Índice
Acusações envolvendo plágio na indústria musical já não são acontecimentos raros. Dentre os casos mais recentes, tiveram brigas e comparações entre “Got to give it up” de Marvin Gaye com “Blurred lines”, de Pharrell, Robin Thicke e T.I.; “Dark Horse” de Katy Perry sendo apontado como cópia de “Joyful noise” do rapper Flame e “Good 4 u” de Olivia Rodrigo — que, por sua vez, confessou ter usado trechos de “Misery business”, do Paramore, e acabou creditando a banda no álbum. Agora, o caso da vez é da cantora Dua Lipa, acusada duas vezes por suposto plágio no hit “Levitating”, faixa de seu segundo álbum em estúdio, Future Nostalgia (2020).
Segundo a Billboard, a quinta faixa do álbum Future Nostalgia fez tanto sucesso que passou 68 semanas em alta no Billboard Hot 100. Além disso, “Levitating” alcançou o segundo lugar no Hot 100 e conquistou a primeira posição em 2021.
A primeira acusação foi feita no começo deste mês de março pela banda de reggae Artikal Sound System. Os membros afirmaram que a canção de 2020, “Levitating”, é plágio da música “Live Your Life”, lançada em 2017 no EP Smoke & Mirrors.
Ouça as duas músicas
Dua Lipa – Levitating
Artikal Sound System – Live Your Life
Dias depois da alegação de plágio da Dua Lipa feita pela banda de reggae, a cantora recebeu mais um processo sobre direitos autorais também por “Levitating”. Dessa vez, os compositores L Russell Brown e Sandy Linzer afirmam que a parte da introdução que firma a identidade do single remete a melodias de suas canções “Wiggle and Giggle All Night” (1979) e “Don Diablo” (1980), referências, inclusive, da música disco.
No processo, Brown e Linzer são mais específicos e relatam exatamente o trecho semelhante às canções originais. “Começa em alguns segundos, a partir de quando Dua Lipa passa a cantar ‘If you wanna run away with me, I know a galaxy’”.
É importante lembrar que o hit virou uma música viral na plataforma de vídeos do TikTok e gerou milhares de conteúdos e memes. Em análise do documento do processo, os advogados dos compositores explicam que a melodia principal (a identidade e assinatura da música) é o trecho mais ouvido e reconhecido de uma música. No caso de Levitating, seu papel foi de extrema importância para que a música tenha alcançado o sucesso que teve, embora a melodia em questão tenha sido supostamente plagiada, é Dua Lipa e seus produtores que levam os créditos.
Ouça a comparação e o mashup das três músicas
Neste segundo processo, de acordo com a Billboard e o documento do processo, Brown e Linzer apresentaram como provas as entrevistas em que Dua Lipa admite ter se inspirado em gêneros e sons de épocas passadas para criar melodias mais “retrôs”.
Os compositores não viram a situação como uma simples inspiração nostálgica e alegaram nas acusações que a ação foi uma “criação sem atribuições”. O caso também envolve a Warner Music, o rapper DaBaby, que participou de uma das versões de Levitating, e os outros profissionais envolvidos na produção da música.
Mas, afinal, Levitating é plágio?
Segundo o músico e teórico musical Adam Neely, em um primeiro momento é natural que as pessoas vejam a música como plágio da canção “Live Your Life”, da banda Artikal Sound System, por ter uma sonoridade bem similar. Porém, pela perspectiva técnica, não é tão fácil bater o martelo e afirmar logo de cara se é ou não é uma cópia. Portanto, vamos às explicações, é hora da análise!
Neely explica que tanto “Levitating” quanto “Live Your Life” são canções construídas a partir de loops de quatro acordes em tom menor semelhantes, mas acredite se quiser, não os mesmos.
Em termos técnicos, ambas começam com o acorde Bm7 (Si menor com sétima), depois passam para F#m7 (Fá Sustenido menor com Sétima), seguindo para Em7 (Mi menor com sétima) — até então seguindo os mesmos intervalos e entonações semelhantes. Depois, enquanto “Levitating” retorna para Bm7, “Live Your Life” mantém o tom em Em7 no último compasso.
Ou seja, as mesmas notas usadas nas músicas acabaram criando batidas com o mesmo ritmo. Mas essa sequência já foi usada antes e é conhecida por “The Charleston”, pois foi aplicada lá no começo das músicas dançantes, antes mesmo do gênero disco ganhar notoriedade.
O que dá a sensação de plágio?
As batidas estruturadas no padrão simples de ritmo Charleston (seguindo o arco melódico 544 e repetindo 4x a ordem nos dois compassos seguintes), como mencionadas acima, seguem semelhantes até “Levitating” mudar a batida.
Além das características instrumentais, existem algumas semelhanças significativas entre as letras. Dentre elas, é possível notar como o esquema de rimas utilizado é quase o mesmo nos refrões, assim como o ritmo na mesma nota.
