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A vitória de Donald Trump para presidente dos EUA provocou um movimento curioso em busca de livros do escritor George Orwell. O clássico 1984, lançado em 1949 e altamente procurado na Amazon, conta a história de uma sociedade em um futuro distópico, onde o autoritarismo é exercido principalmente com manipulação do discurso. Para muitos americanos, esse é o sentimento dos primeiros dias do de governo do novo mandatário.
Entre várias polêmicas do início da era Trump, uma se relacionou particularmente com a obra de Orwell. Sean Spicer, porta-voz da Casa Branca, disse que a posse do novo presidente teve o maior público da história. Mais tarde, em resposta a questionamentos da imprensa, a assessora Kellyanne Conway se referiu ao episódio como “fatos alternativos”.
Apesar de 1984, junto com A Revolução dos Bichos (Animal Farm), ser o livro mais famoso de Orwell, há outra obra que tende a traçar um paralelo ainda maior com as polêmicas envolvendo Trump e o uso sui generis que sua equipe faz do discurso. Trata-se de Politics and the English Language, um ensaio de 1946 sobre o uso da língua por escritores e políticos que parece mais atual do que nunca.
‘Politics and the English Language’
Na primeira metade, Orwell identifica as formas com que palavras desnecessárias ou imprecisas podem limitar o entendimento do texto. Mas, é na segunda metade que os comentários do autor ficam particularmente proféticos para 2017. Ele lida com as consequências políticas do uso impreciso da linguagem por pessoas como Conway, a assessora de Trump. A partir daí, reflete sobre como o poder vigente pode subverter a linguagem em benefício próprio.
Para Orwell, o discurso e a escrita políticos são usados largamente para defender o indefensável. Se a atmosfera geral está ruim, a linguagem também sofre, porque os poderosos relutam em se satisfazer com verdades incômodas. Em vez disso, eles usam eufemismo, retóricas falaciosas e comentários puramente vagos.
O autor usa alguns exemplos para provar seu argumento. Um deles é sobre como governos se referem a bombardeios de cidades como “pacificação”. Ou quando falam em “eliminar elementos instáveis” ao autorizar assassinatos institucionalmente. Do mesmo modo, expressões atuais como “fatos alternativos” têm o mesmo papel.
Trump e a subversão da língua (segundo Orwell)
Quando Trump se refere ao seu desejo de “restaurar lei e ordem” nas “cidades do interior”, por exemplo, sua linguagem vaga esconde o fato de que pessoas negros recebem tratamento pior da polícia se comparadas com quem é branco. Quando ele fala em “fim do politicamente correto”, oculta a intenção de recuperar um mundo dominado por homens brancos. E quando Sean Spicer diz “Esse foi o maior público presente a um evento de posse, ponto final”, ele nos faz questionar nosso completo senso de realidade.
Esse tipo de manipulação da linguagem pelo governo de Trump deve continuar, e até piorar. Mas é por isso que o último parágrafo de Politics and the English Language é talvez o mais importante para conhecer hoje. No final, Owerll diz que devemos lutar para manter a linguagem clara. Reforça que o mais importante é ser franco e envergonhar aqueles que não fazem isso.
1984 é um clássico que questiona até onde um estado autoritário poderia chegar. Mas, Politics and the English Language pode dizer exatamente onde a sociedade norte-americana está agora.
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