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A versão de PC de Doom 2 RPG finalmente chegou. O port, lançado no último dia 7, é fruto do árduo trabalho de uma equipe formada por programadores independentes que trouxeram a até agora exclusiva versão para celulares lançada há treze anos para iPhone. Anteriormente, eles já haviam convertido Doom RPG da mesma maneira.
Incrivelmente, essa versão repaginada de Doom em RPG é bem divertida, apesar de ser simples em conceito e execução, especialmente para os padrões atuais. Mesmo limitada, consegue transmitir a tensão do jogo de tiro em primeira pessoa que revolucionou a indústria dos games.
No papel, como Doom pode funcionar como um RPG
Por mais bizarro que pareça, levar um jogo à primeira vista incompatível de um gênero como o de tiro, para outro como o dos RPGs, faz total sentido quando falamos de Doom. Estruturalmente, é um jogo de design extremamente engenhoso. Os mapas projetados por Romero e sua equipe, ao serem analisados, são muito mais que meros corredores onde a matança virtual rolava solta.
Houve uma preocupação visível em tornar os mundos do jogo verdadeiros quebra-cabeças para o jogador, em que não só é preciso sobreviver contra os muitos inimigos que são colocados à frente, mas também é necessário descobrir como chegar ao final deles. E, de quebra, além de zerá-los, encontrar seus segredos torna-se um objetivo à parte; muitas vezes eles estão escondidos e inacessíveis logo de início, encontrando-se atrás de sequências específicas de ações, como o acionamento em ordem de um conjunto de alavancas espalhadas pela fase, por exemplo.
Além disso, para cada tipo de monstro há uma arma que é mais eficiente para abatê-lo, o que torna a economia de munição outro importante aspecto de jogo a se prestar atenção. Em modos de dificuldade mais altos, ao chegar nas fases mais avançadas do jogo, isso fica mais evidente, pois há mais inimigos que balas ou foguetes, forçando o jogador a não só ser preciso com seus tiros, mas também levar em conta a arma que usa e o ambiente em que está atirando.
Antes de falar de Doom 2 RPG, cabe citar que seu antecessor, Doom RPG, já foi convertido também para PC no ano passado e que, curiosamente, ele foi desenvolvido originalmente sob os cuidados de ninguém menos que o próprio John Carmack, o mesmo programador do jogo principal. Por incrível que pareça, esse foi o último dos jogos Doom clássicos em que ele trabalhou e surgiu por pura curiosidade por parte dele.
Minha entrada nisso [o desenvolvimento de Doom RPG] foi meio que um acontecimento aleatório. Um ano atrás, eu quase nunca levava comigo um telefone celular, e quando estava com um, era um daqueles tijolinhos pré-históricos, em preto e branco.
Quando a minha esposa me deu um telefone que não era nem top de linha mas também não era ruim, que vinha com uma tela colorida até que decente, com um monte de demos horríveis de jogos na memória, me interessei pela plataforma.
Eu acabei descobrindo que era muito fácil programar aplicativos na linguagem Java utilizada naquele telefone, então eu brinquei um pouco com ela e comecei a pensar em quais elementos poderiam ser usados para fazer um bom jogo para aquele formato.
Então escrevi uma demo conceitual do estilo de jogo e renderização básicos em BREW [linguagem-base da programação em Java], e entreguei o resultado para a Fountainhead Entertainment, para que eles desenvolvessem um jogo completo. Depois disso, acabei programando um pouco mais e passei a ser o produtor do projeto [de Doom RPG].
Relembra Carmack, em uma entrevista conduzida em 2006, ano em que Doom RPG foi lançado.
O RPG baseado no primeiro Doom, projetado para rodar em aparelhos que tinham suporte a formatos da época, como o BREW, Java ME e J2ME, foi um tremendo sucesso. Ele recebeu muitos prêmios de publicações especializadas, além de análises surpreendentemente favoráveis. Tal recepção foi suficiente para que uma continuação, obviamente intitulada Doom 2 RPG, fosse desenvolvida, só que dessa vez ela seria lançada no então novíssimo iOS, para a primeira versão do iPhone.