Veja:
LEVITATING (2020)
I got you, moonlight
You’re my starlight
I need you, all night
Come on dance with me
I’m levitating
LIVE YOUR LIFE (2017)
All day, all night
Party to the sunrise
Don’t stop ‘till you have
Lived your life
Lived your life for real
Ou seja, a sensação de plágio se dá porque as duas músicas foram construídas de maneira semelhante e, consequentemente, soam iguais – pelo menos no caso do refrão. Mas aqui há o outro lado da moeda também.
O porquê de Levitating não ser plágio
Assim como dito anteriormente, o ritmo de ambas as músicas é tão comum e já foi usado tantas vezes que tem até um nome para ele. Charleston. Foi um compasso comum nas melodias dançantes dos anos 1970 e, inclusive, aparece bastante no trabalho de The Jacksons, por exemplo.
Existem diversos exemplos de outras músicas que usam o mesmo ritmo num contexto que envolve o gênero disco com o pop e outras variantes. Inclusive, foi bem arriscado da parte da banda de reggae Artikal Sound System acusar Dua Lipa de plágio, sendo que um ano antes de “Live Your Life” ser lançada, pasmem, a banda DNCE lançou o single “Cake By the Ocean” – que também utiliza do esquema de ritmo Charleston, uma progressão de acordes semelhante e um esquema de rimas idêntico no final da música.
Confira as comparações:
DNCE – CAKE BY THE OCEAN (2016)
Red velvet, vanilla
chocolate in my life,
funfetti, I’m ready
I need it every night
Confira o trecho a partir de 3:18 do vídeo:
Live Your Life (2017)
All day, all night
Party to the sunrise
Don’t stop ‘till you have
Lived your life
Lived your life for real
A tonalidade é diferente e a melodia é deslocada por dois tempos, mas ambas as músicas conversam perfeitamente caso sejam juntadas.
Outro exemplo mais antigo ainda, que desbanca os argumentos da banda, é a música Rosa Parks, de 1998, do grupo de hip hop Outkast. É exatamente a mesma melodia baseada na teoria de Charleston e, se editada e ajustada, torna-se o mesmo produto que “Levitating” e “Live Your Life”.
É justamente esse exemplo que nos leva a um dos pontos principais: nesses últimos anos de divulgações do Future Nostalgia, Dua Lipa chegou a citar em entrevistas o Outkast como uma de suas inspirações para o novo projeto.
No processo em andamento, o Artikal Sound System alega que é improvável que “Levitating” tenha sido criado independente de “Live Your Life”. Mas se você for parar para pesquisar essa música na internet ou até mesmo o EP Smoke & Mirrors em que ela se encontra, é quase uma missão impossível.
A única maneira de ouvir “Live Your Life” é por um link do Soundcloud ou por um vídeo não oficial no YouTube que foi postado por uma pessoa anônima depois que anunciaram a acusação de plágio. O documento até alega que a música foi lançada nas principais plataformas digitais, mas ao acessar hoje, por exemplo, encontra-se indisponível. Ainda no processo, também consta que a canção já esteve no segundo lugar dos charts de reggae, mas além da notícia em si replicada em sites, não há indícios de onde apurar essa informação.
Ao que parece, a banda está tentando de qualquer forma provar que sua música é mais famosa do que de fato é, porque assim tem como provar que Dua Lipa e seus co-produtores já ouviram em algum lugar antes de criar “Levitating”.
Naturalmente, não há como provar que Dua Lipa conhecia previamente ou não tal música, mesmo que pareça improvável. Mas ainda assim, os ventos estão de seu lado, pois desde o começo da divulgação da nova era de sua carreira, a cantora britânica documentou publicamente seus processos de criação com sua equipe.
Em outubro de 2020, por exemplo, a cantora britânica participou do podcast Song Explorer com um de seus produtores, Stephen Kozmeniuk (conhecido como Koz) e compartilhou o processo criativo da composição de “Levitating” – disponibilizando alguns demos e improvisações líricas e rítmicas, além de comentar como as memórias de sua infância contribuíram para suas inspirações. O episódio levou o nome de “Dua Lipa – Levitating” e tem 18 minutos de duração.
Moral da história: na indústria musical existe uma linha muito tênue entre o que é plágio, o que é inspiração, interpolação, uso de sample e por aí vai. Para além do que está estabelecido nas leis de direitos autorais, é de suma importância que casos de acusações de violação autoral contenham uma análise musicológica feita por um profissional da área. É preciso um estudo técnico para reunir argumentos e explicar de forma palpável o porquê da música ser plágio ou não para o tribunal.
No primeiro processo contra “Levitating” de Dua Lipa, não há essa análise apurada, logo, a acusação não possui uma base fundamentada para sustentar o argumento. Nesse caso, tudo se resume à melodia ser semelhante. Já no segundo caso, precisamos aguardar mais informações e o posicionamento oficial da Warner Music e da equipe da cantora.
Confira também
MusicMatch: como abrir links do Spotify no Apple Music
Veja suas músicas mais ouvidas com Stats for Spotify
Fontes: Adam Neely, Billboard, Rolling Stone
Descubra mais sobre Showmetech
Assine para receber nossas notícias mais recentes por e-mail.