Alimentos ultraprocessados

Gordura, açúcar, sal… Entenda o problema dos alimentos ultraprocessados

Avatar de alexandre marques
A relação entre alimentos ultraprocessados e riscos à saúde, incluindo obesidade e doenças crônicas, foi evidenciada por diversos estudos que agora confirmam os efeitos prejudiciais desses produtos.

Carlos Monteiro, coordenador do Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde da USP, observou uma discrepância intrigante no padrão alimentar brasileiro: apesar da redução no consumo de óleo, açúcar e sal, o número de adultos com sobrepeso ou obesidade mais que dobrou entre 1975 e 2009. Um dos motivos? Os alimentos ultraprocessados.

Essa contradição levou o nutricionista a questionar a relação entre dieta nutricional e saúde. Visando desvendar esse enigma alimentar, ele propôs uma abordagem inovadora, centrada não apenas nos nutrientes, mas na forma como os alimentos são processados, consumidos e comercializados. Nasceu então a NOVA, um novo sistema de classificação de alimentos que os categoriza em quatro grupos.

Classificação NOVA

Alimentos ultraprocessados
Capitaneada pelo nutricionista Carlos Monteiro, classificação NOVA revolucionou a perspectiva nutricional sobre alimentos ultraprocessados. Foto: Shutterstock.

Grupo 1: Alimentos in natura ou minimamente processados

Gordura, açúcar, sal… entenda o problema dos alimentos ultraprocessados. A relação entre alimentos ultraprocessados e riscos à saúde, incluindo obesidade e doenças crônicas, foi evidenciada por diversos estudos que agora confirmam os efeitos prejudiciais desses produtos.
Imagem: Governo Federal

Os alimentos in natura são obtidos diretamente da natureza, incluindo partes comestíveis de plantas e animais, como frutas, folhas, músculos, carne vermelha, ovos e leite. Esse grupo também abrange cogumelos e algas. Por outro lado, os alimentos minimamente processados são variantes dos in natura que passam por processamentos básicos, como secagem, moagem ou pasteurização, sem adição de ingredientes que alterem suas características fundamentais.

Grupo 2: Ingredientes culinários processados

Gordura, açúcar, sal… entenda o problema dos alimentos ultraprocessados. A relação entre alimentos ultraprocessados e riscos à saúde, incluindo obesidade e doenças crônicas, foi evidenciada por diversos estudos que agora confirmam os efeitos prejudiciais desses produtos.
Imagem: Pixabay

Ao basear a alimentação em opções in natura ou minimamente processadas, torna-se comum a necessidade de cozinhar e temperar os alimentos. Nessa etapa, entram os ingredientes culinários processados, que são extraídos de alimentos do primeiro grupo por processos físicos, como prensagem, centrifugação e concentração. Exemplos incluem azeite, manteiga, açúcar, sal marinho e sal de rochas, essenciais para criar receitas deliciosas quando utilizados em quantidades moderadas.

Grupo 3: Alimentos processados

Gordura, açúcar, sal… entenda o problema dos alimentos ultraprocessados. A relação entre alimentos ultraprocessados e riscos à saúde, incluindo obesidade e doenças crônicas, foi evidenciada por diversos estudos que agora confirmam os efeitos prejudiciais desses produtos.
Imagem: Blog Liv Up

Os alimentos processados pertencem à categoria de itens in natura ou minimamente processados, que passam por processos industriais simples, realizáveis também em ambiente doméstico. Adicionam-se a esses alimentos uma ou mais substâncias do grupo de ingredientes culinários processados, como sal, açúcar ou gordura. Exemplos incluem conservas de legumes, frutas em calda, queijos e pães artesanais. Consumidos em pequenas quantidades e como parte de refeições baseadas nos grupos anteriores, contribuem para a diversificação da alimentação, mantendo um perfil nutricional equilibrado.

Grupo 4: Alimentos e bebidas ultraprocessados

Gordura, açúcar, sal… entenda o problema dos alimentos ultraprocessados. A relação entre alimentos ultraprocessados e riscos à saúde, incluindo obesidade e doenças crônicas, foi evidenciada por diversos estudos que agora confirmam os efeitos prejudiciais desses produtos.
Imagem: IDEC

Os alimentos ultraprocessados não se enquadram propriamente como alimentos, mas são formulações compostas por substâncias derivadas do fracionamento de alimentos do primeiro grupo. Estas substâncias incluem açúcar, óleos, gorduras, proteínas isoladas, entre outros, frequentemente combinados com aditivos para melhorar suas propriedades sensoriais. Os processos e ingredientes são desenvolvidos para criar produtos convenientes, altamente palatáveis e de longa durabilidade, comumente associados a refrigerantes, doces, produtos de panificação embalados, entre outros. Apesar das alegações nas embalagens, a presença de alimentos in natura nesses produtos é mínima ou inexistente. A produção visando lucratividade, conveniência e apelo ao paladar confere aos ultraprocessados uma vantagem significativa no mercado alimentar.

