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Parece uma profissão inusitada, mas para Glenn McDonald é uma realidade, ele é nada mais que o responsável pela criação de novos gêneros musicais. Porém, ele tem em mãos o maior catálogo musical da indústria, o Spotify, cabe a ele, a árdua tarefa de mapear todas as expressões artísticas do mundo e tentar dar um sentido a elas. Se por acaso você se deparou com a expressão Jazztronica Japonesa, saiba que é fruto da imaginação do próprio. Parece complicado, e talvez seja. Porém, McDonald nada mais é que o analista de dados do Spotify, ou, como ele gosta de se auto intitular, alquimista dos dados.
Em um bate-papo descontraído antes de um show em Boston, ele não consegue evitar um sorriso satisfeito quando questionado sobre a importância do seu trabalho.“Se por um lado, eu me preocupo sobre tudo que diz respeito a números e dados do Spotify, pelo outro, eu tento produzir experiências musicais. Em outras palavras, o que tento fazer é que os números façam sentido, assim como a experiência musical”, comenta McDonald
Para entender a extensão do trabalho de McDonald e como ele é importante para nossa experiência pessoal na plataforma, é necessário deixar claro como ele interfere diretamente nas páginas de nossos artistas favoritos. “Eu faço uma série de estranhos projetos por conta própria, procurando por padrões e, a partir disso, crio playlists. como o site Every Noise At Once”, explica McDonald.
O site a que ele se refere, o Every Noise At Once, ou, em tradução livre, Todos os Sons de Uma Vez, é um deleite para todos aqueles que gostam de se aventurar nos chamados “Buracos de Minhoca” da Música: é um extenso mapa que cataloga exatos (até o presente momento) 1,742 gêneros e subgêneros, desde os massivos pop e country, assim como os de nicho como o Hip Hop Tailandês, Metal Alemão e o Discofox, um gênero que fica no meio do caminho entre o jazz e o eletrônico, tudo isso acontecendo nos países nórdicos. Para os amantes da música, o trabalho de McDonald é fascinante. Para os artistas, é uma útil ferramenta que possibilita melhor entendimento de seu próprio lugar no mundo da música, contexto esse que pode tornar-se uma fonte inesgotável de inspiração e contribuições.
“O projeto inicialmente nada mais era do que uma ferramenta de apuração, que começou a ser desenvolvido no Every Noise At Once, quando ele ainda estava na Echonest, empresa de análise de dados da indústria musical que foi incorporada pelo Spotify em 2014”, confessa McDonald,
Cruzar gêneros uns contra os outros mecanicamente permitiu que McDonald entendesse melhor como esses estilos tem algo em comum uns com os outros e, desde então, essa característica foi o que destacou o seu trabalho aos olhos do público. Tanto que o Every Noise at Once se tornou estampa de moletom, assim como foi eleito o “gênero mais apreciado” pelos ouvintes do You Year in Music. “Muitas pessoas não atribuem importância ao que elas estão escutando no momento. Ao relacionar aquele estilo único a um grupo, um gênero, significa que aquilo tem certa relevância, mesmo que o nome tenha sido algo que eu tenha inventado”, diz McDonald.
A página principal de Every Noise At Once é uma grande colagem de palavras que parecem aleatórias, mas trata-se de um grande compilado de gêneros, que se ramificam, sendo a parte de cima da página dedicada aos estilos com fundo ditos “mecânicos”, enquanto as categorias que ficam mais abaixo são as mais “orgânicas”, por assim dizer. No topo da página, se encontra o re:Techno, um subgênero da música electro. Para encontrar algo como o estilo canto clássico vintage será necessário rodar a barra de rolagem um pouco mais. Da esquerda para direita, dividem os gêneros mais graves para aqueles mais saltitantes. Ao clicar em um gênero de sua escolha, você é direcionado diretamente a uma faixa representativa na própria plataforma.
Alguns gêneros têm links para playlists e artistas em evidência, que listam músicas que os usuários aficionados também possam se interessar, e playlists alternativas, que coletam artistas que não ultrapassaram certo limite de popularidade. Há também algumas listas de reprodução que compilam as músicas de 2017 mais populares pelos fãs de um determinado gênero.
O trabalho constante de McDonald ao longo dos anos ajudou a identificar e popularizar inclusive certos estilos que antes eram considerados de nicho, como, por exemplo, o fenômeno do reggaeton, presente em hits como Despacito e Havana. Além disso, as listas do Every Noise at Once ajudam a incrementar recursos como o Daily Mix e o Discover Weekly, playlists sintonizadas com os hábitos músicais dos usuários. Focado no futuro, os próximos passos tornam-se estabelecer a procura por mais gêneros para adicionar a plataforma.
Spotify também popularizou o funcional
McDonald identificou que músicas ou áudios de som ambiente estão se popularizando e, de prontidão, tentou catalogá-las para melhorar a experiência do usuário. “O sono é o mais óbvio, porque houve um boom tão visível nos ruídos harmônicos e nos sons do oceano e coisas assim. Mas recentemente percebi que há uma crescente popularidade em músicas para aulas de balé infantil, versões simplificadas para crianças poderem dançar. Há uma quantidade surpreendente de músicas voltadas para manter seus animais de estimação calmos enquanto você está longe. Estou sempre procurando por essas subculturas pragmáticas, onde as pessoas tentam resolver um problema com música, mas não de uma maneira expressiva”.
Um novo mundo de possibilidades
De acordo McDonald, existem uma gama imensa de novas possibilidades musicais no mundo ou que já existiam e que só agora que o Spotify está conhecendo. “Estou fascinado por toda esta música electrônica experimental sendo produzida em Fruity Loops em Lisboa, que vem da Angola. As ferramentas estão mais simples, a tecnologia, mais acessível, e com essa facilidade nasceu expressões musicais muito interessantes. É o cruzamento cultural tornou-se possível para músicos que antes eram marginalizados onde a indústria da música é mais restrita. Essa cena de Lisboa é realmente interessante, porque é consumida na Europa, mas é produzida na costa do Atlântico Sul da África Ocidental”.
Gêneros sem nome
O exame minucioso da música por parte do McDonald fez com que ele encontrasse padrões às vezes divertidos e obscuros. “Toda cultura tem alguma coisa de guilty pleasure que eles acham que ninguém mais conhece, e todos eles são incríveis. Schlager na Alemanha, Chalga na Bulgária e Sérvia e o Tecnobrega no Brasil. Aparentemente em toda parte, há uma música de casamento terrível transformada em dance-pop. O Every Noise at Once não é apenas uma ferramenta, muito útil inclusive, para os ouvintes; é uma chance de examinar e repensar as formas como a música viaja entre culturas e entre nossos ouvidos”, finaliza McDonald
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