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Em entrevista exclusiva para o Showmetech, Claudia Muchaluat, presidente da Intel Brasil, falou sobre o conceito de Siliconomy e a importância da América Latina na diversificação da cadeia de produção da empresa. O bate-papo ocorreu durante visita às fabricas e centro de distribuição da Intel na Costa Rica, em que pudemos conhecer melhor como são fabricados os processadores que estão presentes no nosso dia a dia.
O que é Siliconomy?
Citado pela Intel pela primeira vez em 2023, o conceito de Siliconomy (também chamado de Economia do Silício), pode ser explicado como uma “economia em crescimento possibilitada pela magia do silício e do software”. Na época de seu anúncio, o silício, material fundamental na produção de semicondutores, alimentava uma indústria de US$ 574 bilhões que, por sua vez, alavancava uma economia tecnológica global avaliada em quase US$ 8 trilhões.
É uma expressão interessante, cunhada pelo nosso CEO, Pat Gelsinger. De valor para a economia, ela traz mais de quase 600 bilhões de dólares. Isso alimenta uma economia digital global de 8 trilhões de dólares, que representa 15% do PIB Global. Na última década, essa parte da economia digital cresceu duas vezes e meio mais rápido que a economia tradicional. E o interessante é que, desses 15% do PIB global, 1/3 foi influenciado por Inteligência Artificial.
Claudia Muchaluat, presidente da Intel Brasil
A empresa tem investido pesadamente nessas tecnologias e lançou recentemente os processadores Intel Core Ultra e Intel Xeon de 5ª geração, respectivamente, para computadores pessoais e servidores.
A nova geração da linha Xeon promete alto poder computacional para rodar tarefas de inteligência artificial em servidores robustos, ao mesmo tempo que economiza no consumo de energia. E o Intel Core Ultra é um processador para notebooks e desktops, com uma unidade de processamento neural (NPU ou neural processing unit, em inglês) especializada para rodar AI na máquina, mesmo sem conexão com a web. A expectativa da empresa é que os AI PCs devem representar 80% da venda de notebooks até 2028.
Democratização da IA generativa
A AI Generativa está presente em nossa vida há mais tempo que percebemos, mas ganhou especial relevância nos últimos 16 meses. Claudia cita que, no momento, tudo está mais democratizado e isso se deve pelo lançamento de diversas inteligências artificiais ao mesmo tempo. O ChatGPT é o principal exemplo desde que foi disponibilizado de forma gratuita para todos.
A inteligência artificial existe há muito tempo. Temos filmes de 10, 15 anos atrás que previam o que está acontecendo hoje. Acho que sobre a questão da IA Generativa, ela realmente democratizou, porque quebrou aquela barreira de ter que saber interagir com a inteligência artificial. Na hora que podemos falar com a sua linguagem natural, como você tivesse conversando com um assistente, é que de fato é, enfim, qualquer um pode ter acesso. É por isso que que a curva de adoção aumentou bastante. Das IAs generativas, ela deu uma exponencializada com o Gemini do Google e também o ChatGPT.
Claudia Muchaluat, presidente da Intel Brasil
A democratização da IA trouxe como efeito colateral um certo medo generalizado sobre o poder destas ferramentas em substituir o trabalho de seres humanos. E não é preciso ir muito longe para entender: quando ferramentas como o ChatGPT e DALL-E foram lançadas, muitas pessoas acharam que vagas de jornalistas e designers seriam roubadas pelos robôs. Mas, na verdade, estas e outras IAs apenas chegaram para facilitar nosso dia a dia.
Eu acho que quebrarmos a barreira como sociedade e ter um letramento mínimo de AI é o mesmo caso de falarmos inglês há anos. Acredito que, daqui a alguns anos, quem não tiver um conhecimento mínimo de inteligência artificial não conseguirá acompanhar os avanços. Esta ainda é uma tecnologia desconhecida, em termos de oportunidades. Mas há muito o que aprender nos próximos anos. É algo diferente da computação quântica, que é uma realidade, mas ainda não temos computadores quânticos com acesso democratizado, algo que já acontece com as ferramentas de AI.
