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Segundo previsão da ONU, a população mundial chegará a 9,7 bilhões de pessoas em 2050. A informação é do relatório Perspectivas da população no mundo, publicado em junho de 2019. Isso indica que teremos bilhões de bocas para alimentar – e como faremos isso?
Segundo alguns pesquisadores, como o biólogo Marcelo Menossi, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) entrevistado pela revista SAÚDE, a melhor maneira de garantir uma produção boa e significativa de alimentos é utilizar transgenia.
Os alimentos transgênicos foram desenvolvidos há mais de 20 anos e você provavelmente possui alguns deles na geladeira ou na dispensa – é só procurar pelo “T” dentro de um triangulo amarelo na embalagem.
Mas o que isso significa? Como esses alimentos mudaram o jeito que nos alimentamos? Devemos nos preocupar com a produção cada vez maior de alimentos transgênicos?
O que são alimentos transgênicos?
Alimentos transgênicos são aqueles geneticamente alterados. Ao alterar o DNA deles utilizando biotecnologia, é possível inserir uma característica que não tinha antes, como resistência a um clima diferente do qual ele necessita para se desenvolver naturalmente.
No entanto, essa é uma estratégia adotada principalmente para que as plantas e alimentos sejam resistentes a doenças e pragas agrícolas.
Essa alteração do código genético pode ser feita ao inserir genes de um organismo em outro, o que pode ser realizada até entre organismos de espécies diferentes.
Como os alimentos transgênicos surgiram?
Você já ouviu falar no tomate Flavr Savr? Ele é conhecido como um supertomate, o primeiro alimento geneticamente alterado com a promessa de ser uma “supercomida”, mais bonito, robusto, atraente e com durabilidade maior do que os outros “comuns” – como conta o apresentador Christophe
Haubursin, do canal Glad You Asked.
Junto com o supertomate vieram também outros alimentos promissores, como o “arroz dourado”: enriquecido com betacaroteno para combater cegueira e a morte por falta de vitamina A.
A ideia de alimentos enriquecidos com vitaminas e nutrientes que carecem no consumo diário da população parece uma grande ideia, não é? A curiosidade que surgiu em torno dos “supertomates” trocou de lugar com a luta contra os alimentos transgênicos.
Alimentos transgênicos estão no nosso prato. Devemos nos preocupar?
Os alimentos transgênicos já estão em nossos pratos e você talvez já tenha consumido algum alimento transgênico hoje. Ainda assim, a polêmica sobre o consumo de alimentos geneticamente modificados continua e se consolida como um dos assuntos mais controversos da tecnologia no mundo moderno.
Segundo a BBC, pesquisas sobre o uso de alimentos geneticamente modificados indicam que a opinião pública está se tornando mais positiva para o seu uso. A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) e a Organização Mundial da Saúde (OMS) garantem que esses alimentos são seguros para a saúde humana. No entanto, protestos contra o uso de transgenia persistem.
A polêmica dos alimentos transgênicos
De um lado, vemos pessoas defendendo a alteração genética de alimentos, dizendo que essa mudança utilizando biotecnologia é inofensiva e pode apenas beneficiar a população. No outro, pessoas consideram os OGMs uma ameaça série a saúde e ao meio ambiente, pois, no processo, os pesquisadores inserem vírus e bactérias nos alimentos.
Como você sabe, não é bem assim que a alteração genética funciona: os cientistas pegam um gene de um organismo e o inserem em outro. O caso apresentado por Christophe no vídeo ilustra bem isso: é como se você pegasse uma bactéria que mata insetos e o colocasse em um milho. Assim, quando um inseto tentasse comer o milho, ele morreria sem afetar a plantação.
Segundo a geneticista Pamela Ronald, da UC Davis, a alteração genética de plantas e na produção de remédios tem sido feita há mais de 40 anos – e não há registro de que isso prejudicou a saúde humana ou do meio ambiente.
