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Cidades em todo o mundo estão enfrentando um desafio cada vez mais urgente devido às mudanças climáticas: chuvas intensas estão transformando ruas em verdadeiros rios, inundando casas, prédio e bairros inteiros, muitas vezes com consequências trágicas, como as que acompanhamos no Rio Grande do Sul. Diante desse cenário, Kongjian Yu, renomado arquiteto paisagista e professor da Universidade de Pequim, apresentou o conceito de cidades-esponja propondo uma abordagem inovadora: ao invés de resistir à água das chuvas, ele sugere que as cidades convivam com elas causando o menor dano possível.
Em vez de simplesmente construir mais redes de drenagem, erguer muros contra inundações e canalizar rios entre aterros de concreto, como é tradicionalmente feito, Yu desenvolveu o conceito que se baseia em desacelerar e dispersar a força das águas das enchentes, permitindo que elas se espalhem de forma controlada. Essa abordagem é comparada por Yu a “fazer tai chi com a água”, uma referência à arte marcial chinesa em que a energia do oponente é redirecionada de forma fluida e harmoniosa contra ele próprio, ao invés de ser resistida de forma bruta.
Como as cidades-esponja funcionam
As cidades-esponja são uma abordagem inovadora para lidar com as inundações urbanas, um problema cada vez mais comum e grave devido às mudanças climáticas. Essa abordagem, desenvolvida pelo arquiteto paisagista Kongjian Yu, propõe uma nova maneira de gerenciar as águas pluviais, em contraste com os métodos tradicionais de drenagem.
O conceito de cidade-esponja baseia-se na ideia de que a água da chuva não deve ser vista como um problema a ser drenado e afastado para fora da cidade, mas sim como um recurso a ser gerenciado de forma inteligente. Em vez de canalizar toda a água para sistemas de drenagem subterrâneos ou rios, as cidades-esponja buscam reter parte dessa água, permitindo que ela seja absorvida pelo solo, armazenada em reservatórios ou redirecionada para áreas verdes.
O conceito das cidades-esponja tem três objetivos principais:
- Reter a água da chuva assim que ela cai do céu. Isso envolve reservar cerca de 20% da área da superfície para sistemas de açudes, evitando que toda a água vá direto para o rio principal.
- Diminuir a velocidade dos rios. Ao reduzir a velocidade da água, cria-se a oportunidade para que a natureza a absorva.
- Adaptar as cidades para ter áreas alagáveis. Essas áreas são projetadas para que a água possa fluir sem causar danos, criando grandes estruturas naturais que retêm temporariamente a água e depois a liberam lentamente para o lençol freático, sem inundar as residências.
Por isso, uma das principais características das cidades-esponja é o uso extensivo de áreas verdes, como parques, jardins e telhados verdes. Essas áreas ajudam a absorver a água da chuva, reduzindo a quantidade de água que entra nos sistemas de drenagem. Além disso, estruturas como lagoas e canais são projetadas para reter temporariamente a água das chuvas intensas, permitindo que ela seja liberada de forma controlada posteriormente.
A ideia toda das cidades-esponja é uma filosofia: reter água no local. Para manter a água no solo, porque tem a ver com a distribuição dos recursos hídricos, com a captação, seja do telhado ou do seu quintal e a distribuição, e não a canalização da água, [o objetivo não é] concentrá-la em um sistema de dutos
Kongjian Yu
Outro aspecto importante das cidades-esponja é a redução do uso de superfícies impermeáveis, como concreto e asfalto, que impedem a absorção natural da água pelo solo. Em vez disso, são incentivadas práticas como pavimentos permeáveis, que permitem que a água se infiltre no solo. Esses pavimentos são projetados com materiais porosos que permitem que a água da chuva se infiltre lentamente, em vez de se acumular em poças ou correr rapidamente para os sistemas de drenagem. Isso ajuda a recarregar os lençóis freáticos, reduzir a carga nos sistemas de drenagem e prevenir inundações.
Kongjian Yu desenvolveu projetos inovadores de cidades-esponja na China, país que enfrenta sérios desafios com inundações urbanas devido ao rápido desenvolvimento urbano e às mudanças climáticas. Em suas intervenções, Yu procurou integrar elementos naturais, como lagos, rios e áreas verdes, com infraestruturas urbanas tradicionais, como estradas e edifícios. Isso não apenas ajudou a controlar as inundações, mas também melhorou a qualidade de vida dos habitantes, proporcionando espaços públicos mais agradáveis e saudáveis.