Doom RPG acabou sendo trazido ao PC ano passado, graças aos esforços de uma equipe costarriquenha independente de desenvolvedores sem qualquer envolvimento com a Bethesda, publisher e dona da propriedade intelectual da série Doom, que faz parte da Microsoft.
Para o port de Doom 2 RPG, a mesma equipe, a GEC Entertainment, basicamente realizou a engenharia reversa de todo o código de programação do iOS, trazendo o jogo até então inacessível – não só por sua linguagem de programação ultrapassada, mas também pela natureza da App Store, que torna aplicativos antigos inutilizáveis com cada nova versão do iOS – para computadores atuais.
Como botar Doom 2 RPG pra quebrar
O que finalmente temos agora para baixar é a estrutura básica que serve de alicerce para o jogo rodar, ou seja, uma espécie de emulador. É ainda necessário conseguir o jogo em si. Para isso, você terá que obter o arquivo ‘Doom 2 RPG.ipa’ por conta própria, já que seria ilegal compartilhá-lo junto com o download. Não se preocupe, não é nada que uma busca na seção de programas da Web Archive não resolva.
Ainda é necessário configurar algumas coisinhas antes que tudo funcione como se deve. Basicamente, você vai precisar da versão 1.1 do instalador em Windows do OpenAL, que pode ser encontrada em seu site, www.openal.com. Depois disso, é só copiar o arquivo de jogo ‘Doom 2 RPG.ipa’ que você encontrou por aí para a pasta criada ao descomprimir o arquivo ‘DoomIIRPG.zip’ lá do site da Doomworld, contendo o que é necessário para rodar a nova versão PC do jogo.
Nessa versão, Doom 2 RPG conta com suporte para controles genéricos, ou os de PlayStation e Xbox. E claro, visto que é um jogo originalmente de celular, há também a opção de jogar com o mouse e teclado, com os quais você poderá interagir com os elementos gráficos de toque da versão original do game.
O que esperar de Doom 2 RPG
O jogo em si, como comentei no início da matéria, é bem simples para os padrões atuais, mas mesmo assim funciona, trazendo a insanidade do FPS para o formato de exploração de masmorras. Nele, você encara as forças do diabo na pele de um de três personagens jogáveis, um dos quais é o próprio Doomguy, chamado de Sarge nessa versão.
Curiosamente, o mesmo nome dado ao personagem interpretado por Dwayne “The Rock” Johnson na malfadada adaptação de Doom às telonas, que estreou no ano antes do de Doom 2 RPG sair originalmente, em 2005. No longa, The Rock pouco pareceu o açougueiro silencioso dos jogos, e o papel de herói acabou ficando para um jovem Karl Urban, logo após sua participação nos filmes da série O Senhor dos Anéis.
Os visuais das armas e monstros são baseados nos do então novo jogo da franquia, Doom 3, que tinha acabado de sair, apesar dos trajes do soldado serem praticamente iguais aos dos dois jogos clássicos. Em Doom 3, o protagonista passa boa parte do jogo sem capacete, com o propósito de exibir a (então) nova tecnologia de expressividade de personagens e reflexos em espelhos; enquanto que em Doom 2 RPG, ele é bem mais parecido com o que se vê de sua versão pixelada, o que, para mim pelo menos, é uma vantagem e bem mais nostálgico.
Agora que os ports de ambos dos RPGs baseados em Doom finalmente se tornaram realidade, resta saber quanto tempo vai demorar para que outros jogos similares sejam convertidos para rodar nos computadores de hoje. Sim, acredite ou não, até Wolfenstein recebeu uma versão em RPG, trazendo as aventuras do inveterado soldado da Resistência, B.J. Blazkowicz, contra o Eixo e as forças sobrenaturais sob o comando de Adolf Hitler e seus seguidores. Se depender de mim, podem mandar brasa!
Um pouco sobre a importância dos jogos Doom
É inegável que Doom e Doom 2 são marcos no mundo dos videogames. Desenvolvidos pelo time da id Software, desenvolvedora de games que até aquele momento, no início dos anos 1990, era conhecida pela série de jogos em plataforma Commander Keen e por Wolfenstein 3-D, o polêmico e pioneiro FPS, estopim do verdadeiro boom que veio a ser cimentado pelo que estava por vir. Doom. Literalmente, por significado no inglês, a destruição.