Claudia Muchaluat, presidente da Intel Brasil
Crescimento da demanda de chips devido à IA
De acordo com dados de relatório da OpenAI divulgado em maio de 2023, o Brasil é o quinto país que mais usa o ChatGPT em todo o mundo, representando 4,3% do tráfego total. A executiva comenta que as demandas irão crescer de forma global e que a indústria de chips crescerá da mesma forma.
Quando falamos de AI, temos todo um conceito de tecnologia por trás. Hoje em dia, tudo que precisa de tecnologia precisa de um chip e, com o crescimento deste uso, também teremos maior demanda de chips. A Intel é uma empresa que nunca olha o hardware isolado do software. Temos mais de 20 mil engenheiros de software em todo o mundo e tudo o que fazemos é buscar uma otimização do software em cima do hardware. E não são todas as empresas que possuem essa visão mais holística.
Claudia Muchaluat, presidente da Intel Brasil
O trabalho para que um país seja escolhido para receber mais investimentos envolve muitas etapas e isso não é o trabalho de apenas um líder ou de uma empresa, mas sim de toda a comunidade.
O Brasil ainda precisa se organizar melhor para ser uma opção no mercado de investimentos da produção de semicondutores. Como líder de uma empresa de tecnologia no país, sei que este é meu dever e iremos trabalhar bastante para isso acontecer. Dentro do campo de responsabilidade da Intel, estamos trabalhando no desenvolvimento de software para gerar ativos de inteligência artificial.
Claudia Muchaluat, presidente da Intel Brasil
Parceria com Governo e universidades brasileiras
A Intel é uma das empresas que mais investem no para o desenvolvimento de novas tecnologias e, para isso também acontecer no Brasil, a companhia fechou uma parceria com o Governo Brasileiro para tudo funcionar de forma integrada.
Quando olhamos para a comunidade brasileira de desenvolvedores de código aberto, somos a quarta maior do mundo. Temos centros de pesquisa avançada que a Intel participa, junto ao Governo e à iniciativa privada. O primeiro é voltado para a criação de tecnologias de cidades inteligentes e o segundo é voltado para indústria 4.0. A ideia é que a gente gere ativos e soluções de AI no Brasil para fomentar o ecossistema e aumentar a maturidade. A ideia é que isso possa ser escalado para outros países. Quando falamos de indústria 4.0, temos alta demanda, mas podemos sonhar com que as soluções criadas aqui também sejam enviadas para outros países.
Claudia Muchaluat, presidente da Intel Brasil
A empresa também realizou um workshop com o Itamaraty e líderes de empresas de tecnologia (incluindo companhias do setor automotivo) em Brasília no segundo semestre de 2023. Especialistas foram convidados para falar sobre as inovações e como isso pode ser utilizado para que as terras tupiniquins sejam um destaque no mercado de semicondutores.
Renu Navale, vice-presidente e gerente-geral para cidades e infraestrutura crítica, comenta que a Intel, há mais de 3 décadas, estuda como otimizar a vida nas cidades. A empresa se compromete a usar suas tecnologias e produtos para permitir que até 70% da população mundial viva em cidades inteligentes até 2050.
Leis de incentivo (Chip Acts)
Claudia também comentou sobre o incentivo ao desenvolvimento da indústria de semicondutores em todo o mundo. Nos EUA, empresas que construírem fábricas locais poderão ter descontos em impostos que chegam a até 39 bilhões de dólares.
Toda essa discussão/agenda de semicondutores tem um viés geopolítico muito forte. Vemos grandes potência tendo esta pauta como uma prioridade em suas estratégias e por isso tantos benefícios estão sendo oferecidos pelos EUA e pela União Europeia. No Brasil, estamos trazendo associações para o centro destas discussões para continuar fomentando para ter um ponto alto em algum momento.
Claudia Muchaluat, presidente da Intel Brasil
A executiva também acredita que precisamos trabalhar em soluções que chamem atenções de grandes nações para que nosso país seja lembrado e receba o investimento de gigantes da tecnologia. E este é um trabalho feito com parceria com o Governo brasileiro e empresas privadas.
