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Em 1998, discutivelmente um dos anos mais importantes da história dos videogames, o diretor Hideki Kamiya estava no comando da aguardada sequência para o clássico jogo de terror que se passava na Mansão Spencer. Expandindo e trazendo novos conceitos para a hostil Raccoon City, Resident Evil 2 logo se tornou um marco para o gênero survival horror e um dos mais marcantes títulos daquela geração.
Vinte e um anos após seu lançamento, o clássico aparece em sua melhor forma para provar, mais uma vez, que a Capcom ainda pode nos surpreender com reimaginações de jogos anteriores. Antes de falarmos da grandiosidade do remake propriamente dito, acho justo falar um pouco da trama e de conceitos originais do clássico.
Dupla dinâmica
Leon Kennedy e Claire Redfield são nomes que definem grande parte das melhores aventuras proporcionadas pelos jogos da série Resident Evil. Apesar de não serem dotados de super-habilidades, Leon e Claire — seja como dupla ou individualmente — são praticamente super-heróis da franquia que, pouco a pouco, conquistaram o coração do público por conta das centenas de criaturas derrotadas.
Um dos motivos de Resident Evil 2 ter sido tão elogiado na época foi o chamado zapping system — algo tão impressionante quanto armazenar o conteúdo de dois CDs de PlayStation em apenas um cartucho de Nintendo 64. O peso de algumas ações não sinalizadas no primeiro cenário (ou simplesmente lado A) acarretava em conseqüências ligeiramente imprevisíveis na segunda parte da trama (também conhecido como labo B).
Como anunciado anteriormente pela equipe de desenvolvimento, que contou com a colaboração de mais de 800 pessoas, o Resident Evil 2 desse ano abriu mão desse sistema, trazendo duas campanhas independentes. Uma escolha arriscada que, pessoalmente, considero muito menos interessante e significativa que a ideia original. Afinal, os eventos narrativos envolvendo Leon e Claire acontecem simultaneamente nos mesmos ambientes — mesmo que não perfeitamente alinhados em espaço e tempo.
A receita do sucesso da série
Raccoon City se encontrava em estado de calamidade pública quando os eventos de Resident Evil 2 se desenrolaram pela primeira vez. Automóveis em chamas, corpos empilhados aos montes e estabelecimentos comerciais saqueados evocavam desconforto e um sentimento de tensão constante graças ao ritmo equilibrado de ação, exploração e aventura presente no gameplay.
Felizmente, a reimaginação atual cumpriu o papel de atingir esse ritmo — deslocando a barra de referência dos jogos de terror para um patamar ainda mais alto: Resident Evil 2 é simplesmente muito agradável (ou seria desagradável?) de ser jogado. Sim, é estranho e incompatível considerar “agradável” um jogo sobre explodir cabeças de mortos-vivos e eventualmente morrer tendo seu pescoço devorado do modo mais sanguinolento possível.
Esse tipo de sensação ambígua causada é recorrente da trilogia clássica. Usando e abusando de truques para te assustar — como o posicionamento de inimigos nas esquinas de corredores claustrofóbicos e a presença marcante de um icônico ser grandalhão que te persegue incessantemente —, é um prato cheio para amantes do gênero survival horror.
Em questão de exploração e resolução de enigmas, o jogo poderia ter sido mais do que apenas satisfatório caso o zapping system tivesse sido trazido de volta em sua melhor forma. Mesmo assim, novos desafios lógicos e envolvendo a interconectividade das áreas foram colocados ao longo dos dois cenários para gerar certo feedback aos jogadores quanto à progressão.
Uma série de muitas gerações
De certo modo, a transformação da série ao longo do tempo acabou fazendo bem a si própria. Isso é perceptível no remake de Resident Evil 2, que reúne a atmosfera de terror e hostilidade da trilogia original com a movimentação e combate fluídos de Resident Evil 6. O produto final é muito agradável e bem-vindo tanto para os saudosistas fãs de longa data quanto para os recém-iniciados na franquia Resident Evil.
O combate é, com folga, o melhor da série: a escassez de munição nas dificuldades mais elevadas faz cada bala contar. Os inimigos especiais e chefe foram detalhadamente desenhados para serem aterrorizantes, mas também não ficam atrás em questão de como se comportam frente a nossas ações — como abrir portas rapidamente e cruzar corredores estreitos.
Desviar de zumbis comuns se tornou uma tarefa mais fácil de ser executada, mas apenas quando estamos lidando com uma só criatura. Para grupos com dois ou mais inimigos muito próximos uns do outros, evitar ser atacado se torna mais difícil e o risco de sofrer um dano duplo — com dois infectados mordendo seu pescoço — é ainda maior. Há alguns inimigos mais poderosos, porém, que praticamente não podem ser “enganados”, colocando sobre o jogador a responsabilidade da rota que traçou entre um ponto de salvamento e seu próximo objetivo.
O palco do terror de Resident Evil 2
A delegacia de polícia de Raccoon City, local onde vivemos as intensas primeiras horas de jogo, é construída de forma excepcional — tanto em questões estéticas como em sua estrutura de cenários interconectados. As outras áreas do jogo são satisfatoriamente distintas, conexas e fáceis de serem entendidas.
A famigerada RE Engine, utilizada para desenvolver Resident Evil 7: Biohazard e Resident Evil 2, possui ferramentas e recursos gráficos suficientes para que cenários tenham tons mais escuros e “lavados”, causando uma sensação de desconforto admirável. Os rostos dos personagens, porém, podem se assemelhar um pouco demais com bonecos de cera dependendo da iluminação dos ambientes. Vale frisar que isso não é demérito e nem ao menos um ponto negativo, apenas uma observação.
A sonoplastia em Resident Evil 2 é muito executada, quase que obrigando o jogador a usar bons fones de ouvido para atingir a máxima experiência sonora. Algo que certamente vai agradar a velha guarda da série é a possibilidade de alterar entre o modo atual e clássico — que, inclusive, resgata a nostálgica trilha sonora das salas seguras e dos corredores da delegacia.
Guia turístico de Raccoon City
Enquanto você tenta sobreviver nas imediações de Raccoon City, há coletáveis especiais e desafios opcionais que podem fazer você desviar sua rota de interesse. Os objetivos dos troféus ou conquistas, geralmente desmotivadores ou exigentes demais, parecem ter sido pensados para uma experiência mais hardcore, mas que era intencional desde o início de seu desenvolvimento.
Com todas as qualidades de um clássico de 1998 refeito da melhor forma possível em 2019, o recente Resident Evil 2 se posiciona no topo da lista de uma série de peso — não necessariamente ocupando o primeiro lugar. Os problemas apontados são pequenos demais para ofuscarem o talentoso trabalho dos estúdios envolvidos neste que, possivelmente, é um dos melhores remakes da história dos videogames.