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A perspectiva de chegar em Marte traz de volta um clima de inovação para a exploração do espaço inexistente desde a ida à Lua. Depois de um longo período, a NASA não está sozinha na tarefa, contando com ajuda privada de empresas como SpaceX e Blue Origin. Stephen Hawking deixou uma mensagem encorajadora para uma geração que já consegue vislumbrar o pouso na superfície do planeta vermelho. Ainda assim, há quem siga rejeitando a ideia de investir bilhões em projetos do tipo.
Em um mundo com crescentes conflitos e desigualdade, a cobrança é clara. Afinal, por que devemos, como sociedade, apoiar gastos em programas de exploração do espaço? Principalmente enquanto ainda existem pessoas morrendo de fome e sem saneamento básico aqui em embaixo?
A rejeição a programas espaciais vem de longa data. Uma história sozinha é capaz de ilustrar esse conflito de ideias tão bem-intencionadas. Era o ano de 1970 quando uma freira do Zâmbia, até hoje um dos 50 países mais pobres do mundo, cobrou uma resposta da comunidade científica. A irmã Mary Jucunda enviou uma carta à NASA questionando o investimento de bilhões em uma missão tripulada para Marte.
A carta foi respondida pelo Dr Ernst Stuhlinger, então diretor do Marshall Space Flight Center. Ele aproveitou a oportunidade para defender a exploração espacial. Sua ideia parte do pressuposto de que o esforço em grandes projetos leva a inovações que, no fim, melhoram a vida humana na Terra. Em longo prazo, descobertas feitas por cientistas espaciais podem inclusive ajudar a combater a fome.
Mas, ele não para na simples defesa da ciência como ente abstrato. Ele vai afundo nos exemplos. Os argumentos do cientista são a base das quatro razões listadas abaixo para continuar a investir em programas espaciais.
Porque precisamos entender melhor as ciências naturais
Stuhlinger destaca a importância de estender o conhecimento em ciências básicas para lidar com problemas da vida terrena. Avanços em física, química e biologia, além de ramificações como fisiologia e medicina podem representar a descoberta de novas formas de enfrentar não só a fome, mas também doenças, contaminação de alimentos e água, e poluição do meio ambiente.
As mudanças climáticas podem acabar com cidades e populações inteiras nas próximas décadas, e o mesmo deve ocorrer com terrenos de agricultura. Mas, estudar a atmosfera – ou a falta dela – de Marte ajuda a entender os processos que contribuem para o aquecimento global que acontece agora na Terra. No limite, chegar a Marte pode salvar o nosso planeta ou, no mínimo, servir como plano B.
Porque precisamos de novas tecnologias
Cientistas especiais vão além da física de foguetes, tendo que lidar com desafios que envolvem a manutenção da vida em ambientes hostis. Ao investir em pesquisa para a criação de uma roupa espacial, por exemplo, investe-se também em tecnologias que servirão, no futuro, para melhorar a subsistência de todos.
Ao pensar em uma colônia marciana, os desafios de ciência do solo podem servir para salvar terrenos destruídos pela monocultura exploratória no mundo. A mesma lógica se aplica no desenvolvimento de tecnologia de satélites para GPS e monitoramento espacial. Em Marte é útil para reconhecer o território extraterreste; aqui será útil para mapear clima e locais de plantio.
Porque necessitamos de inspiração
O avanço de programas do espaço tem um efeito grande sobre o interesse pela ciência. O resultado simbólico disso vale, talvez, até mais do que resultados concretos em novas tecnologias e conhecimentos científicos. Quanto maior for o investimento da NASA, da SpaceX, Blue Origin e outros na corrida a Marte, mais inspirados estarão os jovens que decidam pela carreira científica.
Nesse sentido, a exploração do espaço se propõe um catalisador. Ao beneficiar o surgimento de novas tecnologias e mais conhecimento lá fora, permite transpassar parte dessa inovação para áreas da vida comum. Como resultado, a solução para demais problemas podem ser acelerados.
Porque a luta contra a fome é política
Mas, por que devemos nos satisfazer com o subproduto da exploração do espaço para resolver nossos problemas mais básicos? Uma das críticas mais comuns aos argumentos mostrados acima é simples: se o investimento em ciência espacial pode acelerar a inovação, porque não aplicar o dinheiro diretamente nas áreas carentes? Em tese, essa estratégia poderia trazer resultados ainda mais rápidos.
A primeira explicação tem relação com um forte componente de inspiração. Cientistas que trabalham em ciência do espaço tendem a se sentir mais motivados para extrapolar seus limites em busca de um ideal comum. Não por acaso NASA e outras instituições reúnem algumas das mentes mais brilhantes em seus corpos técnicos.
Outro motivo, esse mais abrangente, tem a ver com a luta política pela solução da fome e outros problemas humanos. Nos EUA, o investimento anual destinado à pesquisa sobre o espaço é de apenas 1,6% do orçamento, ou menos de um terço de 1% do PIB. O gasto com defesa, incluindo despesas com guerras, chega a 16% do orçamento federal americano. Segundo a fundação Peter G. Peterson, crítica da política fiscal dos EUA, o país gasta mais nessa área do que os valores combinados de China, Rússia, Arábia Saudita, Índia, França, Reino Unido, Japão e Alemanha.
Isso sem falar no recorte político em torno da produção e distribuição de comida no mundo. Enquanto populações morrem de fome na África e no Nordeste brasileiro, países desenvolvidos são reis do desperdício.
A luta contra a fome é uma luta de interesses. E tudo indica que, nesse cenário, os cientistas espaciais estão do mesmo lado da irmã Mary Jucunda do Zâmbia.
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