A categoria de alimentos ultraprocessados ganhou popularidade, sendo incorporada às diretrizes dietéticas de países como Brasil, França, Israel, Equador e Peru. Antes da introdução da classificação NOVA, os alimentos eram rotulados principalmente com base em sua função nutricional específica, sem levar em conta o processo de fabricação. Por exemplo, grãos, farinhas, massas, pães, biscoitos, cereais matinais e barras de cereais eram todos agrupados como fontes de carboidratos, enquanto carne fresca, carne salgada, embutidos, leite, queijos e produtos lácteos eram categorizados como fontes de proteína. Da mesma forma, frutas, bebidas à base de frutas, legumes e conservas de legumes eram considerados fontes de vitaminas e minerais.

Com a ascensão da classificação NOVA, essa abordagem tradicional foi desafiada. A NOVA classifica os alimentos em quatro grupos, destacando uma distinção fundamental entre eles. Essa mudança de perspectiva destaca a importância não apenas dos nutrientes em si, mas do processo pelo qual os alimentos são transformados e preparados, proporcionando uma compreensão mais abrangente de sua influência na saúde.

O impacto dos ultraprocessados na nutrição

Alimentos ultraprocessados
Impactos dos ultraprocessados podem se camuflar em meio aos valores nutricionais do produto. Foto: Reprodução/Internet.

Identificar se um alimento é ultraprocessado pode ser desafiador, mas alguns indicadores podem ajudar os consumidores a fazer escolhas mais conscientes. Ao examinar o rótulo do produto, atentar-se à extensão da lista de ingredientes é crucial. Alimentos ultraprocessados geralmente apresentam uma lista extensa e contêm ingredientes desconhecidos ou pouco familiares. Outro ponto a ser observado é a presença de aditivos, corantes, estabilizantes e flavorizantes, que são comuns nesse tipo de alimento. A análise do grau de processamento também é valiosa: se o alimento passou por diversas etapas e transformações, provavelmente é ultraprocessado.

O cenário atual de consumo de alimentos ultraprocessados, como macarrão instantâneo, batatas fritas, biscoitos e barras de cereais, não se limita ao Brasil. Estudos apontam que os ultraprocessados representam uma parte substancial das dietas no Reino Unido e nos EUA, constituindo mais de 57% e 60%, respectivamente. Essa mudança nos padrões alimentares tem implicações significativas para a saúde, associando-se a diversos problemas, como câncer, obesidade, depressão e aumento da mortalidade.

O pesquisador Kevin Hall, inicialmente cético em relação à categorização NOVA, conduziu um estudo clínico comparando dietas ultraprocessadas e não processadas. Surpreendentemente, os participantes consumiram mais calorias e ganharam peso com dietas ultraprocessadas, mesmo quando as composições nutricionais eram equilibradas. Isso indicou que algo além dos componentes tradicionais estava influenciando o consumo excessivo de calorias.

As sugestões pós-estudo incluíram fatores como a densidade calórica, velocidade de consumo e possíveis efeitos dos aditivos. A pesquisadora Alexandra DiFeliceantonio propõe que o impacto nos sistemas de recompensa do cérebro também pode ser um fator crucial. Sua pesquisa sugere que os alimentos ultraprocessados, ricos em calorias prontamente disponíveis, desencadeiam respostas de recompensa intensas, incentivando um padrão de consumo excessivo.

DiFeliceantonio faz paralelos entre alimentos ultraprocessados e a indústria do tabaco, argumentando que, se medidos pelos mesmos critérios estabelecidos para produtos do tabaco, esses alimentos deveriam ser considerados substâncias viciantes.

Entretanto, existem exceções a se destacar: o exemplo do hambúrguer vegano ilustra que, mesmo sendo uma opção ultraprocessada, pode ser mais saudável que o hambúrguer de carne real. Essa nuance ressalta a necessidade de os governos considerarem a diversidade desses produtos ao estabelecerem restrições.

O que tem sido feito desde o surgimento da NOVA

Alimentos ultraprocessados
Classificação NOVA têm ditado novas diretrizes alimentares em diversos países. Foto: Freepik.

O debate em torno dos alimentos ultraprocessados tem ganhado destaque nas orientações de saúde ao redor do mundo. Enquanto o Brasil orienta a população a evitar completamente esses produtos, a França sugere uma abordagem de limitação do consumo. No entanto, muitos países ainda não incorporaram diretrizes específicas sobre alimentos ultraprocessados em suas recomendações nutricionais.

