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Sabe quando uma música infantil é utilizada de maneira imprevisível em um filme de terror? A confusão quase subconsciente é bastante eficaz em te dar calafrios, certo? Multiplique isso por 10 e você tem Little Nightmares 2, um jogo onde você controla uma pessoa miniatura em um clima que consegue ser, ao mesmo tempo, perturbador, apavorante e fantástico. Disponível para a geração passada e, em breve, para a geração atual de consoles, esta sequência do jogo indie de 2017 traz melhorias à fórmula, sendo uma qualidade respeitável dos desenvolvedores suecos do Tarsier Studios.
No game, você está na pele do garoto Mono, que deve entender quem está por trás da prejudicial transmissão de TV (emitida por uma torre gigante, no meio da cidade), visitando corredores assombrados e ruas desertas acompanhado pela jovem Six, a protagonista do primeiro jogo. Após horas de tensão e exploração, te conto como foi minha experiência com o game, dentre as principais qualidades e os poucos defeitos. Lembrando que todas as imagens a seguir foram capturadas por mim, sem edições, no Xbox Series X.
Cenário e atmosfera (assustadora)
Como de costume nos reviews de games aqui do site, o “tradicional” seria abordar a história do título analisado antes de qualquer outro ponto. Porém, exceto por quem lê artigos ou publicações de fãs online, a história de Little Nightmares 2 parece abstrata (em excesso). Ironicamente, a forma mais simples de compreender o que se passa entre os dois jogos é com o lançamento de 2019 Very Little Nightmares, exclusivo para mobile.
Por isso, o que mais impressiona no jogo é a linearidade de cenários e acontecimentos sem que dependa de uma história conectada. Para alguns, a ausência de profundidade pode resultar em uma experiência menos engajadora, mas basta ser guiado por cenários únicos e fugir de monstros nojentos para estar imerso nestes angustiáveis pesadelos. Ademais, você não perde nada caso queira jogar este sem saber da história do primeiro Little Nightmares.
Desta vez, você precisa atravessar uma escola, uma floresta, um hospital e uma cidade. Em todos os níveis você é perseguido por criaturas gigantes, como um caipira e uma professora. Acontecimentos chocantes e sombrios (por áudio e vídeo) mantém o clima de tensão – por exemplo, você está em uma rua e corpos caem ao chão, como suicidas pulando de um prédio. E não há nada “pior” do que você estar logo abaixo de uma das criaturas (que te matam com um golpe) e precisar esperar por uma ação/movimento dela, até poder escapar.
Muito da pressão de um jogo de terror está no fato de você se sentir vulnerável a ataques. Ainda bem que em Little Nightmares 2 há implementação de certas mecânicas para contra-ataque, tanto em criaturas enormes como inimigos menores. Mesmo assim, cenas “fora do roteiro” te surpreendem. Um exemplo disso é acostumar à movimentação da câmera, que afasta/se aproxima em certos momentos. Com a quebra do padrão, você é pego de surpresa.
Compartilhar dos sustos com um amigo poderia resultar em uma experiência mais confortável para muita gente, por meio de um modo cooperativo local (ou online, com servidor local) que infelizmente não existe em Little Nightmares 2. Precisamos nos contentar com a inteligência artificial criada para te ajudar somente quando necessário. Não é um defeito, mas tendo jogos como Unravel Two como referência de um “sidescroller plataforma”, a ideia fica até mais interessante.
Six, a protagonista do primeiro Little Nightmares, é sua acompanhante ao longo deste jogo. O conforto criado por esta companhia é um enorme contraste se compararmos à tensão das demais situações. O detalhe de poder segurá-la pela mão foi um inesperado sentimento acolhedor. Até certo ponto, você (enquanto jogador) também se coloca como responsável pela vida de Six, dado que há ameaças a cada esquina.
Foram 5 horas até eu terminar Little Nightmares 2, incluindo o tempo preso em alguns puzzles. Para aqueles que querem coletar itens especiais e explorar ao máximo cada região, são pelo menos 6 horas de jogo – o dobro do primeiro. Também há colecionáveis, como distração ao clima: restos oscilantes para interagir; chapéus para encontrar, desbloquear e equipar para deixar a atmosfera um pouco mais amigável. Ao todo, são 5 capítulos e 30 colecionáveis.
Jogabilidade
Exploração e quebra-cabeças
Quem jogou o primeiro Little Nightmares sabe muito bem que ele se baseia em uma gameplay quase 100% composta por tentativas e erros. Você precisa entender o ciclo de perseguição de um dos monstros, descobrir o ritmo certo de quando correr ou desviar de objetos, quando escalar ou deslizar. Neste nada muda, pois mortes e ataques repentinos funcionam como “empurrão” para te deixar em um constante estado de alerta.
