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Em 2002, época em que jogos eletrônicos tridimensionais de mundo aberto ainda galgavam seu espaço na indústria (Grand Theft Auto III havia sido lançado em 2001), um jogo de mesma temática, mas com muitas diferenças, era lançado: Mafia. Em 2020, 18 anos depois, a 2K publica Mafia: Definitive Edition, remake que traz um clássico dos anos 2000 para os visuais modernos.
Em meio a tantos relançamentos de jogos que vemos atualmente, o padrão esperado para Mafia: Definitive Edition estava bem elevado. A Hangar 13, que desenvolveu a nova versão, conseguiu fazer um dos jogos mais bonitos da atual geração de videogames, mas a jogabilidade datada e alguns problemas técnicos prejudicaram o game, disponível para PlayStation 4, Xbox One e PC.
Identidade própria
Mafia é uma franquia que pode ser facilmente comparada a GTA, grande sucesso, inclusive, da mesma publicadora, 2K. O jogo, de terceira pessoa com mecânicas de tiro, acompanha um homem simples que entra para o mundo do crime, e, a cada missão, sobe na hierarquia de sua organização criminosa. Entre um objetivo e outro, há a possibilidade de dirigir veículos (e até roubá-los) por uma vasta cidade — aqui, a fictícia Lost Heaven, baseada em Chicago, Estados Unidos.
As semelhanças, felizmente, acabam por aí, e o jogo tem sua própria identidade. Mafia: Definitive Edition não dá a mesma liberdade de ação que GTA, sendo seu foco nas missões e na história, deixando a cidade para ser explorada por entusiastas. Assim, entre uma missão e outra, o jogador apenas escolhe seu veículo e se encaminha para seu próximo objetivo, e é possível até pular esses momentos, exceto quando a fuga ou perseguição faz parte do objetivo. Mafia se configura, então, como um jogo de mundo semiaberto.
Tendo pouco o que explorar, o jogador não deve esperar por objetivos secundários ou colecionáveis. Há algumas artes de revistas e de carteiras de cigarro para encontrar pelos cenários, mas estão lá apenas para jogadores que prezam pelo colecionismo. Assim, Mafia: Definitive Edition é um jogo direto, para que se acompanhe a trajetória de Tommy Angelo pelo mundo do crime.
O remake não mexeu nesta estrutura, e Mafia: Definitive Edition é tão somente uma releitura moderna do que foi Mafia em 2002. A escolha dos desenvolvedores resultou em pontos positivos e negativos.
Uma história de mafiosos
Você provavelmente já assistiu, leu ou ouviu sobre casos de mafiosos italianos nos Estados Unidos. Para quem já está familiarizado com o tema, Mafia: Definitive Edition não traz nada de novo, cedendo a clichês do gênero. Isso, no entanto, não é uma crítica, pois o jogo trata com maestria os acontecimentos.
Em Mafia: Definitive Edition acompanhamos a entrada e ascensão de Tommy Angelo na máfia ítalo-americana. A ambientação é a década de 1930, época quando os Estados Unidos levantaram rígidas restrições à comercialização e consumo de bebidas alcoólicas (período conhecido como lei seca americana). O país passava por uma grande recessão econômica, após a grande crise iniciada com a “quebra” da bolsa de valores em 1929.
O período era propício para que grupos criminosos se organizassem e traficassem toda sorte de bebidas alcoólicas e as distribuísse pelo território estadunidense. Entre disputas territoriais, abria-se espaço para a corrupção de agentes públicos, além de diversos outros crimes, como assassinatos, explosões, trocas de tiro em vias públicas, e muito mais.
Sem entrar em detalhes de como a história se desenrola, as missões de Mafia: Definitive Edition contêm o que se espera de obras do gênero. No jogo, o jogador terá que levar mafiosos de um lugar para outro, travar guerras de gangue, assassinar figuras públicas, testemunhar traições e até receber carregamentos de bebidas — aproveitamos para indicar ao leitor a excelente série Boardwalk Empire, da HBO.
Belíssimas apresentações visual e sonora
Jogar Mafia: Definitive Edition é como assistir a um dos filmes d’O Poderoso Chefão, porém com interatividade. A ambientação do jogo é magnífica, e ressalta bem a sensação de uma cidade propícia para o crime. A arquitetura, as vestes dos personagens e os veículos são bem retratados.
O maior destaque para Mafia: Definitive Edition fica para o visual dispensado ao jogo, que é um deleite para os olhos do jogador. Todo o cenário é minimamente pensado e montado para se parecer fiel à cidade na qual Lost Heaven se espelha, de forma que a cidade do game original é apenas uma mera lembrança para jogadores saudosistas.
Os veículos são variados e tão detalhados que parecem estar em um jogo de corrida, não de “mundo aberto”. O destaque dado a eles é tão grande que a Hangar 13 separou uma seção no menu (chamada Veiculopédia) apenas para que o jogador veja (e faça um test drive) os carros e motos já vistos e dirigidos no modo campanha.
