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A importação irregular de celulares e outros eletrônicos sempre foi algo comum no Brasil — dando margem a um mercado ilegal que cria uma competição desleal entre estes aparelhos e aqueles fabricados por empresas brasileiras e multinacionais que importam oficialmente seus produtos para cá.
No final de 2022 o número total de vendas de celulares ilegais no Brasil representava 10% de todas as vendas. Entretanto, o salto ocorreu na parte final de 2023, quando esse mercado passou a representar preocupantes 25% do total de vendas do mercado brasileiro.
Os dados foram fornecidos em relatório divulgado em março pela Abinee – Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica do Brasil, que fez alertas para fabricantes inseridos no mercado nacional, como a Samsung e a Motorola, primeira e segunda colocada do ranking de vendas do Brasil.
Ainda de acordo com a Abinee, a quantidade de celulares ilegais vendidos no Brasil chegou ao número de 6,2 milhões de aparelhos, um salto de 77% em 2023. Em 2022 foram vendidos 3,5 milhões de unidades de smartphones ilegais.
A maior preocupação em torno da questão é que se as projeções se confirmarem, 2024 poderá apresentar um aumento na venda destes celulares, chegando a impressionantes 33%. A título de comparação, as vendas totais da Motorola representam 30% do mercado nacional.
Paraguai, o caminho de entrada dos celulares irregulares
Dentro deste panorama que aponta para o crescimento de um mercado paralelo, a maior dificuldade é evitar a entrada de celulares irregulares pelo nosso país vizinho, o Paraguai. A maioria de todos os smartphones irregulares no Brasil chegam por aqui pela fronteira terrestre entre os países.
Dados levantados pela própria Abinee, indicam que o Paraguai foi responsável por importar 7,5 milhões de celulares irregulares. Destes, 77% eram da marca Xiaomi, seguidos por 8% da Samsung e 4% da Motorola e Apple.
Outros modelos das marcas Oppo e Realme, também vêm ganhando cada vez mais força no mercado paralelo. O trajeto até o Brasil é feito por motos, que trazem pequenas quantidades destes aparelhos, que se tornam imperceptíveis para a fiscalização na fronteira.
Apesar dos esforços da Polícia Rodoviária Federal e também da Polícia Federal em investigar e apreender este tipo de mercadoria, Humberto Barbato considera que “a fiscalização na fronteira não está sendo eficiente para coibir esse gravíssimo problema”.
Já em solo brasileiro, os vendedores colocam os celulares irregulares à venda por preços às vezes até 40% ou 50% menores que os praticados no mercado normal. Com isso, um Redmi Note 12, modelo mais contrabandeado, chega a custar entre R$ 700 e R$ 900. O preço normal do aparelho chega à faixa dos R$ 2.900 (aparelho top de linha).
Estes aparelhos não são homologados pela Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações), o que pode resultar em limitações no seu funcionamento, principalmente no que diz respeito às faixas de frequência de operação. Por não terem sido validados nos testes exigidos para homologação pela agência reguladora, até mesmo componentes básicos como bateria e carregador podem apresentar problemas que não ocorreriam em celulares homologados.
A fiscalização na fronteira não está sendo eficiente para coibir esse gravíssimo problema.
Humberto Barbato, presidente executivo da Abinee.
União entre Marketplaces e o mercado cinza
Os camelódromos — centros de comércio de mercadorias importadas ilegalmente, em sua maioria trazidas do Paraguai — eram os principais distribuidores de eletrônicos piratas, mas com a popularização da internet estes produtos passaram a ser encontrados facilmente em marketplaces como Amazon, Mercado Livre, Magazine Luiza, Ali Express, Shopee e Kabum!.
O peso dos nomes destes grandes varejistas acaba por chancelar, e muitas vezes promover, a “falsa legalidade” de produtos vendidos por seus sellers, nome dado às lojas ou vendedores que utilizam as plataformas para revender seus produtos a mais consumidores. Em muitos casos, os próprios vendedores dos antigos camelódromos são hoje sellers dessas lojas online.
Anteriormente, Humberto Barbato havia dito que Mercado Livre e Amazon seriam os maiores responsáveis pela pirataria comercializada no Brasil. A afirmação veio em uma entrevista coletiva concedida em dezembro de 2023. Na ocasião, Barbato disse que as duas empresas não teriam assinado o acordo da Anatel.
O acordo foi inserido dentro do Plano de Ação de Combate à Pirataria, firmado ainda em 2022. Nele, a agência brasileira desejava mais esforços no bloqueio de anúncios e também da comercialização de smartphones que não fossem homologados pela Anatel.
Reuniões feitas com a participação de empresas como Casas Bahia, Ponto, Magazine Luiza e Lojas Americanas (representando também Submarino e Shoptime) resultaram na criação de um mecanismo que bloqueasse anúncios que vinculassem esse tipo de venda ilegal.
