CRÍTICA: Pam e Tommy e o escândalo de Hollywood em 1990

Pam e Tommy, minissérie da Hulu, aqui no Brasil, distribuída pela Star+, canal da Disney, teve seu ultimo episódio exibido dia 09/03 e veio com uma excelente atuação de Sebastian Stan e Lily James. A produção tinha como objetivo fornecer uma visão da história sórdida de Pamela Anderson, Tommy Lee e sua fita de sexo roubada. Mas o que era para ser um show mais imparcial em um formato de documentário ficcional mostrando o ocorrido, acabou por se tornar um show que usa a luta de uma mulher para se promover — mais uma vez.

Breve análise

O que deveria ter sido uma oportunidade para mergulhar em discussões honestas sobre política de gênero e voyeurismo, trata cada uma dessas noções como uma reflexão tardia. E como se não bastasse, o fato de não usarem a oportunidade para trazerem discussões sérias, o criador da coleção, Robert Siegel, é compelido a inventar cenas em que os personagens esclarecem verbalmente ideias absurdas — quase como se o público fosse estúpido demais para não entender o que se passa.

Mas antes de mergulharmos no show, vamos relembrar alguns fatos verídicos (ou o mais próximo disso que sabemos) dos acontecimentos. Lembrando que Anderson se recusou a participar da produção da série, deixando a critérios dos produtores desenvolverem a história da forma que achavam melhor. Diferente de Lee que até apoiou a ideia da série, mas vale lembrar que a situação dos dois no ocorrido foram para caminhos bem opostos.

O sexismo pesou, e enquanto Lee se tornou uma lenda, Anderson foi quem mais sofreu com a exposição da fita. Inclusive, a própria anunciou logo depois da exibição do último episódio que estará fazendo um documentário pela Netflix contando seu lado do que realmente aconteceu durante a década de 1990.

Os fatos reais sobre Pam e Tommy

Eis alguns fatos básicos que sabemos dos acontecimentos: logo após o romance relâmpago de Pam Anderson e Tommy Lee, e as núpcias quase imediatas, Lee contratou uma equipe de empreiteiros independentes para fazer a construção de sua casa em Malibu.

Lee mais tarde demitiu os empreiteiros sem pagá-los, e quando um dos empreiteiros, Rand Gauthier, voltou para pegar suas ferramentas, Lee supostamente apontou uma arma para ele. Isso enfureceu Gauthier, que então retornou à mansão de Lee na calada da noite para roubar o cofre do casal, que ele sabia conter várias armas de fogo e joias caras.

Embora Gauthier alegue que ele roubou o cofre sozinho, o tamanho do movimento e sua localização atrás do equipamento de gravação do estúdio de Lee, deixam dúvidas sobre ele ter roubado o cofre realmente só. Depois de abrir o cofre, ele descobriu não apenas as armas e joias, mas uma fita VHS, do tipo usado em filmadoras.

Gauthier, que trabalhou como performer na indústria pornô por muitos anos, levou a fita para o chefe de seu estúdio, Milton Ingley. Ingley e Gauthier decidiram tentar lucrar com a fita por qualquer meio necessário, mesmo que todos na indústria pornográfica recusassem quando perceberam que a fita havia sido roubada

Eles acabaram então criando uma forma de conseguir lucar com a fita, anunciando online e enviando as fitas por correspondência. Levou meses para que o casal percebesse que havia sido roubado e denunciasse o crime à polícia. A essa altura, Gauthier e Ingley já haviam destruído as evidências ao destruir completamente a fita original e haviam feito várias cópias para manter a distribuição.

Eventualmente, a revista Penthouse colocou as mãos na fita e quase lançou uma matéria incluindo imagens, mas Anderson e Lee os processaram. O casal perdeu o processo, mas a Penthouse evitou imprimir fotos da fita pela mesma razão que os estúdios pornográficos se recusaram a distribuí-la: ninguém obteve formulários de liberação ou consentimento das pessoas retratadas, tornando não apenas antiético, mas ilegal mostrá-las.

Acabou que o casal assinou então um acordo com um site oficial para distribuição, esperando que ao fornecer uma maneira legal o vídeo ajudasse a se livrar dos piratas e que pelo menos os beneficiasse financeiramente, já que era impossível parar a onda enorme que vinham sobre eles.

A série

Já vou começar dizendo que os três espisódios dirigido por Craig Gillespie – são provavelmente os piores. Infelizmente, esta não é a primeira vez que o cineasta comete erros de julgamento totalmente excedentes. Críticas relacionadas podem ser feitas sobre seus filmes Eu, Tonya e Cruella – cada um dos quais chegou perigosamente perto de “passar o pano” para comportamento repreensíveis.

Gillespie usa então como pontapé Rand Gauthier (Seth Rogen). Ele é o homem responsável por roubar a fita e distribui-la online (basicamente abriu alas para a indústria pornográfica na internet, e ainda promoveu a pirataria virtual). Aqui a série então quer justificar a ação de Rand — explicado no episódio piloto, como um ato de vingança, por Lee ter demitido ele sem pagar.

Rand pensa em si mesmo como um homem bom que simplesmente deseja mostrar a Tommy uma lição de humildade. A série assume o ângulo de que ele é apenas um homem comum injustiçado que se destacou tanto quanto alguém infinitamente mais privilegiado do que ele. Quão errado isso pode ser? Estamos, apesar de tudo, falando de um homem que invadiu a privacidade de um casal, trabalhou friamente para tirar proveito de uma situação que não deveria ter sido exposta e provavelmente ajudou na desintegração de seu casamento. 

Ah, e a propósito, ele não tinha rancor contra Pamela; ela basicamente virou o dano colateral em sua batalha em oposição a Tommy, e suportou o peso do escrutínio — na sociedade a mulher é sempre a mais prejudicada, sempre. No entanto Gillespie dirige esses três primeiros episódios como uma experimento agradável sobre um pioneiro da web, e nunca como um drama sinistro de um par de crimes horrendos.

Apesar de uma narrativa completamente errada sobre uma redenção para Rand Gauthier, Pam & Tommy, tem uma das melhores atuações que já vi de Sebastian Stan e Lily James — espero que haja ao menos uma indicação ao Emmy 2022. Ambos são fantásticos reproduzindo a realidade desses personagens por trás de próteses grossas. James, particularmente, é sensível como Pamela, uma garota cuja vida — e profissão — foi arrancada dela tão cruelmente. Ela está irreconhecível não apenas pela maquiagem, que é excelente, mas principalmente por sua excepcional performance que poderia ter funcionado mesmo sem todos os truques de beleza.

Conclusão

Mas mesmo com atuações excelentes, infelizmente o show nunca caminha por uma narrativa que poderia se tornar significativa, focando em trazer à tona discussões plausíveis e necessárias. Muito pelo contrário, ele apenas faz graça, sendo exatamente a mesma coisa que tanto tentou criticar — espalhafatando uma situação complicada da exposição de uma mulher e tentando lucrar com isso.

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