Para alguns gamers mais “mimados”, a lógica de precisar aprender com os próprios erros pode criar uma experiência insatisfatória. Esta intenção de sempre te deixar atento ao ambiente pode ser interpretada como injustiça, mas fica a critério do jogador levar consigo como quiser. Seu caminho é linear e seus objetivos também.
O principal a ser analisado na questão de apresentação dos quebra-cabeças é quão fácil é a (aparente) resolução. Se você sabe que precisa ir àquela sala com um cadeado, uma chave está escondida em algum lugar. Se há espaço para fusíveis, eles estão por perto. Diferente de características que se assemelhem ao gênero metroidvania, não há portas/passagens inacessíveis naquela seção. Todas que você vir pela frente devem ser exploradas em algum momento.
Caso o jogador seja um explorador nato, é inevitável encontrar itens aleatórios que servem como easter egg para destravar chapéus ou conquistas, mas estes estão muito bem escondidos e não “ficam no caminho” de quem só quiser terminar os níveis de Little Nightmares 2. Por sinal, você não precisa mais carregar uma chave pesada arrastando-a pelo cenário como no primeiro jogo, pois desta vez ela é automaticamente adicionada ao inventário.
O jogo é cinematográfico, sendo uma escolha estilística difícil de ser alterada (justo por fazer parte da essência assustadora). Contudo, um erro constante que se dá pelo ângulo da câmera é a falsa noção de profundidade. Em um game que se baseia em plataformas, fugas e coleção de itens, saber o local exato de suas interações não deveria ser um problema. Repetindo seções/missões, você se acostuma, então pelo menos em sua segunda jogatina à procura de todos os colecionáveis você já saberá o que fazer.
Fuga e combate
Uma qualidade notável do game foi a sutil evolução ativa, em termos de sobrevivência. Little Nightmares te obrigava a fugir dos inimigos e se defender como pudesse, mas agora você deve partir para o ataque e procurar ferramentas para golpear – e até matar, quando puder. Cada inimigo exige certo ritmo de ataque, como um “vacilo” logo antes de ele te atacar. Novamente, temos a aplicação de tentativa e erro, pois você deve reiniciar no checkpoint sempre que for pego por alguém.
O frustrante é que certos checkpoints acontecem imediatamente antes de uma animação específica (sua ou de um NPC). Com certeza seria melhor caso isso ocorresse depois, evitando a repetição excessiva. Entendo quando isso acontece pra criar pressão, mas o jogo peca em introduzir locais de esconderijos ou formas de “driblar” as criaturas à primeira vista, em momentos de desespero.
Também resultado do ângulo de câmera, como citei na seção acima, os ataques ocasionalmente parecem mais próximos do inimigo do que realmente estão. Muitas vezes você vai acertar o chão aos pés de quem te ataca ao invés de nocauteá-los de verdade, como gostaria.
A fuga dos monstros maiores está mais linear em Little Nightmares 2 do que no anterior. 80% das vezes, seu objetivo naquele cômodo é escapar por alguma passagem do lado direito – por exemplo, rente à parede. Em 20% dos casos, porém, você precisa pensar um pouco “fora da caixinha” e optar por soluções verticais ou ir até o fundo do cenário. Em adendo, o controle não vibra à toa, a cada golpe ou passo do inimigo (como em vários games “cinematográficos” por aí). Do contrário, a vibração acontece com parcimônia, sendo um complemento ao audiovisual.
I.A. e conquistas
Six é controlada pela inteligência artificial da máquina, replicando suas ações e te acompanhando de perto (sem ser detectada pelo inimigo). Logo, o game esbarra em clichês dos jogos “cooperativos com CPU” que, para mim, ficou saturado já na época dos primeiros Lego Star Wars – ou seja, há mais de 15 anos.
Você fica parado e espera o computador vir até você para empurrarem um objeto pesado, ou abrir uma porta, por exemplo. É uma forma de te limitar o progresso e sempre fazer questão de garantir que seu amigo esteja lá para ajudar. Apesar disso, a estratégia de pular em sincronia sobre um chão frágil foi criativa. Em outra ocorrência, Mono deve derrotar inimigos enquanto Six remove bloqueios de uma porta, dando uma nova dinâmica para este aspecto cooperativo.
Como esperado, uma deuteragonista comandada por I.A. não está muito polida, mesmo hoje (na nova geração de consoles). Ora Six fica no seu caminho, ora ela não se esconde como deveria e isso quebra por completo a imersão cinematográfica do game. Houve vezes que me questionei sobre quem deveria fazer uma ação, pois ela não estava próxima, e retornei à área anterior. Ela estava presa em um dos objetos, sem me seguir.
