No último dia 21, o primeiro filme da franquia Matrix completou exatos 20 anos de lançamento no Brasil. Com muitas questões filosóficas pertinentes enredadas em meio a muita tecnologia, ele foi (e ainda é) um sucesso. Dentre tais questões, que parecem nunca sair do contexto atual, uma das mais famosas é sobre o fato de nós estarmos vivendo em uma simulação de computador.
Se você nunca ouviu falar sobre Matrix, aqui vai um resumo rápido (sem spoiler) e que mostra que ele é muito mais que a famosa imagem do personagem desviando das balas: o programador de computadores Neo, interpretado por Keanu Reeves, descobre que toda a sua vida foi a maior cilada, já que ele vivia dentro de uma simulação de computador, a chamada “Matrix”. Então, Neo precisa escolher entre continuar na simulação ou sair dela ao tomar uma pílula: se optar pela azul, ele pode continuar sua pacata vida na Matrix, porém, se escolher a vermelha, pode se unir à resistência contra as máquinas que controlam a simulação e sugam a energia dos humanos para manter uma inteligência artificial.
Ao escolher a pílula vermelha (isso não é spoiler, como você pode ver no trailer abaixo), Neo recebe a missão de salvar a raça humana, libertando-a da Matrix. Vale destacar que o filme é dirigido pelas irmãs Lilly e Lana Wachowski, as mesmas criadoras de Sense8.
Parece uma história bizarra, mas é impossível não ficar um pouco intrigado com as questões que são levantadas durante o filme. Se elas já eram polêmicas 20 anos atrás, imagine agora, com a inteligência artificial cada vez mais avançada e mais presente em nossas vidas.
Para começar a explicar, nada melhor que uma pergunta que pode te deixar bem indeciso: se nós estamos, realmente, vivendo em uma simulação de computador, você preferiria continuar sem saber ou lutaria com a resistência? Qual pílula você escolheria?
Há alguns anos, Elon Musk, CEO da Tesla e da SpaceX, afirmou que acreditava na hipótese de estarmos vivendo em uma simulação de computador. Porém, essa foi vista como apenas mais uma das suas várias declarações polêmicas. Talvez levado um pouco mais a sério, Neil deGrasse Tyson, um astrofísico americano voltado para a divulgação científica (e conhecido por ser um meme muito representativo), afirmou que não é capaz de negar essa hipótese de vivermos em uma simulação.
Porém, saber exatamente o que é tal hipótese é complicado. É uma simulação de computador simples? Ela é apenas uma alucinação? Somos seres atuando em nossos papéis e assistidos pelos programadores, semelhante ao que acontece no filme o Show de Truman (que foi lançado apenas um ano antes de Matrix)?
There is no spoon
A verdade é que ninguém sabe exatamente se estamos ou não vivendo em uma simulação de computador. Porém, há vários conceitos que podemos relacionar com o assunto. O solipsismo, por exemplo, acredita que o conhecimento deve ser fundamentando em nossas experiências e que “apenas minha experiência é real” – Isso condiz com a própria ideia da Matrix, que não pode ser explicada, deve ser vista. Se a ideia por trás dessa filosofia for combinada com as tecnologias atuais, é bem provável que consigamos chegar em uma hipótese da simulação.
Outra versão é a do famoso mito da caverna, de Platão. Nele, alguns prisioneiros são acorrentados desde o nascimento dentro de uma caverna, com a visão apenas da parede iluminada na qual são projetadas sombras. Com o tempo, os homens passam até mesmo a nomear essas sombras. Porém, imagine que um deles é libertado, descobre que o que via era, na verdade, apenas as sombras e passa a ser capaz de compreender que passou a vida inteira julgando uma ilusão.
Esse indivíduo pode escolher voltar para o aprisionamento ou encarar a realidade fora da caverna. Ao escolher sair, ele pode, inclusive, voltar para libertar seus companheiros e tentar convencê-los que a realidade está fora da caverna. Será que é fácil assim?
Ainda, no budismo, a ideia de samsara também acredita que nossas vidas são uma ilusão. Por falar em budismo, é no encontro com uma criança que parece estar vestida como um monge budista que Neo aprende a ver além do objeto em si.
“A colher não existe”, diz a criança a Neo. O significado da frase é que é preciso superar a ilusão, indo para um estado no qual as palavras não são suficientes para descrever o objeto, como um nirvana. Em Matrix, a ideia de ilusão é de que a percepção dos indivíduos é conectada para reforçar um mundo que não existe.
Vamos ser mais práticos: imagine colocar um óculos de realidade virtual, por exemplo, e não tirar nunca mais. Ou então, imagine descobrir que sempre usou um óculos de realidade virtual. Essa seria a sensação de descobrir que estamos vivendo em uma simulação de computador. Sair dela é difícil (é como sair da caverna), visto que o mundo externo pode não ser tão confortável.
Escolha a cor da sua pílula
Matrix é cheio de teorias, referências, roupas com um estilo cyberpunk e com assunto suficiente para um semestre de aulas de filosofia e discussões sobre o futuro da tecnologia. Porém, é provável que, se nós realmente estamos em uma simulação de computador, dificilmente vamos descobrir isso.
Assim como é uma hipótese difícil de refutar, ela também é uma hipótese difícil de se comprovar. A não ser que as coisas comecem a travar e “bugar” ao seu redor, claro. Talvez, para tentar comprovar, também seja preciso violar algumas leis da física e jogar contra um campo que pode ser assustador para muitos (mas que não deixa de ser incrível): a mecânica quântica.
Para entender melhor sobre aceitar ou refutar a hipótese, é possível fazer uma analogia com o universo. Você acha que o universo é finito ou infinito? Para descobrir, podemos fazer um experimento que faz outra analogia: coloque uma pessoa vendada em uma mesa gigante (maior que o Brasil, por exemplo) e peça a ela para descobrir se a mesa é finita ou não. Primeiro que ela precisaria usar o tato para descobrir. Segundo, como definir o que é o limite da mesa?
Essa pessoa poderia gastar a vida inteira caminhando ou engatinhando sobre a mesa sem chegar a borda. Se, por acaso, ela chegar até a borda, pode sair da superfície e, ao contrário do que imaginamos, não sofrer uma queda. Se o que há depois da mesa for uma outra mesa e o limite for sutil, será difícil identificar que a mesa chegou ao fim.
Assim é a questão sobre o universo: ainda não foi possível encontrar uma forma de descobrir se ele é finito ou não (e talvez nunca descobriremos). Não podemos dizer que é finito porque chegamos a borda (que pode não ser uma borda) ou dizer que é infinito porque não achamos uma. Da mesma forma, é muito difícil descobrir se estamos ou não vivendo em uma simulação de computador e qual é o limite da nossa “Matrix” para a realidade.
Ainda, se há uma inteligência artificial realmente esperta o suficiente para criar toda essa simulação e nos manter dentro dela, é bem provável que ela não nos deixe sair. Afinal, apenas cogitar a hipótese poderia gerar qualquer alerta escandaloso para o programador de toda essa simulação, o qual poderia definir nossa sentença de morte em apenas alguns segundos.
Então, enquanto nada disso acontece, cabe a você decidir: estamos vivendo em uma simulação de computador ou não?
Fontes: Interesting Engineering; Back Reaction; The Conversation; Scientific American.
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