jogo).
Nunca esperei nada à nível de Crash Bandicoot N. Sane Trilogy nem dos recentes Resident Evil, mas uma mínima refinada nos comandos e uma atenção redobrada ao explicar certos sistemas do game ajudariam bastante. É nítido que o jogo ganhou ports para os consoles da geração passada visando 100% de lucro vindo diretamente dos saudosistas fãs dos quadrinhos. Ainda assim, seria satisfatório ter algo mais atraente e intuitivo aos gamers que nunca jogaram o primeiro. Parece que vamos ter que esperar mais dez anos para isso.
O game Scott Pilgrim vs the World: The Game – Complete Edition está disponível somente em mídia digital por cerca de R$60, para Xbox (One e Series X/S), PS4/PS5, Nintendo Switch e PC (via Epic e a loja da Ubisoft).
E aí, o que achou de Scott Pilgrim vs The World? Conte para a gente nos comentários abaixo!
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