Em particular, não gosto de “camadas de desafios” em jogos de terror, o que parece ser uma norma para reaproveitar cenários e te fazer repetir ações. Um exemplo disso é: você está em uma sala e precisa de um fusível para abrir a porta; o fusível está atrás de outra porta, que você só consegue atravessar se tiver a chave de um cadeado; a chave está dentro de um urso de pelúcia que você precisa desintegrar para ter acesso, etc. Essa lógica acontece aqui, mas poderia ser pior.
Uma surpresa hilária foi receber conquistas por fazer ações específicas. A Amizade Transparente apareceu após eu ter passado por uma máquina de raio-x com Mono e Six de mãos dadas; …E Continue Morto! surgiu quando bati em um inimigo três vezes a mais do que necessário. Para o caso de você, leitor, querer jogar Little Nightmares 2, não revelarei especificidades – só vale saber que existe uma dezena de ações e recompensas respectivas.
Visual e áudio
Little Nightmares 2 teve ligeiras melhorias gráficas, mas o principal foi terem tratado melhor do “jogo” entre luz e sombra. Sim, há claustrofobia nos cenários que pedem por esta atmosfera, com a adição de uma camada extra de atenção ao iluminar áreas internas e externas. Se para quem jogou o primeiro game a luz era ótima (e imersiva), agora ficou ainda melhor.
A movimentação horizontal sidescroller dá possibilidades virtualmente infinitas ao uso da profundidade. Dentro de prédios, você se sente “espiando” o personagem controlado por você, porém, basta seguir para corredores aterrorizantes e ver a câmera te acompanhar para, de maneira subconsciente, o medo tomar conta.
Um dos objetos que Mono pode pegar é uma lanterna (utilizada em somente um dos níveis) para paralisar inimigos. Sendo que você pode ligá-la a quase qualquer momento para adentrar ruínas de um hospital abandonado, é de se imaginar que estar sob controle daquilo que você vê (pela primeira vez aplicado desta forma, nos dois jogos) foi um upgrade significativo ao pensarmos em visual e jogabilidade.
Os movimentos da câmera em Little Nightmares 2 estão menos “travados”, também com transições melhores entre cenas animadas e a própria gameplay. Vez ou outra, me surpreendi ao perceber que não estava mais no controle e que a cena seguinte fazia parte do roteiro. Quando a câmera se afasta mais do que de costume em áreas externas, nos deparamos com uma ampla visão que reafirma o ótimo trabalho da equipe de direção de arte.
Outro forte do jogo é o áudio. Recomendamos: jogue com fones de ouvido (ou um sistema 5.1 no volume máximo). Sendo um game de terror, Little Nightmares 2 te convence por detalhes. Há camadas diferentes, do chão que range até uma certa ajuda para prever ciclos de movimento das criaturas. Algumas vezes o som pode tornar seus ataques mais prazerosos e brutais, com momentos stealth mais tensos. E, claro, isso resulta em sustos ainda melhores.
Por sinal, nunca um som de piano foi tão apavorante como em uma situação de Little Nightmares 2. Em certo capítulo, ouvi uma melodia desafinada repetidas vezes. Como o volume pareceu aumentar em sincronia ao meu progresso, reconheci ser um som diegético – ou seja, o som existe dentro do universo do game; não é só para o jogador. Para a surpresa de absolutamente ninguém, tratava-se de uma das criaturas (a professora pescoçuda citada acima) tocando-o. Quando cheguei na sala em questão o piano reverberou ainda mais alto, foi terrível – com isso quero dizer que foi ótimo, sendo um game de terror.
Conclusão
Como se não bastasse ser uma sequência respeitosa ao sucesso indie, Little Nightmares 2 injeta o horror em carga dobrada, com direito a visuais de tirar o fôlego. Problemas de jogabilidade e a curta história deixam a desejar, mas como tudo é contado no ritmo certo, você tem uma espetacular experiência. Quem não jogou o primeiro pode aproveitar sem “medo”, pois tudo o que você precisa saber sobre o universo é contado neste, de forma independente.
Vendido entre R$160 e R$180, Little Nightmares 2 ainda se coloca no patamar de jogos indie mesmo com uma duração de cerca de 6 horas. Em uma realidade onde uma sequência gamer como o último game do Homem-Aranha, que pode ser finalizado em pouco mais de 7 horas, reaproveita o cenário do antecessor e custa R$250 mesmo após 4 meses de lançamento, digamos que o game de terror tem uma boa relação custo-benefício também.
Little Nightmares 2 está disponível para Xbox One, PlayStation 4, Nintendo Switch e PC (Steam). Quando for lançada para a nova geração, ainda sem data exata, o game terá atualização gratuita para quem possuí-lo na plataforma anterior. Se após ler o review não decidiu se o jogo é para você, vale a pena conferir a demonstração gratuita do jogo nas respectivas lojas citadas.
E aí, gostou (e se assustou) com o game Little Nightmares 2? Conte para nós nos comentários abaixo!
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