Não são poucos os autores que apontam o excesso de informação nos meios digitais como prejudicial aos usuários. O ganhador do Pulitzer, Nicholas Carr, já apontou os problemas próprios da Era da Informação. Em seu “A Geração Superficial: o que a internet está fazendo com os nossos cérebros”, ele chegou a afirmar que “a internet é uma cultura de distração”. Agora, há quem comece a discutir como o devaneio cibernético nas redes pode afetar a criatividade humana.
Steven Heighton é um escritor de sucesso, autor de mais de 10 obras de ficção. Em um artigo no portal The Walrus, ele conta como a interação online muda a dinâmica de solidão necessária para a criatividade.
Escritores, ele diz, são historicamente pessoas que se acostumaram a viver em isolamento desde a infância. Mas essa característica estaria se perdendo ultimamente. Hoje, é possível estar sozinho em uma cabana e, ao mesmo tempo, saber das últimas fofocas de Hollywood. Há um misto entre estar sozinho e rodeado de pessoas.
Heighton compara o dia a dia de artistas e escritores antes e depois da internet. Até alguns anos atrás, esses profissionais costumavam se reunir em clubes de leitura, cafés e outros pontos de encontro físicos. As discussões sobre política, arte e outros assuntos aconteciam naturalmente e de forma fluida. Mas, eram interrompidas por um acontecimento diário: o local sempre tinha um horário para fechar.
O escritor acredita que, embora esses momentos de compartilhamento sejam necessários, é ideal que sejam limitados. Isso seria essencial para a criatividade fluir. A alternância entre companhia e solidão seria um dos segredos para o livre desenrolar da produção criativa.
“Todos os artistas, sempre, precisaram situar-se em algum lugar no eixo que se deslocam entre a inclusão e o isolamento, o ruído social e o silêncio. Ou para emprestar a este último polo um rótulo mais extremo: o autoexílio”. – Steven Heighton.
Ideias x Criatividade
O autor Steven Johnson fala sobre como encontros de artistas e intelectuais no século XVIII foram fontes de conhecimento. No livro “De onde vêm as boas ideias”, ele detalha como o choque de pensamentos favoreceram os momentos de “Eureka!” da modernidade.
Em relação a Nicholas Carr, Johnson está diametralmente oposto quando o assunto é o otimismo com novas tecnologias. Para o estudioso, esse tipo de comportamento é favorecido pelo contato mais frequente entre as pessoas na internet. No entanto, escritores como Heighton pensam que isso pode não se aplicar ao trabalho estritamente criativo.
Heighton acredita que o envolvimento em “clubes online”, versões modernas e mais intensas dos antigos cafés literários, podem limitar a visão de mundo do escritor.
“Algo horrível pode acontecer com qualquer pessoa envolvida em qualquer clube, liga ou aliança – seja o circuito de triatlo competitivo, as redes de videogames de Call of Duty ou Clash of Clans […]. A coisa é esta: em pouco tempo, você pare de perceber as paredes e o teto em torno de você, e você começa a considerar seu clube particular e o microcosmo como a representação do mundo inteiro. Os conflitos e batalhas internas do clube, os assuntos e as inimizades, triunfos e desgraças, parecem muito mais reais e mais lógicos do que eles realmente são. Você está dentro da Matrix e isso passa a ser tudo para você”. – Steven Heighton.
Ao se envolver de maneira demasiada em clubes que nunca fecham, a mente acaba concedendo status desnecessário a coisas que importam em um cerco fechado. Ter o seu personagem assassinado em Call of Duty pode parecer tão importante quanto ter um livro rejeitado pela editora. Além de se distrair e perder momentos de solidão, Heighton acredita que escritores e outros profissionais criativos acabam equiparando frustrações menores com os verdadeiros revezes enfrentados no dia a dia.
Ambiente digital danoso
Distrações existem em todo lugar, mas, para Heighton, há algo especialmente danoso na natureza das interações mediadas por computador. “Saber que os e-mails estão constantemente chegando na minha caixa de entrada me empurra para fora da tarefa – do tempo de sonho criativo profundo – de uma maneira diferente e prejudicial”.
Escritores e artistas precisam de resiliência, silêncio e solidão para produzir trabalho criativo. Mas, nada disso parece estar no ambiente online cada vez mais onipresente.