Em 2014, a introdução da classificação NOVA forneceu uma base científica sólida e respaldou as recomendações do Guia Alimentar para a População Brasileira. Esse marco teve um impacto significativo nas políticas públicas de nutrição e saúde no Brasil. A relevância da NOVA transcendeu fronteiras, influenciando diretrizes semelhantes em vários países, como Uruguai, Canadá, Peru, Equador e Israel.

Em 2021, o governo do Reino Unido recebeu um relatório independente que propôs reformas direcionadas à indústria alimentar ultraprocessada. Entre as recomendações, destacam-se a sugestão de impostos sobre açúcar e sal em alimentos processados e a exigência de que grandes empresas divulguem a quantidade de alimentos não saudáveis que comercializam. Entretanto, a resposta oficial, publicada um ano depois, demonstrou uma certa resistência em adotar integralmente essas sugestões, revelando o desafio em traduzir evidências científicas em políticas públicas eficazes.

Enquanto isso, o pesquisador Kevin Hall está conduzindo um novo estudo para desvendar os motivos pelos quais os alimentos ultraprocessados levam as pessoas a consumir calorias em excesso. A pesquisa, semelhante a um estudo anterior, busca entender se a densidade energética ou a palatabilidade desses alimentos influenciam a quantidade que as pessoas consomem. Os resultados podem contribuir para o desenvolvimento de políticas mais eficazes em prol de dietas saudáveis ou até mesmo incentivar reformulações por parte das empresas alimentares.

Além disso, a discussão se estende para o impacto climático das escolhas alimentares. A complexidade da questão é evidenciada ao considerarmos que substitutos de carne altamente processados podem ser mais ambientalmente sustentáveis do que suas contrapartes de origem animal. Essa nuance destaca a importância de abordagens equilibradas ao lidar com alimentos ultraprocessados, considerando não apenas a saúde, mas também as questões ambientais.

Como os ultraprocessados são avaliados no Brasil

Gordura, açúcar, sal… entenda o problema dos alimentos ultraprocessados. A relação entre alimentos ultraprocessados e riscos à saúde, incluindo obesidade e doenças crônicas, foi evidenciada por diversos estudos que agora confirmam os efeitos prejudiciais desses produtos.
No Brasil, o Minstério da Saúde têm sido responsável pelo desenvolvimento do Guia Alimentar para a População Brasileira. Foto: Marcello Casal JrAgência Brasil

No Brasil, os alimentos ultraprocessados têm sido objeto de atenção devido ao seu impacto significativo na dieta e saúde da população, com estudos, como os desenvolvidos pela Nupens/USP, comprovando que esses produtos, formulados com ingredientes que promovem a dependência, contribuem para o ganho de peso.

Nesse contexto, o Guia Alimentar para a População Brasileira orienta explicitamente a evitar esses produtos, destacando sua natureza nutricionalmente desequilibrada e a presença de inúmeros ingredientes. A recomendação central é privilegiar alimentos in natura ou minimamente processados. A mais recente edição do guia estabelece as bases para uma alimentação saudável, destacando a importância de alimentos frescos, como frutas, carnes e legumes, além de alimentos minimamente processados, como arroz, feijão e frutas secas.

As preparações culinárias também são incentivadas, e o guia enfatiza a necessidade de limitar o consumo de alimentos processados, além de moderar o uso de óleos, gorduras, sal e açúcar. A promoção de hábitos como alimentação regular e consciente, a escolha de locais adequados para compras, como feiras livres e sacolões, e o desenvolvimento de habilidades culinárias são medidas reforçadas para uma alimentação equilibrada.

A inclusão dos ultraprocessados como tema do Guia Alimentar para a População Brasileira (GAPB) é extremamente impactante no cenário nutricional do Brasil. Desenvolvido pelo Ministério da Saúde, o guia é uma ferramenta importante na promoção de práticas alimentares saudáveis e sustentáveis no Brasil. Além de combater a desnutrição, o guia busca prevenir uma variedade de doenças crônicas, como obesidade, diabetes, AVC, infarto e câncer. Baseado em fundamentos científicos, o GAPB incorpora princípios e recomendações para uma alimentação equilibrada, levando em consideração as particularidades regionais, etárias, culturais, sociais e biológicas.

Leia também:

Fontes: Wired, British Hearth Foundation e Nupens/USP.

Revisado por Glauco Vital em 27/11/23.


Descubra mais sobre Showmetech

Assine para receber nossas notícias mais recentes por e-mail.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Posts Relacionados