As cidades-esponja representam uma abordagem mais sustentável e integrada para o gerenciamento de águas pluviais urbanas. Ao invés de simplesmente tentar afastar a água, essas cidades buscam conviver de forma harmoniosa com as forças da natureza, aproveitando os benefícios que a água pode trazer e minimizando os impactos negativos das inundações.
Resultados do projeto
Uma pesquisa conduzida pelo Banco Mundial em 2020 revelou que a China abriga a maior parte da população mundial exposta a riscos significativos de inundação. De acordo com o estudo, 329 milhões de cidadãos chineses, de um total de 1,47 bilhão de habitantes globalmente, estariam “diretamente expostos a riscos substanciais durante as enchentes que ocorrem uma vez a cada 100 anos”.
Outro estudo realizado na China, conduzido em cidades como Shanghai, Zhousha, Suzhou e Xi’an, constatou que as cidade-esponja conseguem reduzir o escoamento superficial das águas da chuva entre 25% e 69%, além de diminuir o escoamento máximo em até 71%. Por outro lado, os telhados verdes podem reduzir a taxa de escoamento superficial da chuva, com um atraso máximo de 20 minutos.
Após as enchentes em Pequim em 2012, muitos dos planos originais para implementar as cidades-sponja na China foram postos em prática. Kongjian Yu, reitor e professor da Faculdade de Arquitetura da Universidade de Pequim, conseguiu obter o apoio do governo central chinês e chamar a atenção para o conceito. Em 2014, o governo central estabeleceu a meta de que até 2020, em 20% das áreas urbanas, 70% do escoamento de águas pluviais deveria ser reciclado. Para 2030, essa meta subirá para 80%. Projetos pilotos da Sponge City começaram em cidades como Wuhan, Chongqing e Xiamen.
A implementação das cidades-esponja na China tem sido um processo complexo e desafiador, com resultados mistos em diferentes regiões do país. O conceito de cidade-esponja foi adotado como uma estratégia para lidar com as crescentes inundações urbanas e problemas de drenagem causados pelo rápido desenvolvimento urbano e pelas mudanças climáticas.
Em algumas cidades chinesas, como Shanghai, Suzhou e Xi’an, as medidas de cidade-esponja foram bem-sucedidas em reduzir os impactos das inundações. A construção de jardins de chuva, telhados verdes e outras infraestruturas verdes ajudou a aumentar a capacidade de absorção e retenção de água, reduzindo o escoamento superficial e aliviando a pressão sobre os sistemas de drenagem.
Um dos projetos mais conhecidos de Yu é a ampliação do Parque Hongshan em Wuhan, que transformou uma área propensa a inundações em um parque ecológico com lagos de retenção e áreas verdes permeáveis. Essas intervenções não apenas reduziram significativamente o risco de inundações na região, mas também criaram um espaço de lazer e recreação para a comunidade local. Outro projeto Sponge City em Chongqing é um exemplo notável de um piloto bem-sucedido: até 2020, 24,2% da área urbana da cidade havia sido transformada. A expectativa é de que até 2025, mais de 45% da cidade esteja em conformidade com os requisitos da Cidade Esponja.
No entanto, em outras áreas, a implementação das cidades-esponja encontrou desafios significativos. Em alguns casos, a falta de planejamento adequado e a infraestrutura inadequada resultaram em projetos que não conseguiram atingir seus objetivos. Além disso, a resistência das autoridades locais e a falta de conscientização da população sobre a importância da gestão sustentável da água também foram obstáculos para o sucesso dessas iniciativas.
Confira no vídeo a seguir como as cidades-esponja da China funcionam:
Exemplos de cidades-esponja ao redor do mundo
As cidades-esponja, concebidas para lidar com os desafios das inundações urbanas e da gestão de águas pluviais, têm ganhado destaque em várias partes do mundo como uma abordagem inovadora e sustentável.
Em Cingapura, foram construídos reservatórios subterrâneos, conhecidos como “tanques de água”, que armazenam a água da chuva para uso posterior. Além disso, a cidade investiu em telhados verdes e áreas de absorção natural, como parques e jardins, para ajudar a reduzir o escoamento superficial e aumentar a infiltração da água no solo.
