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O Showmetech teve a oportunidade de conversar com Fernando Loureiro, Diretor Executivo de Relações Governamentais da Intel na América Latina desde 2011, de forma exclusiva.
No bate-papo, perguntamos sobre como andam os desafios da produção, o provável potencial do Brasil de ter uma fábrica da Intel e quais parcerias têm sido feitas para que país avance neste mercado e possamos pensar sobre uma possível fabricação de processadores no Brasil.
Confira todos os comentários do especialista.
Novos desafios da produção
A pandemia de COVID-19 trouxe um grande problema para a indústria de semicondutores em geral. Muitas empresas precisaram repensar seus processos de fabricação e, entre elas, a Intel também foi afetada. Foi possível ver os impactos disso na prática ainda em 2021: produtos previstos para chegarem ao mercado em uma data específica tiveram que ter seu lançamento adiado e cerca de três anos foram necessários para que tudo voltasse aos eixos.
Fernando Loureiro cita que a Intel teve que repensar toda a cadeia de produção, também chamada de supply chain, em diversos países. Na verdade, o vírus da COVID-19 apenas “abriu os olhos” da empresa para uma necessidade já emergente.
Foi percebida uma dependência muito grande da Ásia. Para mudar isso, a Intel então precisava investir em fábricas fora do continente asiático. EUA e países da União Europeia começaram a demonstrar interesse em ter estas fábricas para que a cadeia de produção não dependesse apenas da Ásia.
A Intel é uma das poucas empresas que faz todo o processo de desenvolvimento de design, pesquisa e envio de processadores, de forma end-to-end. Então, decidimos investir bastante neste processo, mas era necessário ganhar escala. Decidimos investir bastante no processo de fabricação que leva o nome de Intel Foundry. Ele passa a ser uma parte importante desta estratégia de ter cadeias globais, mas que também precisam ser resilientes. Também é importante ter a capacidade de ter manufatura e escala para reduzir o custo e voltar a ser competitivo. Também estamos focados a ter a liderança do processo de desenho do produto.
Fernando Loureiro, Diretor Executivo de Relações Governamentais da Intel na América Latina
Vale lembrar que a Intel já tinha uma fábrica importante na Irlanda, com processo de 14nm. Essa fábrica ganhou mais importância ao receber uma expansão. Também foram anunciadas novas fábricas na Alemanha e Polônia, além de uma série de outras parcerias em países membros da UE.
Em 2021, a empresa lançou a promessa de lançar cinco novos nós de tecnologia de processo em quatro anos. Na prática, a empresa deseja suprir a Lei de Moore, previsão feita por Gordon Moore, cofundador da Intel, em 1965. Ele afirma que a densidade de transistores em circuitos integrados dobraria aproximadamente a cada dois anos.
Esta promessa também é focada em alcançar a TSMC, principal concorrente da Intel no mercado de processadores. Tal processo permitirá que os processadores tenham cada vez menos nanômetros, dando mais espaço para mais transistores caberem na mesma área. Com isso, um mesmo chip pode ser capaz de realizar mais operações e também ser mais eficiente em questão de performance.
Até o fechamento deste matéria, foram entregues dois dos cinco nós: Intel 7 (anteriormente 10nm) e Intel 4 (anteriormente 7nm). A Intel afirmou que Intel 3, 20A e 18A estarão completos em 2024, mas espera-se que os nós baseados em 18A sejam lançados apenas em 2025.
Impacto do Chip Act dos EUA
Em 2021, o CEO Pat Gelsinger, quando voltou para a Intel, também decidiu que a companhia então fabricaria processadores para si mesma e para outras empresas. Foi neste momento que países e continentes passaram a olhar para empresas de semicondutores com maior respeito.
Leis de incentivo em diversas partes do mundo estão mudando o processo de fabricação de processadores em todo o mundo. Fernando Loureiro comentou que o Chip Act, que trará descontos em impostos que chegam a até 39 bilhões de dólares, fez com que a empresa investisse na construção de novas fábricas em solo estadunidense.
Em janeiro de 2022, a empresa anunciou a construção de duas unidades para a fabricação de semicondutores de última geração no estado de Ohio, que terá um investimento de US$ 20 bilhões. Fernando também cita que o ganho para os locais escolhidos será quase que imediato.
