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Não sou parte da Geração X, e também não sou Millenial. Estou amarrada bem no meio, nem em uma nem em outra, apesar de saber que estas definições de gerações são pintadas com um pincel bem largo e que não se pode rotular as pessoas tão simplesmente. Estou aqui prensada no meio de duas gerações de adultos, assistindo aterrorizada a um conflito cada vez mais intenso.
Nasci no finalzinho de 1981, e aos 14 anos eu estava lá para assistir ao mundo se abrir: a Internet chegou na minha casa, por insistência minha, e aquele computador que meu pai havia colocado em casa finalmente servia para alguma coisa. Nesta idade eu estava naqueles anos tão importantes para a formação de caráter: a metade da adolescência. Fui uma criança analógica mas amadureci junto com a Internet. Crescemos juntas. Na Internet fiz amigos, aprendi muito, e nos relacionamos muito bem.
Meus pais são Baby Boomers, nascidos entre 1940 e 1960, uma geração de um mundo menor, com pouco acesso à informação que chegava atrasada e defasada – veículos de mídia tradicional, em sociedades menores, mas um futuro pós-guerra que parecia brilhante e cheio de possibilidades, estilo Jetsons, com união, paz e carros voadores, sem aquecimento global, extinção de baleias e ilhas de plástico nos oceanos. O estilo de vida inconsequente dos Baby Boomers entregou um mundo ao mesmo tempo excitante e assustador à geração seguinte.
A Geração X aparece no começo da década de 1960 e termina no começo da década de 1980, e foi a primeira a crescer sozinha em casa, com pai e mãe trabalhando fora. Quem veio alguns anos antes de mim, como por exemplo meu marido, nascido em 1978, pertence claramente à Geração X, que cresceu em um mundo fervilhante de ideias e problemas novos, mas ainda sem Internet. Quando ela chegou, meu marido e seus amigos já eram praticamente maiores de idade — personalidades mais formadas, hábitos mais formados, círculos sociais mais amplos e sem tanta da dolorida necessidade de pertencer, de ser aceito e compreendido pela qual passamos no início da adolescência.
Quem veio alguns anos depois de mim, como meus irmãos de 1986 e 1988, já pertence claramente à geração Millenial — ou Geração Y, que já cresceu sabendo que dentro do computador existia uma janela para o mundo. O que havia naquela época era ainda estava muito longe de se tornar a permanente conectividade de hoje, mas já existia a consciência de que o acesso à informação era mais fácil e livre. Os Millenials são tidos como contestadores, sem ética de trabalho, sem foco e planos definidos.
A Internet Como Divisora de Gerações
Com a popularização da Internet nos primeiros anos da década de 1990 acendeu-se uma luz de alerta: a advertência dos pais Baby Boomers era sempre “não acredite em tudo que você lê na Internet”. Era uma fonte nova de informações, digna da desconfiança, repleta de teorias da conspiração, de sites obscuros com informações malucas, fotos de acidentes, sites pessoais. Era uma loucura, um deserto, terra de ninguém – sensacional. Um mundo novo que era todo nosso, sem adultos.
Em 1999 veio o pânico do Bug do Milênio. A mídia Baby Boomer foi à loucura. Um maravilhoso exemplo de histeria coletiva, onde previsões de apocalipse e de fim de mundo eram tratadas com um misto de apreensão e descrença.
Nos dez anos seguintes, os anos 00, vimos o mundo mudar, absorvendo a Internet como algo natural, em um processo repetido geração após geração, onde os pais disciplinam os filhos por passar tempo demais ligado a alguma tecnologia nova – assim foi, em sequência generacional, com o rádio, com a televisão, com a Internet, com o telefone celular, com as mídias sociais.
Cada nova geração adapta-se às novas tecnologias com rapidez, tornando-as parte integrante de si, para a confusão e incredulidade da geração anterior. É normal, e vai acontecer comigo e com os Millenials também, e com a geração que vem depois da deles, chamada de Geração Z. Cada um no seu tempo.