A gente precisa trabalhar com universidades e empresas de tecnologia a partir de problemas reais identificados. Como por exemplo, no caso de cidades inteligentes, melhorar o trânsito, a segurança e aprender como ter uma distribuição melhor entre as pessoas que vivem no campo e nas cidades. O conceito de cidades inteligentes, mas usando IoT, recursos de inteligência artificial e todas as tecnologias emergentes para buscar soluções em cima de tecnologia Intel. E quando falo sobre ‘tecnologia Intel’, não falo apenas sobre o hardware, mas também de plataformas de desenvolvimento, kits de aceleração e mais.
Claudia Muchaluat, presidente da Intel Brasil
A fábrica da Intel na Costa Rica
Com 4.800 funcionários próprios e terceirizados, o local já recebeu investimentos de 1,25 bilhões de dólares desde a construção das plantas industriais. O espaço tem 26 mil metros quadrados de área industrial e 17 mil metros quadrados de laboratórios, abrigando o Intel Design Center, principal centro de pesquisa e desenvolvimento da Intel no mundo.
Max Ramírez — diretor da fábrica de Assembly and Test da Intel na Costa Rica — comenta que, desde 2020, já foram produzidas na localidade mais de 35 milhões de unidades de microprocessadores Intel Xeon para servidores, representando mais de 50% da produção total da Intel deste tipo de CPU. Atualmente, os processos de fabricação Intel 3, Intel 7 e o novo Intel 18A são realizados na instalação industrial.
Conhecida antigamente pela produção de café e banana, a Costa Rica é um dos principais países para empresas de tecnologia. O interesse destas empresas fez com que o déficit comercial de 497 milhões de dólares em 1997 passasse para um superávit de 632 milhões de dólares em 1999 — o maior excedente em 50 anos.
Os incentivos fiscais também chamaram atenção de outras companhias e empresas como Acer, Microsoft, Motorola, DSC, EMC Technology e Photocircuits também possuem fábricas na Costa Rica. O país é considerado essencial para o mercado de eletrônica.
Além da Costa Rica, a Intel também tem fábricas em: Oregon (EUA), Arizona (EUA), Novo México (EUA), Ohio (EUA), Costa Rica, Irlanda, Alemanha, Polônia, Israel, Chengdu, Vietnam e Malásia.
Brasil quase teve fábrica da Intel
A Costa Rica não havia sido considerada inicialmente para a construção de uma fábrica da Intel, e países como Argentina, Brasil, Chile, México, China, Índia, Indonésia, Coréia, México, Porto Rico, Cingapura, Taiwan e Tailândia estavam sendo cotados. Entretanto, ao saber da possibilidade de expansão da empresa, a agência de desenvolvimento costa-riquenha — Coalición Costaricense de Iniciativas para el Desarrollo (Cinde) — enviou representantes para a sede da Intel na Califórnia e colocou o país na lista.
Após uma primeira revisão, considerando condições políticas e econômicas estáveis, recursos humanos em número suficiente, custo estrutural razoável (salários, impostos, tarifas de exportação e facilidades para remessas de lucros) e bom ambiente para investimentos estrangeiros, a lista inicial de 14 países foi reduzida para 7. A Intel decidiu que a fábrica seria construída em um país da América Latina, então os países restantes foram: Brasil, México, Chile e Costa Rica.
Primeiro, você precisa entender geopoliticamente quais são os locais que mais fazem sentido e o governo local, em questão de impostos, tem grande influência. As fábricas da Intel têm um volume vultoso, então você depende bastante de dinheiro, isso falando na casa dos bilhões de dólares. Leva um tempo considerável para que a fábrica atinja sua capacidade total e comece a gerar receita. Este não é um esforço que você faz agora e colherá os lucros amanhã; é um processo que precisa de planejamento.
Claudia Muchaluat, presidente da Intel Brasil
O ano de 1996 foi decisivo, pois os executivos da empresa de processadores começaram a fazer visitas nos países finalistas. Além de autoridades federais e estaduais, houve entrevistas com advogados, empresas de consultoria e executivos de filiais de companhias americanas. O Brasil recebeu a visita de Chuck Pawlak, vice-presidente de International Site Selection da Intel, em junho daquele ano.