Mais de 80 empresas devem fazer parte destes investimentos, muitas delas voltadas para a manufatura. É esperado que haja mais de 250 bilhões de dólares da iniciativa privada atrelada a estes projetos e isso deve gerar mais 40 mil novos postos de trabalhos, além de centenas de milhares de trabalhos indiretos.
Fernando Loureiro, Diretor Executivo de Relações Governamentais da Intel na América Latina
Loureiro também comenta que outras empresas além da Intel estão aproveitando as leis de incentivo e que, nos próximos dois anos, haverá um investimento de quase US$ 200 bilhões no setor até 2026. A TMSC e a Samsung são empresas que estão com projetos semelhantes ao da Intel, com planos de abrir fábricas no Arizona e no Texas, respectivamente.
Existe um esforço grande dos Estados Unidos da Europa em relação aos Chip Act de coordenar uma participação dos países da região na participação da cadeia de suprimentos.
Fernando Loureiro, Diretor Executivo de Relações Governamentais da Intel na América Latina
A Samsung escolheu a cidade de Taylor, no estado do Texas, para o desenvolvimento e fabricação de chips avançados. O investimento para isso é de US$ 17 bilhões e há a expectativa de criar 2 mil empregos na área de alta tecnologia e início de produção no segundo semestre de 2024.
Já a TMSC optou pelo estado de Arizona, mas esta fábrica deve começar a operar apenas em 2025. A empresa passa por problemas de encontrar mão de obra e está tendo que lidar com custos de operação maiores do que o esperado. A Maricopa Community College vai trabalhar com a empresa para treinar novos técnicos capazes de trabalhar com semicondutores. A intenção é garantir que haverá força de trabalho suficiente para que a nova fundição possa operar sem grandes obstáculos.
Potencial do Brasil na produção de semicondutores
Atualmente, o Brasil é o segundo maior mercado da Intel. Apesar disso, o país ainda bate de frente com o México devido à proximidade com os EUA. O executivo explica que o grande problema de um país receber mais investimento é justamente ativar as forças locais, o que exige uma força de trabalho que ainda não existe. Ele também comenta que o Brasil está mais tímido.
Daqui a quatro ou cinco anos, todas essas fábricas ao longo do planeta estarão ‘cuspindo processadores’ e todas elas precisarão de mais minerais críticos, equipamentos, mais design, pesquisa & desenvolvimento e mais. Há vários elementos das cadeia de suprimentos que países como México e Costa Rica estão se posicionando. Esta é uma grande oportunidade para a América Latina e seria uma oportunidade maior ainda para o Brasil, pois temos grandes depósitos de minerais críticos.
Fernando Loureiro, Diretor Executivo de Relações Governamentais da Intel na América Latina
Outro comentário é que falta uma maior participação do governo federal e principalmente de estados quando comparamos a participação de outros países. Ele comenta que “por exemplo, o governo mexicano está quase toda semana se relacionando com a Intel em Washington, inclusive, através de seus governadores estaduais, em busca de presença no setor. O Brasil não faz isso.”
Fernando cita que a grande virada de chave foi a Lei da Informática, sancionada em 1991. Ela concede incentivos fiscais para empresas do setor de tecnologia (áreas de hardware e automação), que tenham por prática investir em Pesquisa e Desenvolvimento, focando no investimento de empresas no país. Ele também comenta que há um grande potencial, mas é necessária uma maior participação de governo.
O ecossistema que o Brasil tem é incrível. Quase todos os players relacionados ao mercado tecnológico têm presença aqui, graças aos incentivos da década de 90. Se pegarmos o ecossistema de estúdios de design e centros de pesquisa e desenvolvimento, isso ainda é mais incrível. Mas, qual foi o grande problema? Justamente estarmos há mais de 30 anos sem mudanças e dar maior foco para o mercado doméstico em vez de focar no mercado global.
Fernando Loureiro, Diretor Executivo de Relações Governamentais da Intel na América Latina
Voltando um pouco mais no tempo, a gente lembra que o Brasil foi colocado na lista de possíveis países que receberiam uma fábrica da Intel na América Latina, ao lado de Argentina, Chile, México, China, Índia, Indonésia, Coréia, México, Porto Rico, Cingapura, Taiwan e Tailândia.
