Índice
Kamala Khan é, sem dúvidas, uma das personagens inéditas mais queridas entre os leitores dos quadrinhos na última década. Sua versão de Ms. Marvel conseguiu resgatar o frescor das primeiras aventuras do Homem-Aranha, lá dos anos 1960, agora repaginado para a década de 2010. E não demorou muito para que Kamala ultrapasse os balões e recordatórios das HQs, participando de animações e até mesmo protagonizando o game Avengers.
Após tudo isso, a adaptação da personagem para o Universo Cinematográfico Marvel (MCU, na sigla em inglês) parecia uma questão de tempo, e foi. Mas será que os dois primeiros episódios da série solo de Kamala Khan fezem jus às altas expectativas em cima personagem?
Um respiro no marasmo
Criada em uma conversa informal entre os editores Sana Amanat e Stephen Wacker, e lapidada pela roteirista G. Willow Wilson, Kamala Khan mudou o jogo dentro do Universo Marvel nos quadrinhos e, felizmente, a versão live-action da personagem parece – pelos menos nos dois primeiros episódios – fazer o mesmo com o MCU.
Embora nenhuma das séries da Marvel lançadas na Disney+ tenha sido considerada um desastre, é notório o descontentamento de parte do público e crítica com algumas dessas obras, que mesclam narrativamente – e emocionalmente, por parte dos fãs – com a Fase 4 do MCU, que por sua vez, é a mais contestada desde a criação desse ecossistema audiovisual.
Com isso, a série da Ms. Marvel parece ter chegado no momento certo, como uma heroína resgatando o MCU do seu próprio marasmo. Em sua série solo, Kamala Khan é, de fato, a protagonista da história macro. Aqui não há um grande evento envolvendo multiversos, vilões intergalácticos, ou mesmo ligações diretas com filmes anteriores. Nos dois primeiros episódios da série acompanhamos uma adolescente, com problemas de adolescente, que eventualmente acabou ganhando poderes no meio do caminho.
Gente como a gente
Se a vida de Peter Parker nos quadrinhos impressionava os leitores como uma espécie de retrato realista da juventude americana nos anos 1960, Kamala Khan representa esse mesmo público, com algumas décadas de diferença. A personagem é americana de origem paquistanesa, nerd de carteirinha, do tipo que faz cosplay e cria fanfics, mas sem nunca deixar de lado o legado cultural de sua família.
Inclusive, o fato de ser extremamente nerd, fã dos Vingadores, principalmente da Capitã Marvel, conversa muito bem com os fãs do próprio MCU. Afinal, os heróis no mundo da personagem são os mesmos que acompanhamos nos cinemas há mais de uma década.
Mas as coisas começam a mudar de fato na vida de Kamala, quando ela usa um bracelete que pertenceu à sua bisavó, que despertando suas habilidades de construir objetos de energia. Ela então precisa aprender a controlar os novos poderes e entender seu papel no universo de super-seres.
Mudança nos poderes
Há algumas diferenças na origem da personagem, se comprado com a versão original. A principal e mais evidente, foi em seus poderes. Se nos quadrinhos Kamala é uma transmorfa, na série esse poder é reduzido a criações de projeções energéticas. E claro que essa mudança foi motivo de muita discussão e reclamação dos fãs.
E sim, dessa vez, a reclamação é justificável, visto que os poderes da Kamala nos quadrinhos não estão lá só para combater o crime, eles, na verdade, são fundamentais para o desenvolvimento da personagem como uma adolescente e também para a heroína que será. Eu explico:
O fato poder se transformar em quem quiser – inclusive, com as feições da própria Capitã Marvel – e mudar seu corpo, dialoga com a adolescência e a falta de aceitação que garotas marrons têm durante essa fase da vida. Bem como “agigantar” partes do corpo em suas lutas é uma demonstração visual de sua força e autoestima. E convenhamos, criar e controlar projeções azuis não dizem muito sobre a personagem.
Por outro lado, existem possíveis explicações para essa mudança. A principal, certamente é orçamentária. A Marvel, que recentemente vem sendo bastante criticada pelos efeitos visuais em suas produções, sofreria – e gastaria muito – para adaptar de forma fiel o poder de Kamala. A segunda explicação mais viável é porque o Quarteto Fantástico da MCU está prestes a vir e os poderes da personagem são parecidos com o do Sr. Fantástico.
Sabendo disso, a Marvel tentou adaptar essa questão. A começar pelo bracelete, dando uma importância para sua origem paquistanesa e de sua própria família. Outra adaptação muito legal foi feita no próprio roteiro. Destaco uma cena do segundo episódio em que Kamala externa essas mudanças na sua vida – por conta dos poderes – para Nakia, que entende que sua amiga está falando sobre a puberdade.
Personagens
Por falar na Nakia (Yasmeen Fletcher), vale um destaque geral para o elenco. Embora o show seja todo de Iman Vellani, atriz estreante que parece ter nascido para interpretar Kamala, Mohan Kapoor e Zenobia Shroff, que interpretam o pai (Yusuf Khan) e a mãe (Muneeba Khan) da protagonista, e Matt Lintz dando vida ao melhor amigo Bruno Carrelli, são os destaques até aqui. Embora pareça óbvio, mas é sempre revigorante ver obras que retratam determinadas culturas e crenças não serem reinterpretadas por meio de uma equipe criativa e elenco majoritariamente branco.
Direção
Comandada pela comediante e roteirista britânica-paquistanesa Bisha K. Ali, Ms. Marvel se destaca ainda mais das obras séries do MCU. As inspirações, que vão de filmes bollywoodianos à trilogia Homem-Aranha do Sam Raimi, ganham um frescor por uma direção de arte com paletas de cores quentes, com muitos momentos de saturação. A inserção de recursos visuais – como os emojis enquanto a protagonista encara seu crush – dão um toque jovial que remete à Scott Pilgrim contra o Mundo.