Em tempos em que o Ray Tracing se populariza, Mafia: Definitive Edition conta com efeitos de iluminação de ponta, porém sem fazer uso da tecnologia, que não é compatível com os videogames atuais (PlayStation 4 e Xbox One). Os veículos refletem o mundo por onde passam. Poças de água, que se formam quando a chuva cai sobre Lost Heaven, refletem faróis dos carros e luzes dos prédios, tudo de maneira dinâmica e realista.
O capricho dado ao ambiente do jogo, infelizmente, não é acompanhado pelos modelos dos personagens, que às vezes parecem um boneco de cera, outras parecem ter saído da geração do PlayStation 3 e do Xbox 360.
Ainda que não haja muito o que fazer no jogo além das missões da campanha principal, Mafia: Definitive Edition contém um modo — acessível pelo menu principal — de livre exploração da cidade de Lost Heaven, que é fruto de um ótimo trabalho da Hangar 13. A cidade é grande e tem vários pontos de interesse, como parques e uma enorme igreja, tudo muito bem detalhado e visualmente impressionante. Neste modo, o jogador poderá, além de vislumbrar e explorar Lost Heaven, arrumar confusão com a polícia e dirigir diversos veículos, mas não há muito mais do que isso para se fazer.
Infelizmente, o nível de liberdade dispensado ao jogo não é nada perto do visto na série Grand Theft Auto, mas felizmente não atrapalha a proposta de Mafia.
Outro ponto forte é a trilha sonora de Mafia: Definitive Edition, que também foi refeita (com direito a novas composições). Em mais este aspecto, o jogo lembra O Poderoso Chefão, obra que marcou o gênero.
Jogabilidade antiquada
A intenção da Hangar 13 com Mafia: Definitive Edition foi tão somente trazer o Mafia de 2002 para jogadores atuais, com tudo o que a tecnologia atual consegue fazer em benefício de gráficos e som. A jogabilidade, no entanto, fora mantida.
Dirigir se torna algo mais próximo a uma simulação do que casual, e é uma ação difícil no jogo. A sensação é de que carros não são rápidos ou estáveis o suficiente (afinal, estamos na década de 1930), e perder o controle é comum. Dá até para escolher transmissão manual para uma dirigibilidade mais realista. Enquanto isso faz sentido ao jogador, há estranheza em outros aspectos da jogabilidade.
A Hangar 13, ao atualizar quase que exclusivamente os visuais do jogo, deixou Mafia: Definitive Edition com cara de jogo novo, mas com jeito de um game antigo. Momentos de trocas de tiro são comuns, naturalmente. Contudo, o ato de atirar não passa a devida sensação de impacto ao jogador, e os inimigos praticamente não reagem ao serem acertados.
A movimentação de Tommy Angelo também é lenta, travada. Mover-se entre obstáculos durante as perseguições e tiroteios é um limitante que mais irrita o jogador. Outro ponto que incomoda são os momentos de briga “no braço” contra NPCs (personagens não controláveis). As movimentações não são nada convincentes e falta a sensação de que aquele soco ou a joelhada foram “de verdade”.
Problemas técnicos
O trato visual que a Hangar 13 dispensou a Mafia: Definitive Edition parece ter um preço a cobrar, e este são os problemas técnicos que o jogo possui. O problema mais comum presente no título é o seu desempenho.
O game é projetado para rodar a 30 quadros por segundo, mas estar abaixo desse patamar é comum. Quando o jogo está intenso, com muitos elementos na tela e em tiroteios, as quedas de desempenho são constantes e atrapalham a execução das ações exigidas. Uma das armas (o rifle), inclusive, gera uma lentidão na atualização de quadros sempre que a mira é ativada.
Também há erros visuais, como a demora no carregamento de texturas de prédios e das ruas. Bugs acontecem constantemente, como NPCs que não se comportam como deveriam. Durante nossos testes, em uma das missões, um dos mafiosos amigos do protagonista chamava por Tommy Angelo a todo o momento para que o esperasse entrar no carro (e dar prosseguimento à missão), mas ele já estava no veículo.
Em outro momento, um NPC não tomava nenhum dano do protagonista, não importava o que fizesse, mas acertava socos mesmo estando longe do jogador.
Os bugs acontecem, mas são pontuais e não estragam a experiência de Mafia: Definitive Edition. As quedas de desempenho, por outro lado, deixam o jogador na mão nos momentos que exigem maior atenção e precisão nos controles. Vale dizer que em PCs robustos e nos consoles mais potentes (PS4 Pro e Xbox One X) as quedas são menores, mas ainda assim acontecem.
Anacronismo dos videogames
Mafia: Definitive Edition é um jogo que traz uma experiência cinematográfica excelente, com uma história de mafiosos que, apesar de não surpreender, prende a atenção do jogador do início ao fim. A obra foi bem-sucedida em recriar o Mafia de 2002 com visuais modernos, mas perdeu uma grande oportunidade de ir além e atualizar a jogabilidade.
O resultado é uma obra belíssima por fora e datada por dentro, que de alguma forma não se encaixa bem em 2020. Para resumir em um termo, Mafia: Definitive Edition é um anacronismo dos videogames.
Mafia: Definitive Edition pode ser encontrado na Steam (PC), Microsoft Store (Xbox One) e PS Store (PS4).
Análise feita a partir de cópia do jogo cedida pela 2K.
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