Os EUA passaram por recorde de baixa temperatura no começo de 2018 por conta de um “ciclone bomba”. No entanto, a tendência histórica é inequívoca: o planeta está ficando mais quente de uma forma sem precedentes. Embora o aquecimento global por ação humana seja consenso na comunidade científica, poucos sabem que boa parte do problema poderia ter sido evitado. Há quase 50 anos, um cientista solitário teve a chance de evitar o futuro alarmante que se desenrola nesse começo de século.
Edward Teller foi um físico nuclear conhecido como o “pai” da bomba de hidrogênio. Ele ganhou notoriedade também por ter travado uma espécie de rivalidade com outro físico, Robert Oppenheimer, o “pai” da bomba atômica. Décadas depois, o que se sabe é que houve um episódio desconhecido para a história até então – o pesquisador poderia ter tido um papel importante no combate às mudanças climáticas.
Era novembro de 1959 quando as principais empresas de energia dos EUA se reuniram em Nova York para celebrar os 100 anos da indústria petrolífera americana. O simpósio Energia e o Homem reuniu cerca de 300 pessoas, incluindo representantes do governo, economistas, historiadores e cientistas. O líder do encontro era Robert Dunlop, presidente da Sun Oil Company e do American Petroleum Institute (Instituto Americano do Petróleo).
Edward Teller era um convidado especial da noite. Ele falaria sobre o futuro da indústria de energia. O que a audiência não esperava era ser surpreendida com uma previsão catastrófica. Teller apresentou os primeiros dados de estudos sobre os efeitos do gás carbônico na atmosfera, e como a substância poderia ser catalizadora do aumento exponencial de temperatura. Tudo leva a crer que, até então, os industriais não sabiam nada sobre os malefícios de um gás invisível e aparentemente inofensivo como o dióxido de carbono.
Senhoras e senhores, estou aqui para falar a vocês sobre a energia no futuro. Vou começar por lhes dizer porque acredito que os recursos energéticos do passado devem ser substituídos. Em primeiro lugar, esses recursos energéticos chegarão próximo do fim à medida que usamos mais e mais combustíveis fósseis. Mas eu […] gostaria de mencionar uma outra razão pela qual provavelmente devemos procurar novas fontes combustíveis. E o assunto, estranhamente, é a sobre a contaminação da atmosfera.
[….] Sempre que você queima combustível convencional, você cria dióxido de carbono. […] O dióxido de carbono é invisível, é transparente, você não pode cheirá-lo, não é perigoso para a saúde. Então, por que você deve se preocupar com isso? O dióxido de carbono tem uma propriedade estranha. Ele transmite luz visível, mas absorve a radiação infravermelha que é emitida pela Terra. Sua presença na atmosfera causa um efeito estufa. […] foi calculado que um aumento de temperatura correspondente a um aumento de 10% no dióxido de carbono será suficiente para derreter camadas de gelo e submergir Nova York. Todas as cidades costeiras seriam cobertas, e uma vez que uma percentagem considerável da raça humana vive nas regiões costeiras, penso que essa contaminação química é mais séria do que a maioria das pessoas tende a acreditar.
O trecho está presente em documentos de arquivo do American Petroleum Institute. Eles revelam que a indústria do setor foi avisada por Teller sobre o efeito estufa muito antes do que se imaginava. Naturalmente, todos ignoraram o aviso do cientista.
O discurso de Teller foi descoberto recentemente por Benjamin Franta, um candidato ao doutorado de História da Ciência em Stanford. Segundo o pesquisador, que escreveu sobre o assunto no The Guardian, não é possível saber como a plateia reagiu às revelações de Teller. Mas, é seguro dizer que a ideia não foi bem recebida pelos bilionários do petróleo.
Teller fez uma previsão que se estendia pelos próximos 50 anos, um prazo talvez extenso demais para convencer quem via nos combustíveis fósseis uma fonte interminável de riqueza. A indústria automobilística, altamente dependente do petróleo, estava apenas engatinhando em países emergentes, como o Brasil.
Até hoje, empresas como a ExxonMobil estão no centro do escrutínio público, mas não veem seu poder cessar mesmo com tantas provas a favor do aquecimento global. Prova disso é a influência crescente de magnatas do setor nos EUA. Rex Tillerson, ex-CEO da companhia de petróleo, é o atual Secretário de Estado (o principal diplomata) do governo Trump.
Dados
Teller tentou de tudo naquela noite de 1959. Como qualquer bom cientista, apostou suas fichas na força dos seus números.