Uma pesquisa de 2016 da The National Academies Press, intitulada Genetically Engineered Crops, foi feita com milhares de relatórios. Um desses relatórios diz:
“Há evidências de que plantações resistentes a insetos trazem benefícios à saúde humana ao reduzir o uso de inseticidas e pesticidas. (…) A pesquisa que foi conduzida com estudos em animais e na composição química de alimentos transgênicos revelou que não há diferenças em relação aos danos à saúde entre ingerir alimentos geneticamente modificados e alimentos não modificados.”
A Pew Research, uma enquete de 2015, mostrou que 63% dos estadunidenses não acreditam que alimentos geneticamente modificados são seguros – enquanto 88% dos cientistas afirmam que esse consumo é seguro.
No entanto, a maior parte de alimentos transgênicos produzidos nos Estados Unidos não é utilizado para alimentação das pessoas: o milho geneticamente modificado, por exemplo, tem 38% de sua produção dedicada para a produção de etanol e 45% para produzir alimentos para gado e outros animais da agropecuária (Dados: National Corn Growers Association, 2019).
De maneira prática, transgenia permite que possamos produzir alimentos em uma escala nunca vista antes.
O que preocupa a produção de transgênicos nos Estados Unidos
Na década de 90, toda a indústria de produção de mamão no Havaí estava praticamente falida. As plantas pegaram um vírus de mancha anelar que afetava o mamão e isso perdurou por décadas, até que foi desenvolvido uma versão geneticamente alterada do mamão que era resistente ao vírus. Até 2017, essa foi a única fruta transgênica vendida nos EUA.
E por que esse mamão é então importante? A fruta foi uma prova viva de que transgenia poderia beneficiar tanto os consumidores quanto os produtores. No entanto, isso trouxe um problema para o Havaí: o estado se tornou o maior espaço de teste de transgênicos a céu aberto – o que é ainda mais impressionável quando lembramos que os EUA são o maior país produtor de alimentos transgênicos no mundo.
O Havaí foi escolhido porque o seu clima permite de três a quatro plantios por ano. Esses testes, que envolvem pesticidas e herbicidas, levantam o problema da proximidade desses campos com comunidades locais. Em 2014, o condado de Mauí proibiu a pesquisa, desenvolvimento e produção de alimentos transgênicos. No entanto, essa proibição foi derrubada em um tribunal federal.
Por que organizações como a SHAKA, que luta pela preservação de recursos naturais de Mauí, são contras esses estudos? Um dos principais genes incluídos em alimentos é um de tolerância contra herbicida. Ou seja, quando o agricultor borrifar herbicida para matar ervas daninhas, ele não precisa se preocupar que isso afete a qualidade da sua produção.
O problema é que, mesmo que esse atributo genético tenha reduzido o uso de inseticidas, ele encoraja o uso de mais herbicidas. Um dos componentes desses herbicidas foi sempre considerado seguro, até que em 2015 a Organização Mundial de Saúde concluiu que pessoas expostas ao herbicida podem desenvolver câncer.
A população do Havaí e mais especificamente de Mauí ficaram receosos com as produções corporativas de alimentos transgênicos. A maior preocupação, segundo o Dr. Lorrin Pang, é com o uso de pesticidas – os quais estão sendo utilizados em abundância. O vento levou os pesticidas para as áreas habitadas sem comunicarem as comunidades ou sequer pedir o consentimento deles para esse uso.
O problema, segundo Dr. Pang, é que o processo para querer alimentar o mundo está no desrespeito direto dos direitos de algumas pessoas que são diretamente afetadas por esses testes e produções.
As regulamentações são caras e rígidas. No entanto, a produção de alimentos como soja, milho, alface, etc, ocupam muito espaço – e isso incluiu a proximidade com áreas habitadas por pessoas.
E tudo isso se remete a uma coisa: as grandes corporações responsáveis por desenvolver as sementes geneticamente modificadas.