Como já falamos na matéria sobre nossa visita à fábrica na Cósta Rica, o governo local na época não deu total importância o Brasil foi retirado da lista de opções. E ele cita que, mesmo após tanto tempo, ainda é necessário que os governos sejam mais agressivos para que os investimentos aconteçam por aqui.
Ou o Brasil aproveita esta oportunidade de curto prazo, ou, de novo, iremos ficar para trás, como aconteceu em outros momentos históricos. Eu diria que, eventualmente, é baixa a chance de outras fábricas abrirem em outro lugar, devido aos investimentos serem muito altos. Hoje em dia, olhando para a capacidade tecnológica, apenas TSMC, Samsung e Intel podem fazer isso e estas empresas já fizeram suas escolhas.
Fernando Loureiro, Diretor Executivo de Relações Governamentais da Intel na América Latina
Entretanto, nem tudo deu errado: o Rio Grande do Sul, também na década de 1990, conseguiu ser uma escolha da Dell. A fábrica funciona até hoje, mas mudou suas operações para Hortolândia, em São Paulo. A ação do governo estadual foi essencial para que a empresa escolhesse o local e estar no país há mais de 20 anos, facilitando o processo de chegada de novos modelos ao Brasil e também barateando o preço final aos consumidores.
São Paulo, é uma grande oportunidade, por ter um ecossistema já instalado. Mas as empresas olham demais apenas o mercado doméstico, quando deveriam valorizar a exportação. SP é um estado que já conta com muitas fábricas e naturalmente, deveria ser um grande local para o desenvolvimento de semicondutores. Se ainda não estiverem investindo na redução de impostos, os governantes deveriam fazer isso, pois há um grande potencial.
Fernando Loureiro, Diretor Executivo de Relações Governamentais da Intel na América Latina.
Ações do Brasil
Uma iniciativa interessante é o programa Nova Indústria Brasil, que foi lançado em janeiro de 2024 e terá um aporte de R$ 300 bilhões até 2026, uma parte delas voltadas para digitalizar 90% das indústrias brasileiras e triplicar participação da produção nacional no segmento de novas tecnologias. Será feito um investimento em inteligência artificial, robótica e chips semicondutores. Até o dia 23 de fevereiro de 2024, o NIB já liberou R$ 5,3 bilhões para projetos industriais.
Já o programa Semicondutores RS, lançado em setembro de 2023, chega para tornar o estado do Rio Grande do Sul uma verdadeira referência na fabricação de processadores. Foram destinados R$ 70 milhões para o investimento em focadas em inovação e tecnologia para o desenvolvimento da cadeia de semicondutores no Rio Grande do Sul, com incentivos fiscais e investimentos.
A estimativa é que este valor seja gasto até 2026 e o programa foi desenvolvido para promover a atração de novos investimentos, da capacitação de mão de obra qualificada e da pesquisa e do desenvolvimento de novas tecnologias e soluções.
A Adata é uma das empresas que mais deve ser comentada nos próximos anos. A companhia conseguiu um financiamento do BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento) de R$ 290 milhões para a produção de três novos processadores no Brasil. O foco é que estes chips sejam usados em usados em notebooks, desktops, servidores, televisores, automóveis e celulares. O investimento total nesta ação é de R$ 374 milhões.
Por fim, política industrial do Plano de Ação para a Neoindustrialização do Brasil liberou R$ 180 milhões em recursos não reembolsáveis para o desenvolvimento de design, fabricação de semicondutores (front-end) e de encapsulamento e teste (back-end). A intenção é permitir que a indústria brasileira seja mais notada por empresas internacionais.
E mais R$ 260 milhões para o desenvolvimento de tecnologias digitais disruptivas, que falam sobre arranjos de negócios que envolvam instituições científicas, tecnológicas e de inovação (ICTs), empresas e startups, também serão liberados.
Parcerias com governo brasileiro
Iniciativas com universidades e pequenas empresas são uma ótima forma de empresas investirem seu capital, o que também gera maior mão de obra especializada. Fernando lembra que isso é mais que essencial para o mercado evoluir.
Acredito que isso é ótimo, na verdade, tanto para o Brasil, quanto para os EUA. O grande gargalo nos Estados Unidos hoje em dia está no pool de talentos. Um dos grandes planos que temos é o programa voltado para inteligência artificial, pois acreditamos que este é o próximo grande sucesso da tecnologia.