Segundo o relatório da Abinee, 90% dos celulares contrabandeados no Brasil são vendidos em marketplaces. Geralmente, esses aparelhos são encontrados à venda com o valor 38% abaixo dos valores praticados no mercado oficial.
Pensando em maneiras de frear esse tipo de venda ilegal, a Abinee cobra ações efetivas das autoridades brasileiras, como a criação de uma responsabilidade compartilhada, em que marketplaces assumiriam a responsabilidade perante movimentações suspeitas nas plataformas envolvidas.
Esse tipo de venda estava mais restrita, resultado de pedidos realizados nas reuniões entre Abinee e representantes do governo e das empresas do setor. Entretanto, a prática voltou a ser percebida com mais frequência nos últimos meses e, de acordo com o presidente da Abinee, “ao perceber que estavam perdendo vendas, alguns sites resolveram ignorar a venda de aparelhos irregulares”.
A estratégia das fabricantes chinesas
Graças à economia chinesa, o mercado irregular alcança cada vez mais números expressivos. O executivo da Abinee, Humberto Barbato, informou que a China tem capacidade produtiva em crescimento de 7% a 8% e, uma vez que a economia chinesa não está crescendo, produtos acabam sobrando para exportação.
A procura por este tipo de aparelho alcançou números expressivos no Brasil nos últimos anos. Mesmo com o alto risco em se adquirir um aparelho não homologado, ou seja, que não possui o selo de certificação da Anatel, o mercado cinza não para de crescer.
Isso porque as empresas chinesas acabam explorando de forma efetiva o espaço oferecido pelos marketplaces. Com a sobra de aparelhos no mercado chinês, é preciso redistribui-los por outros países e a solução é a entrada no país com os produtos não atendendo às especificações do governo brasileiro.
O grande atrativo deste mercado está concentrado nos preços dos aparelhos. Modelos considerados intermediários são vendidos com preços bem abaixo do mercado oficial. Em suma, os aparelhos irregulares são comercializados custando até 50% menos que os produtos legais.
Resposta do governo brasileiro
O problema da venda de celulares irregulares está presente em vários países da América Latina, como México e Colômbia. Entretanto, o mercado brasileiro representa um enorme potencial para esse tipo de prática, culminando em uma perda, estimada pela Abinee em R$ 4 bilhões anuais em arrecadação de impostos. Para se ter ideia, somente o estado de São Paulo chega a perder R$ 1 bilhão por ano em arrecadação de ICMS.
Atualmente a Anatel projeta entrar no sistema da Receita Federal, o Siscomex. A agência aguarda 16 anos para entrar no sistema, que vai permitir que seja feito o acompanhamento de importações e exportações, interceptando carregamentos suspeitos antes de caírem nas mãos erradas.
Diante do cenário ainda incerto, a Abinee defende uma atuação mais efetiva por parte do Congresso Nacional, no sentido de que os parlamentares criem uma legislação mais rígida, que seja capaz de exigir das empresas de marketplace uma fiscalização profunda de todos os sellers envolvidos em vendas de smartphones.
Além disso, existem forças-tarefas da Polícia Federal e da Polícia Rodoviária Federal, principais combatentes deste tipo de prática. O monitoramento frequente das fronteiras brasileiras, mais precisamente a porção entre o Brasil e o Paraguai, é a atividade chave para que possam ser feitas apreensões de produtos contrabandeados.
Possíveis soluções
A fim de combater esta prática de venda irregular, o Governo brasileiro, em nome da Anatel, recentemente propôs aos marketplaces algumas observações. Confira:
- Anúncios que tenham smartphones devem ter o código EAN (número que gera o código de barras do produto e permite à empresa a identificação do aparelho) do produto e o número de comprovação da homologação do modelo de cada aparelho;
- A ideia tornou-se realidade no final de março e as discussões contara com representantes de marketplaces como Amazon, Carrefour, Mercado Livre, Shopee;
- Como firmado no acordo, as empresas teriam 60 dias, a partir de 15 de abril, para se adequarem e colocarem código de barras em anúncios de terceiros (15 de junho). A base de dados da Anatel está praticamente pronta para dar início aos testes.
O controle por parte dos órgãos oficiais deve ser feito de maneira rígida, garantindo que esse tipo de celular ilegal não seja comercializado no país. O aumento desse tipo de mercado é prejudicial e pode afastar grandes fábricas do território nacional, gerando déficit aos cofres públicos.
Por outro lado, a colaboração de marketplaces deve ser feita de maneira espontânea, a fim de coibir veemente o comércio ilegal. A atuação de empresas como Mercado Livre, Amazon, AliExpress e tantas outras deve ser pautada por princípios que inspirem a legalidade, garantindo o funcionamento do mercado oficial.
Veja também
Fontes: Mobile Time, Valor, Minha Operadora, Abinee, Valor Econômico
Revisado por Glauco Vital em 2/5/24.
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