O time era liderado pela dupla John Romero e John Carmack, dois desenvolvedores que não poderiam ser mais diferentes, cujo talento combinado era imbatível. Apesar de franzino e lacônico, com óculos de armação grossa e uma voz esganiçada, Carmack utilizava sua capacidade brilhante de programação para montar, do zero, a estrutura computacional necessária para o jogo rodar, referida como engine.
Romero, por sua vez, era o completo oposto: um roqueiro com cara – só cara, diga-se de passagem – de quem não ia bem na escola, contava com uma cabeleira enorme; era bagunceiro, falastrão e, por vezes, arrogante. Mas seu esmero e capacidade de criação falavam mais alto. Ele era a cabeça por trás de toda a parte que caracterizava a experiência de se jogar Doom. Isso não só se resumia aos mundos em que a jornada de um infeliz fuzileiro espacial incumbido de salvar a humanidade das forças do capeta se passavam, que no caso do primeiro jogo é Marte, e no segundo, a Terra e o Inferno.
Isso conta todo o conceito e sensação, a direção visual dos monstros que dilaceramos – desenhados por Adrian Carmack – até a escolha das armas com que fazemos isso, algumas baseadas em brinquedos adaptados pela equipe, como a deliciosa serra elétrica ou a garrucha, sem falar nas mãos do soldado, que fazem parte fundamental na imersão do jogador ao incorporar o papel de Doomguy, como é carinhosamente chamado o protagonista.
A recepção desses jogos foi revolucionária. Nenhum outro lançamento até então abalou tanto a indústria, a ponto de se tornar um fenômeno fora dela. O sistema de distribuição de arquivos no qual o primeiro jogo da série foi disponibilizado utilizava a central de computadores ligados em rede de uma universidade, que foi bombardeada por pedidos de acessos feitos pelos ardorosos fãs no aguardo para baixar a versão shareware – antigo termo utilizado para demonstrações de jogos que continham algumas fases do game completo e que destravavam a versão completa após pagamento.
Doom foi matéria de inúmeras revistas, não só as especializadas em jogos de computador. Apareceu em seriados de TV como Plantão Médico, onde os médicos de plantão se viram viciados em “trucidar Barões do Inferno”. Foi uma febre mundial. Mas, infelizmente, nem tudo foram flores em relação à criação da id. Perturbados pela violência gráfica jamais vista, muitos pais se mostraram preocupados em deixar seus filhos jogarem em casa, mesmo que eles jogassem independentemente, de qualquer maneira, indo à casa de amigos com pais menos atentos, por exemplo.
E, em 1999, a id Software acabou se tornando ainda mais infame, mas da maneira que nunca procuraram ser, após os ataques ao colégio Columbine, em Colorado, quando dois perturbados alunos utilizaram da ferramenta de criação de fases de Doom para simular os ambientes de estudo do colégio. Depois, após muito planejamento, eles invadiram o campus, atirando armas de grosso calibre, ferindo e matando dezenas de seus colegas, suicidando-se no processo.
Por muito tempo, os jogos de tiro foram culpados por influenciar crianças a cometer tais atrocidades, apesar de já haverem muitos estudos que apontam o contrário, e, é claro, a cultura de armas que permeia no mundo (em especial, nos EUA), e a falta de uma legislação mais rigorosa quanto a posse e controle delas.
Wolfenstein 3-D, mas mais precisamente Doom e Doom 2 e, eventualmente, Quake, foram responsáveis pela popularização do gênero de jogo que hoje conhecemos como tiro em 1ª pessoa, (de first-person shooter do inglês, abreviado para FPS). Antes de receber essa nomenclatura, os jogos de tiro eram chamados simplesmente de “clones de Doom”. Foi tal a influência das criações dos dois Johns.
Para muito mais detalhes sobre a criação da id Software, do desenvolvimento dos jogos Doom e o que veio depois deles, além da vida das pessoas por trás de tudo isso, recomendo fortemente a leitura do livro Masters of Doom, de David Kushner. Infelizmente, não há uma versão oficialmente traduzida, mas não é nada que um pulo no Google não resolva.
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Fontes: Doomworld, Eurogamer, PC Gamer
Revisão do texto feita por: Pedro Bomfim (15/05/23)
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