Fernando Loureiro, Diretor Executivo de Relações Governamentais da Intel na América Latina
Um dos maiores exemplos é o Porto Digital de Recife, fundado em 2000 com o duplo objetivo de reter profissionais qualificados na cidade e revitalizar o bairro do Recife Antigo. Na época, o local recebeu um aporte inicial de 33 milhões da Companhia Energética de Pernambuco.
O Porto Digital de Recife é um dos pontos que mais evoluíram com a sanção da Lei da Informática em 1991. Ele existe em função desta lei, quando as empresas foram obrigadas a investir em centros de Pesquisa & Desenvolvimento, principalmente por conta da regionalização.
Fernando Loureiro, Diretor Executivo de Relações Governamentais da Intel na América Latina
Em 2010, a revista Business Week elegeu o local, que é um dos polos universitário tecnológicos importante do país, como “um dos dez locais do mundo onde o futuro está sendo pensado”, enquanto que a empresa de consultoria A.T. Kearney classificou o parque como “o maior e mais rentável do Brasil”.
Programas gratuitos de treinamento
A Intel tem o desejo de dar capacitação para todos que possuem interesse pela tecnologia e conta com diversos programa focados para diferentes públicos. Todos oferecem conteúdo e infraestrutura digital para que moradores do Brasil e países de todo o mundo tenham o conhecimento necessário para chegarem mais longe.
Temos iniciativas para pessoas que já estão no mercado e irão pegar a necessidade de se aprimorar conforme o avanço das tecnologias do mercado de trabalho, com foco em AI. Também temos programas para quem ainda vai entrar no mercado, dando conhecimento e disponibilizando aplicações que ajudarão no desenvolvimento de novidades que podem fazer o bem para toda a humanidade.
Fernando Loureiro, Diretor Executivo de Relações Governamentais da Intel na América Latina
A empresa também realiza reuniões periódicas com líderes de governos (AI For Leaders) antes mesmo de colocar produtos no mercado. Fernando afirma que estes workshops são desenvolvidos para que os governantes entendam todos os detalhes antes mesmo da regularização ser feita. Isso permite que as regras sobre AI sejam desenvolvidas com maior assertividade.
Esta conversa com líderes ajuda os estados e países a escolherem qual será o papel deles no mercado de inteligência artificial. Ao saberem de forma abrangente sobre um assunto, eles decidem se serão usuários, desenvolvedores, apoiadores etc. É importante colocar princípios e falar mais sobre o assunto de forma acessível. Já realizamos os programas em vários países e a Costa Rica por exemplo, quer desenvolver um centro apenas para o desenvolvimento de talentos.
Fernando Loureiro, Diretor Executivo de Relações Governamentais da Intel na América Latina
Veja os programas voltados para cada um dos públicos:
- AI para cidadãos (AI for Citizens)
- AI para jovens estudantes (AI for Youth)
- AI para força de trabalho atual (AI for Current Workforce)
- AI para força de trabalho futura (AI for Future Workforce)
- AI para líderes (AI for Leaders)
Conclusão
O executivo finalza a conversa com o Showmetech ressaltando o grande poder de desenvolvimento na cadeia de produção do mercado de semicondutores. Ele lembra que é importante que os líderes façam um mapeamento e se unam para trazer investimentos de fora.
Minas Gerais, Santa Catarina, São Paulo, Ceará e outros estados possuem centros de pesquisa e desenvolvimento bastante avançaos, então o Brasil precisa mapear e focar em investimentos de empresas de fora. Nós não temos ideia do poder que temos em mãos.
Fernando Loureiro, Diretor Executivo de Relações Governamentais da Intel na América Latina
“Mostrem o potencial do brasil para o mundo!” Afirma, Loureiro, sobre como o Brasil pode atrair e criar presença no mercado de semicondutores. “As oportunidades existem, mas a janela é curta, de 4 a 5 anos”, explica.
Veja também
Presidente da Intel fala sobre Siliconomy e o potencial brasileiro para mercado de semicondutores
Com algumas informações: Intel l Agência Gov l Tiin Inside l Hot Hardware l Renesas l Intel Pressroom l Agência Brasil
Revisado por Glauco Vital em 14/3/24.
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