Ao descobrir qual gene, quando integrado ao DNA de outro organismo, pode possuir benefícios, a corporação em questão faz a patente disso. Ou seja, qualquer fazendeiro que queira plantar uma soja transgênica, por exemplo, precisa pagar royalties para a empresa que desenvolveu esse organismo modificado.
A polêmica no Brasil
Os países produtores de alimentos transgênicos utilizam cerca de 185 milhões de hectares para a produção de OGMs, com foco na produção de soja, milho e algodão. Nesse cenário, o Brasil é responsável por 49 milhões de hectares, se consolidando como o segundo maior país produtor de transgênicos no mundo – ficando atrás apenas dos EUA no ranking global, segundo dados do Serviço Internacional para a Aquisição de Aplicações em Agrobiotecnologia (ISAAA).
Para regular a produção de transgênicos no Brasil, existe a Lei Brasileira de Biossegurança (11.105/05), regulamentada em 2005. Essa lei obriga que o transgênico passe por uma série de estudos para garantir a segurança alimentar e ambiental do alimento, e, somente após analisado e aprovado pela CTNBio, o produto está ok para encher as prateleiras do mercado.
Sobre a CTNBio: a sigla significa Comissão Técnica Nacional de Biossegurança, a qual integra o Ministério da Ciência e da Tecnologia com o objetivo de regulamentar e dar apoio técnico ao Governo Federal com a Política Nacional de Biossegurança que diz respeito aos OGMs.
Em setembro de 2019, o Ministério Público Federal pediu por mudanças nos procedimentos adotados para a liberação comercial de OGMs. Segundo o MPF, “a atribuição prevista expressamente no inciso V do artigo 14 da Lei de Biossegurança (Lei 11.105/2005) permite que a adequada mensuração dos impactos dos transgênicos no meio ambiente e na saúde possa ser efetivada, mas, infelizmente, tal atribuição não é exercida”.
O Ministério Público Federal acredita que a fiscalização da CTNBio não condiz com a regulamentação internacional. Considerando que o Brasil é o segundo maior produtor de alimentos transgênicos, é necessária uma regulamentação que condiz com os padrões internacionais.
A preocupação brasileira
Wanderlei Pignati, médico e professor da Universidade Federal de Mato Grosso, responsável por pesquisas sobre efeitos de agrotóxicos, foi entrevistado pela BBC para expressar uma preocupação latente no uso de transgenia no país: uso de diferentes substâncias em uma mesma plantação.
O registro de agrotóxicos, segundo o professor, se baseia no uso isolado de cada substância, enquanto agricultores podem utilizar mais de uma na mesma produção – aumentando os riscos.
Em um estudo que monitorou os efeitos da exposição de agrotóxicos em moradores de Lucas do Rio Verde, onde há uma das maiores produções agrícolas do Brasil, foi descoberto que os limites mínimos de distância entre o uso de agrotóxicos a fontes de água, animais e moradores não foi respeitado.
Nessa pesquisa, foram encontrados resíduos de agrotóxicos em mostras de leite materno, por exemplo, além de casos de intoxicações, desenvolvimento de câncer, malformação e problemas respiratórios com maior incidência nos últimos dez ano, conforme mostrado na matéria da BBC.
Qual a solução? Segundo Pignati, o governo federal deve investir no desenvolvimento tecnológico para a substituição de agrotóxicos.
Afinal, devemos ser pro ou contra alimentos transgênicos?
A alteração genética de alimentos pode ser a resposta para uma produção em maior escala para alimentar as mais de 9,7 bilhões de bocas que são esperadas para o futuro. No entanto, a preocupação contra o uso de OGMs é em relação ao uso de pesticidas e herbicidas.
A tecnologia possui, sim, o potencial para ser benéfica para toda a população. Mas a maneira que está sendo utilizado complica o seu uso e demoniza a tecnologia que pode ser usada para aumentar a produção de alimentos.
Confira o vídeo sobre o assunto do Glad You Asked:
Fontes: Glad You Asked
BBC Brasil
SAÚDE