Na Europa, a cidade de Copenhague, na Dinamarca, é outro exemplo de uma cidade que adotou o conceito de cidade-esponja. Copenhague implementou uma série de medidas de gestão de águas pluviais, incluindo o uso de pavimentos permeáveis, sistemas de drenagem sustentável e a criação de espaços verdes urbanos. Essas medidas ajudaram a reduzir significativamente os problemas de inundação na cidade.
Berlim, na Alemanha, também é uma das cidades da Europa com extensos projetos de Sponge City. Diferentemente de muitas outras cidades do país, Berlim não canaliza água de nascentes ou outras fontes. Toda a água potável da cidade vem de águas subterrâneas dentro de seus limites. Isso significa que a gestão da água em Berlim precisa ser cuidadosa, pois há o potencial de contaminação das águas subterrâneas e de outras massas de água por águas residuais e pluviais.
A maior parte da água em Berlim flui pelo Spree, o principal rio que corta a cidade. No entanto, o fluxo de água é lento, o que significa que, durante fortes tempestades, a água não consegue escoar rapidamente pelos sistemas de tubulação e drenagem, resultando em inundações. Após as inundações repentinas em 2017, houve um compromisso político para que os conceitos da Cidade Esponja fossem aplicados por lei em “cada novo desenvolvimento” em Berlim.
No Canadá, a cidade de Vancouver também tem sido elogiada por suas iniciativas de cidade-esponja. A cidade implementou um plano abrangente de gestão de águas pluviais, que inclui o uso de telhados verdes, jardins de chuva e áreas de infiltração. Essas medidas ajudaram a reduzir os problemas de inundação e melhorar a qualidade da água nas áreas urbanas.
Em Tóquio, no Japão, o projeto Greening Tokyo inclui a construção de telhados verdes, parques inundáveis e pavimentos permeáveis para reduzir o risco de inundações na cidade. Essas medidas também contribuem para a melhoria da qualidade do ar e para a criação de espaços verdes urbanos.
Na Austrália, a cidade de Melbourne implementou um programa de gestão de águas pluviais que inclui o uso de jardins de chuva, tanques de armazenamento de água da chuva e ruas permeáveis. Essas medidas ajudaram a reduzir o impacto das enchentes e a aumentar a sustentabilidade hídrica da cidade.
Em Rotterdam, na Holanda, conhecida por suas inovações em gestão de águas, foram construídos parques e espaços públicos que funcionam como reservatórios temporários durante as chuvas intensas. Além disso, a cidade adotou um plano de “desconexão verde”, que consiste em desconectar áreas impermeáveis, como estacionamentos e estradas, do sistema de drenagem, permitindo que a água da chuva seja absorvida pelo solo.
Desafios na implementação de infraestrutura verde
A implementação de infraestrutura verde, como parte de estratégias de gestão de águas pluviais, enfrenta diversos desafios, e é importante ressaltar que ela sozinha não é capaz de evitar catástrofes como as inundações no Rio Grande do Sul. Embora as cidades-esponja sejam uma medida eficaz para reduzir os impactos das enchentes, é fundamental adotar uma abordagem integrada que combine diferentes técnicas e políticas.
Um dos principais desafios na implementação da infraestrutura verde é a necessidade de espaço disponível. Nem todas as áreas urbanas têm espaço suficiente para a criação de parques, jardins de chuva e outras soluções verdes. Além disso, a manutenção dessas áreas pode ser cara e exigir recursos humanos especializados.
Outro desafio é a resistência das autoridades e da população em relação a mudanças na paisagem urbana. Muitas vezes, a implementação de infraestrutura verde requer a remoção de pavimentos e construções existentes, o que pode gerar resistência e controvérsias. Além disso, a infraestrutura verde pode não ser suficiente para lidar com eventos extremos de chuva, especialmente em áreas urbanas densamente povoadas. Nesses casos, são necessárias medidas adicionais, como sistemas de drenagem mais eficientes e reservatórios de água.
Para enfrentar esses desafios, é essencial adotar uma abordagem holística para a gestão de águas pluviais, que inclua não apenas infraestrutura verde, mas também medidas como controle do uso do solo, planejamento urbano sustentável, educação ambiental e engajamento da comunidade. Somente com uma abordagem integrada e colaborativa será possível reduzir efetivamente os riscos de inundação e criar cidades mais resilientes às mudanças climáticas.
Veja também:
Fontes: NY Times, The Conversation e The Urbanist
Revisado por Glauco Vital em 14/5/24.
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