Especialistas de mercado citam que o Brasil perdeu a disputa por “puro desleixo”. O ministro da Ciência e Tecnologia do governo FHC, Israel Vargas, disse que a Intel tinha muito a ganhar se optasse por construir sua fábrica no Brasil, mas não se esforçou tanto para isso dar certo e chegou a dizer que “não temos de fazer nenhum esforço de barganha”. Pedro Malan, que na época ocupava o cargo de Ministro da Fazenda, não se esforçou para receber os executivos da Intel quando estiveram no Brasil.
A ideia inicial era que a fábrica da Intel fosse construída no estado de São Paulo, mas pode-se dizer que a Intel também foi esnobada pelo governo paulista. Mario Covas, governador de São Paulo em 1996, não ofereceu incentivos fiscais para a empresa e nem mesmo cogitou um encontro com os executivos. Na época, São Paulo estava recebendo muitos investimentos estrangeiros.
Já o tratamento na Costa Rica foi muito diferente: o presidente da República, José Maria Figueres, e ministro do Comércio Exterior, José Rossi, receberam a delegação da Intel. Após terem uma conversa por cerca de duas horas e meia, o presidente se comprometeu a criar um plano para treinar todas as pessoas para trabalhar na fábrica e se colocou à disposição para “resolver todos os problemas”. Após isso, executivos da Intel passaram a visitar a Costa Rica semanalmente. Em julho, Chile e Brasil foram desconsiderados.
Sobraram apenas o México e Costa Rica na disputa. Apesar de ser um país menor, líderes da Costa Rica se mostraram mais dispostos para que a Intel escolhesse o local para construir sua nova fábrica. O tamanho do país, que aparentava ser um problema, na verdade foi visto como um ponto positivo, pois a resolução seria mais fácil.
O México também se mostrou forte, mas sua situação em 1995 trouxe dúvidas, já que passava pelos efeitos da crise cambial mexicana e a cultura sindical do país também era estranha para a Intel. Além disso, o presidente Ernesto Zedillo chegou a oferecer um acordo de “exceção de lei trabalhista” à empresa, mas foi visto de forma estranha.
O presidente da Costa Rica, José Figueres Ferrer, estava à disposição da Intel e, além de levar os executivos da empresa para uma rápida viagem no helicóptero presidencial aos terrenos onde seria construída a fábrica, também ofereceu um pacote de incentivos para as 190 empresas estrangeiras, que também valia para a Intel. Isso incluía:
- 100% de isenção de impostos de importação e exportação;
- 100% de isenção em impostos municipais;
- 100% de isenção de impostos sobre lucros por oito anos;
- Processamento alfandegário rápido na fábrica;
- Eliminação de restrições para a remessa de capitais.
Para chamar atenção de vez da Intel, também foi oferecida a cessão de licenças para voos internacionais e criou programas especiais de treinamento em eletrônica no Instituto de Tecnologia de Costa Rica, em parceria com a Intel.
Em troca destes benefícios, a empresa custeou a construção de duas subestações de energia para as fábricas. Especialistas de mercado dizem que a Costa Rica não se vendeu para a companhia, e sim “houve ajustes para acomodar as necessidades da Intel, mas estenderam as medidas a outros investidores, beneficiando a economia toda.”
Maior investimento nas Américas
Com 80% dos processadores fabricados na Ásia, a Intel deseja equilibrar a produção entre as plantas industriais para que a demanda das Américas seja atendida apenas por fábricas locais. Este trabalho requer uma grande análise para dar certo, conta a executiva.
A empresa está investindo em um mercado que leva o nome de Foundry (Fundição) e permite que o design e fabricação de processadores seja oferecida como um serviço para o mercado. Muchluat cita que a Intel é a única do mundo que faz fabricação e desenvolvimento de design de chips.
Dentro dessa busca pelo equilíbrio da cadeia global de suprimentos, temos 80% dos componentes vindos da Ásia e mais 20% vindo das Américas e Europa. A ideia é equilibrar a cadeia de suprimentos em 50% e 50% para que o Brasil seja uma região que também é essencial para a produção de chips.
Claudia Muchaluat, presidente da Intel Brasil
Você acredita que, um dia, teremos fábricas da Intel no Brasil? Diga pra gente nos comentários!
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