Hoje a grande mídia tradicional (televisão, jornais e rádio), e também a online (blogs, sites de notícias) – é composta por uma mistura de membros da Geração X e de Millenials, enquanto as mídias sociais são feitas de Millenials e Geração Z.
Os Baby Boomers hoje são idosos, muitos aposentados, e sua presença online é pequena e bastante confusa.
Temos três gerações diferentes de adultos vivendo no mundo no momento, cada uma com relacionamentos muito diversos com a informação e suas fontes:
- A Baby Boomer que nasceu, cresceu e viveu analógica, com o contato online já adulto, e aprendeu a confiar nas fontes de informação existentes, porque era o que havia disponível e porque um veículo precisava ser idôneo para ter alcance;
- A Geração X que nasceu e cresceu analógica mas entrou no mercado de trabalho online, que cresceu como a geração anterior mas de repente se viu mergulhada em um mundo novo de informações e tomou isso como uma enorme oportunidade de crescer;
- A Millenial que nasceu online, no meio da infinidade de informação e precisou aprender a escavar fundo desde cedo para encontrar algo que sirva de fato.
Desta diferença no tratamento da informação disponível surge o primeiro conflito:
Os pais Baby Boomers, que tanto aconselhavam que não acreditássemos no que líamos na Internet, porque era uma mídia não-tradicional e sem fontes claras, são os que hoje acreditam em absolutamente tudo que chegue a eles através dela.
Neles não existe o instinto de desconfiar das informações – porque cresceram em um mundo em que se podia acreditar. Não há o impulso de se perguntar “mas isso é verdade?” – porque se chegou escrito, através de pessoas consideradas confiáveis, deve ser verdade.
Os membros da Geração X, talvez também um tanto iletrados no conceito de checagem de fatos – que sempre foi responsabilidade dos jornalistas – parecem divididos. Uma parte acredita em tudo que lê, uma parte desconfia de tudo – característica bem marcante de uma geração que acompanhou a luta pelo fim da ditadura, o surgimento da AIDS, a guerra do Vietnã, o surgimento da música pop, dos embates ideológicos, o buraco na camada de ozônio, o medo da Guerra Fria, a queda do Muro de Berlim, as terríveis ditaduras das décadas de 70 e 80. Mar revolto, onde o objetivo era a paz e harmonia mundial.
Hoje a Geração X é pulverizada, com membros de muitos lados diferentes, talvez um pouco perdidos, sem saber no que acreditar.
Os Millenials, demonizados de todas as maneiras na mídia nos últimos anos, chegam à idade adulta com um impulso contestador, cético e cínico enraizado, antagonizando os “adultos” como é comum aos jovens, mas tratando a informação online com uma eterna pulga atrás da orelha, acostumados a poder responder à informação que lhes chega, plenamente confiantes de que a mídia não é mais uma via de mão única, com a certeza tantas vezes equivocada de que sua opinião é importante, certeira e válida.
As mídias sociais viraram um caldeirão onde a guerra entre estas três gerações é travada todo dia, onde todo mundo acha que tem razão, onde todo mundo acha que sua opinião importa, onde tudo é verdade e tudo é mentira, onde todo mundo só quer ouvir o que quer ouvir.
Ou, como disse Umberto Eco:
“As mídias sociais dão direito de palavra a legiões de imbecis que antes falavam apenas no bar depois de uma taça de vinho, sem danificar a coletividade. Eram rapidamente calados por alguém, enquanto agora possuem o mesmo direito de palavra de um prêmio Nobel. É a invasão dos imbecis.
O drama da Internet é que ela promoveu o idiota da aldeia a portador da verdade.”
Somos todos imbecis.
Somos todos O Idiota da Aldeia.
A falta de hábito de checar informações, de ter o bom senso de olhar para fora da própria bolha social, de ter a consciência e responsabilidade de não passar para a frente informações falsas está nos destruindo como sociedade. Nos tornamos todos magistrais Idiotas da Aldeia, alastrando os temidos “fake news”, criação horrenda da era Trumpiana, onde tudo que não nos agrada é taxado de falso.