Se o MCU não interferir muito…
Sinceramente, escrever esse texto está me divertindo muito justamente por lembrar da série. Todo esse frescor – principalmente depois de minhas últimas experiências com o MCU – de Ms. Marvel só não me empolga ainda mais porque o MCU, com suas interferência e necessidade de conectar tudo, fez com que minha experiência com Wandavision não fosse tão boa quanto nos capítulos iniciais, e que piorou depois de ver o que fizeram com o desenvolvimento da protagonista durante o show em Doutor Estranho no Multiverso da Loucura. Então, vou aguardar ansiosamente, mas também cautelosamente, pelos próximos capítulos da série.
Referências e easter-eggs
Fazendo jus à nerdice da personagem, Ms. Marvel é uma metralhadora de referências e easter-eggs. A prova disso é a cena de abertura da série, que mostra a recriação dos eventos de Vingadores: Ultimato, narrados pela própria Kamala: há um desenho do Goose, o escudo do Capitão América quebrado, o Thanos, a justificativa da ausência da Capitã Marvel nos problemas terrenos – com direito as mudanças de visual da Carol Denvers. Mas a cereja do bolo da cena inicial é a fonte dessas histórias: o podcast com uma série de entrevistas que Scott Lang (Homem-Formiga) deu após os acontecimentos de Ultimato.
Como uma grande fã – e fanfiqueira -, Kamala tem uma série de ilustrações da Capitã Marvel coladas nas paredes do seu quarto, elas são todas representações da personagem, tanto nos quadrinhos, como no próprio MCU.
Em uma placa do lado de fora da escola da Kamala, há gravado o nome dos criadores, incluindo ilustradores, da Ms. Marvel nos quadrinhos: G. Willow Wilson, Jamie McKelvie, Adrian Alphona e Stephen Wacker. Apenas a editora Sana Amanat, que é produtora da série, não apareceu na homenagem.
Outro momento do piloto recheado de referências é na VingaCon. A começar pelo local da convenção: o acampamento Leigh, o local em onde Steve Rogers passou pelo treinamento militar em Capitão América: O Primeiro Vingador.
Já dentro do evento, podemos começar com as várias referências aos Guardiões da Galáxia, que embora nunca tenham aparecido em público aos terráqueos, os heróis espaciais ganharam camisetas, cosplays e até mesmo documentários.
Os Vingadores Viúva Negra e Homem de Ferro, que morreram durante o confronto contra o Thanos, foram homenageados no evento.
A persongem Zoe Zimmer vai a VingaCon com um cosplay muito parecido com o visual da Carol Danvers nos quadrinhos. Além disso, a persongem foi a primeira civil a ser salva por Ms. Marvel na obra original, assim como na série.
Já no segundo episódio, as referências são menores, mas não menos importantes, visto que elas são mais voltadas par cultura muçulmana, tanto paquistanesa (representada pela Kamala), quanto indiana (representada por Kamran).
Por falar em Kamran, nos quadrinhos, ele e Kamala são amigos de infância que perderam o contato, e as origens dele e de Kamala na Marvel estão ligadas pelo gene inumano, despertados no mesmo evento, envolvendo o Raio Negro. Assim como no episódio 2 da série, o personagem também atrai as afeições de Kamala enquanto esconde suas verdadeiras intenções. Ele faz parte de uma trama do vilão Inumano chamado Lineage, que quer livrar a Terra de todos os não-Inumanos, e ele quer que Kamala se junte a ele.
O interesse amoroso da personagem surgiu falando sobre suas preferências das obras bollywoodianas. Inclusive, existe outra referência no assunto quando os dois citam Kingo, personagem de Kumail Nanjiani em Eternos.
Outro momento retirado das páginas das HQs aconteceu na mesquita, quando Kamala reclama da dificuldade ouvir o sermão do Sheikh Abdullah por estar na separação do local, o qual é destinado às mulheres. Abaixo você pode conferir a semelhança:
A clássica cena de Peter Parker treinando suas novas habilidades nos terraços dos prédios de Nova Iorque em Homem-Aranha, de Sam Raimi, serviram de inspiração para as sessões de treinamentos de Kamala. Elas ficam mais claras, pela montagem, com cortes mais dinâmicos, assim como nos enquadramentos bem semelhantes aos usados por Raimi no filme de 2002.
Mesmo com uma piada, que serve para mostrar a diversidade entre os grupos de muçulmanos, tias fofoqueiras da mesquita, são carinhosamente apelidadas como “Illuminatias”, uma clara referência aos Illuminati, grupo da Marvel que reúne as maiores mentes da Terra para residirem o destino do planeta perante a imensidão do Universo e mesmo multiverso.
Por fim, o segundo episódio – assim como a cena pós-crédito do piloto – termina com a participação do Departamento de Controle de Danos, que é o mesmo que aparece nos dois últimos filmes do Homem-Aranha no MCU. A agência retorna em Ms. Marvel para analisar o surgimento da heroína-título.
Os novos episódios de Ms. Marvel estarão disponíveis semanalmente às quartas-feiras, a partir das 4 da manhã (horário de Brasília), exclusivamente no Disney+.
Veja também:
Outra série original Disney+ que estamos acompanhando semanalmente é Obi-Wan Kenobi. Que tal ler nossas impressões sobre os episódios III e IV.
Descubra mais sobre Showmetech
Assine para receber nossas notícias mais recentes por e-mail.