Atualmente, o dióxido de carbono na atmosfera aumentou 2% em relação ao normal. Em 1970, será talvez 4%, em 1980, 8%, em 1990, 16%. Se continuarmos com nosso aumento exponencial no uso puramente de combustíveis convencionais. Haverá um momento de sério impedimento para a radiação que sai da Terra. Nosso planeta ficará um pouco mais quente. É difícil dizer se será de 2 graus, ou apenas um ou 5 (Fahrenheit). Mas, quando a temperatura aumenta em poucos graus em todo o globo, existe a possibilidade de que as geleiras comecem a derreter e o nível dos oceanos comece a aumentar. Bem, eu não sei se eles vão cobrir o Empire State ou não, mas qualquer um pode calcular, observando o mapa e observando que as calotas sobre a Groenlândia e sobre a Antártica têm talvez 5 mil pés [1,5 quilômetros] de espessura.
O consenso na comunidade científica é que a atividade humana é a causa do efeito estufa. Boa parte dessa ação vem da atividade industrial, grande emissora de poluentes de origem fóssil. Hoje isso tudo é consenso. Entretanto, os documentos indicam que Teller tinha dados suficientes para provar o aquecimento muitos anos antes. E, pior, diretamente aos causadores do problema.
Segunda chance
A universidade de Stanford confirmou as previsões de Teller ao American Petroleum Institute em 1968. Segundo Franta, as informações constaram de um relatório oficial. Ou seja, quase uma década depois que os membros do Instituto ouviram tudo em primeira mão.
Alterações significativas da temperatura são quase certas para o ano 2000, e isso pode levar a mudanças climáticas. […] parece não haver dúvida de que o potencial dano ao nosso meio ambiente pode ser severo. […] os poluentes que geralmente ignoramos porque têm pouco efeito local, CO2 e partículas menores que um mícron, podem ser a causa de mudanças ambientais no mundo inteiro – Universidade de Stanford, 1968.
Pouco antes, em 1967, o senado dos EUA começava a fazer consultas públicas sobre a utilização de carros elétricos. Na ocasião, Dunlop foi chamado para dar o parecer do American Petroleum Institute sobre a ideia. Mesmo com todas as evidências, Dunlop redigiu uma carta em que defendia a produção industrial de base energética tradicional. A medida atrasou mais uma vez as mitigações contra os efeitos das mudanças climáticas.
Nós, na indústria do petróleo, estamos convencidos de que, no momento em que um carro elétrico prático possa ser produzido e comercializado em grande escala, [a tecnologia] não aproveitará nenhuma vantagem significativa do ponto de vista da poluição do ar. As emissões dos motores de combustão interna terão sido controladas há muito tempo – Dunlop, 1967.
Atualmente, a produção de veículos movidos à bateria tem incentivo fiscal por parte do governo americano. Empresas como a Tesla tiram proveito da redução de impostos para produzir carros como o Model S.
Futuro nada promissor
O que a história registrou nos anos seguintes foi o aumento constante nas emissões por países como os EUA. O país esteve sempre na primeira ou segunda posições entre os grandes poluentes mundiais. Na indústria automobilística, fabricantes começaram a driblar as regras de controle de redução de emissões de gás carbônico.
Em 2018, os dados científicos e a realidade política não são promissores. Desde 2014, o a temperatura da superfície terrestre vem aumentando ano a ano. Houve pequenas variações provocadas por fenômenos meteorológicos como o El Niño, mas a tendência é visível. Desde 1950, o gráfico de temperatura registrado pela NASA é de constante aumento.
Enquanto isso, os EUA se mantêm em marcha ré em relação ao combate ao aquecimento global. O país rechaçou acordos como o de Paris, celebrado por todas as grandes potências. Em dezembro, pouco antes da queda brusca de temperatura nos EUA, Trump declarou algo muito representativo do momento. “Quem sabe não seria bom um pouco desse velho aquecimento global, do qual o nosso país, mas não outros, ia pagar TRILHÕES DE DÓLARES para se proteger. Agasalhem-se!”.
In the East, it could be the COLDEST New Year’s Eve on record. Perhaps we could use a little bit of that good old Global Warming that our Country, but not other countries, was going to pay TRILLIONS OF DOLLARS to protect against. Bundle up!
— Donald J. Trump (@realDonaldTrump) 29 de dezembro de 2017
É difícil imaginar que, se estivesse vivo, Edward Teller teria sorte melhor com uma autoridade global que ainda confunde os conceitos de tempo e clima tantos anos depois daquele novembro de 1959.
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