As fake news são chamadas de “pós-verdade” um termo bizarro que significa a manipulação das informações para se encaixar no que queremos que seja tomado como verdade.
Mas afirmações extraordinárias requerem evidências extraordinárias, então a melhor maneira de espalhar uma mentira é atrelando a ela um pedaço de verdade.
Um exemplo clássico e muito utilizado é escrever um texto tendencioso e atrelar a ele um nome famoso. Talvez colar nele algum artigo real publicado por algum grande veículo como forma de validação.
Como parte da informação é verdade e a absoluta maioria do público não se incomoda em checar a origem, o autor e as informações, um conteúdo falso é tomado automaticamente por verdade total e espalhado sem discernimento.
A única verdade nesse processo é que as fake news existem sim, e existem muitos indivíduos produzindo conteúdo mentiroso com o claro intuito de angariar simpatizantes às suas causas.
Em uma era onde a verificação de informações está a dois cliques no Google de distância, não existe mais desculpa para ser irresponsável e propagar falácias, mas no entanto isso acontece em escalas incompreensíveis.
A maioria de nós, seja de que idade for, não é especialista em muita coisa. Não somos especialistas em política, nem em jurisprudência, nem nos trâmites constitucionais, nem em medicina, nutrição, teorias científicas. E nem precisamos ser, afinal temos outros interesses e cada um dirige sua vida e seus hábitos como quiser – mas nos comportamos como se soubéssemos tudo e nossa opinião fosse tão válida quanto a dos especialistas.
Tristemente, quando nos colocamos nesta posição e publicamos ou repassamos um conteúdo sem embasamento, sem checagem e sem conhecimento, estamos nos comportando exatamente como o Idiota da Aldeia: alguém que fala por falar, apoiado nas duas muletas da “Liberdade de Expressão” e do “Minha Opinião Também Conta”, com o recheio azedo da informação falsa e da falta de senso crítico.
Liberdade de expressão não é liberdade de ofensa – mas na era da pós-verdade, achamos que tudo que dizem é importante, principalmente se é algo que nos agrada.
Aonde isso nos machuca? Nos machuca porque acabamos vivendo em uma bolha, onde só vemos as informações com as quais concordamos, e passamos tudo para a frente sem pausar por meio segundo para tentar entender se aquilo é verdade ou não.
Num momento em que tudo com o qual não se concorda é automaticamente taxado de fake news, sem compromisso com a autenticidade, onde tudo pode ser propagado sem o freio da verdade, criamos terreno fértil real para o crescimento da polarização, para o fortalecimento dos extremistas, para a pavimentação de novas ditaduras dos dois lados do espectro político, para o enfraquecimento da nação soberana e da voz do progresso.
Em algum ponto desta transição do impresso para o digital perdemos completamente o fio do senso crítico, e a consciência de se checar uma informação antes de repeti-la simplesmente desapareceu.
A infeliz diferença generacional na relação com a informação nos tornou inimigos, com todos contribuindo coletivamente para o emburrecimento geral da humanidade.
Estão tristes e raivosos todos os adultos do mundo.
Tristes os Baby Boomers, traumatizados para sempre por guerras, ditaduras e por ameaças que não existem mais.
Triste a Geração X, correndo cega no meio do tiroteio e sem saber no que acreditar, roubada de um futuro brilhante que não aconteceu.
Tristes os Millenials, desrespeitados e desiludidos com um mundo que parece cada vez mais sombrio e escasso de oportunidades.
Tristes todos nós, desinformados, burros, perdidos, cheios de raiva e de medo, tentando ser ouvidos sem jamais parar para ouvir, dando voz aos agitadores, arranhando as bordas do abismo, alargando a boca do buraco no desespero de sair dele.
Batendo palmas para fazer o Idiota da Aldeia dançar, dançamos todos.
Fonte: Medium.
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