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Depois que as eleições terminam, em alguns países, o lado perdedor alega que houve fraudes eleitorais. Nesses casos, sempre sugerem que sejam feitas reformas no sistema de votos. É isso que está acontecendo nos Estados Unidos, situação personificada na figura de Donald Trump, depois das eleições de 2020.
No Brasil isso também ocorre, mas por aqui é um pouco diferente. Mesmo depois de vencer as eleições de 2018, sem apresentar provas, o presidente Jair Bolsonaro continua deslegitimando o processo e pede que o voto impresso volte a fazer parte do pleito no país.
Apesar do posicionamento desses políticos, que não tem a ver com a lisura do processo eleitoral, há especialistas que também recomendam reformas no sistema de votação brasileiro e a incorporação de novas ferramentas de defesa.
Uma dessas possíveis ferramentas seria o blockchain, uma espécie de bloco de registro digital, que confere mais segurança às informações. Mesmo tendo seu código-fonte aberto, ela não permite que terceiros consigam mexer em dados gravados nele.
Para te explicar melhor o cenário de um processo de votação utilizando esse protocolo alternativo, o Showmetech conversou com especialistas para entender como esse método seria aplicado no pleito eleitoral brasileiro. Será mesmo que ele é a saída?
Afinal, o que é esse tal blockchain?
Em tradução livre, blockchain é o mesmo que “corrente de blocos”. Apesar de estar intrinsecamente ligado ao bitcoin, uma criptomoeda, ele é mais que isso. O conceito apareceu pela primeira vez em 2008, quando uma pessoa, sob codinome “Satoshi Nakamoto”, lançou um paper (ensaio acadêmico) detalhando o processo.
O documento “Bitcoin: A Peer-to-Peer Electronic Cash System” (sistema de caixa eletrônico ponto a ponto, em tradução livre) apresentou uma solução de dinheiro totalmente eletrônico, que era baseado em um procedimento inovador e que poderia ser usado em diversas tarefas eletrônicas, além de carregar as moedas digitais.
Nesse contexto, o blockchain surge como um protocolo digital diferente desde a sua concepção, pois foi arquitetado feito um banco de dados para registro de informações, sem a possibilidade de movimentação ou exclusão de elementos.
Assim, uma vez feita a transação, a máquina gera um código para ela e o deixa visível para todos os usuários da plataforma, com ou sem identificação de quem realizou o registro, dependendo da programação.
Em seguida, esse dado se junta aos outros, formando um bloco único de informações, chamado de hash que, por sua vez, constrói outros conjuntos de informação. Por isso o nome “corrente de blocos”.
Especialistas costumam comparar o modelo a um trem com centenas de vagões, em que todos estão interligados. Assim, o vagão número dois carrega todas as informações do número um, três e dos demais.
Desta forma, mesmo que o primeiro seja retirado da fila, os outros continuam operando, carregando as informações do que foi removido. Cada bloco de informações leva cerca de 10 minutos para ser fechado, quando é selado por uma criptografia.
Na prática, as aplicações do blockchain são inúmeras, mas ele se destaca pelo baixo custo e pela possibilidade de ser usado para autenticação digital. Nesse contexto, ele proporciona mais privacidade aos dados pessoais, que hoje estão espalhados por diversas plataformas, como redes sociais, lojas online e até órgãos de proteção ao crédito.
Por ter essas características, muitos entusiastas acreditam que esse protocolo tem potencial para ser um aliado aos sistemas de votação pelo mundo, uma vez que sua estrutura pode ser usada como uma camada de segurança a mais, de modo a evitar que fraudes eleitorais aconteçam.
Mas ele é mesmo 100% seguro?
De maneira prática, ele não é um instrumento de votação – como a urna eletrônica – mas sim o esquema de segurança por trás daquela interface. No caso específico do blockchain, durante a sua montagem, o protocolo traz um mecanismo que dificulta a alteração do seu código, dando mais proteção aos dados registrados.
Independentemente do alto padrão de programação, qualquer metodologia invisível ainda pode ser suscetível a falhas e ser considerada vulnerável. A diferença está na forma pela qual os programas foram preparados para atuar no caso de tentativa de golpes.
A Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa de SP) explica que a defesa da estrutura está na maneira em que são espalhados os dados por vários computadores independentes, e não em um único, conforme acontece na maioria das plataformas conhecidas hoje.
Então, todas as informações formam a já citada cadeia de blocos, ligada umas às outras, sempre recebendo novos dados. “Rastreabilidade, segurança e imutabilidade dos dados são aspectos centrais da ferramenta”, diz a Fundação em documento.
Além disso, quando o sistema identifica uma tentativa de invasão, ele trava automaticamente, bloqueando a ação de criminosos. Desta forma, quebrar toda estrutura e ter acesso aos dados arquivados não é uma tarefa fácil, mas também não é impossível.
ABFintech fez a primeira eleição brasileira via blockchain
Por ter essa característica de descentralização, a auditoria de uma transação via blockchain é muito mais fácil e barata que em outras técnicas de autenticação. E foi esse um dos motivos que levaram a ABFintech (Associação Brasileira de Fintechs) a recorrer à tecnologia.
Em 2018, a instituição foi notícia na imprensa brasileira por ter feito uma eleição baseada no protocolo. Na ocasião, o órgão elegeu seu conselho diretivo por uma plataforma inovadora, fruto de uma parceria com a mineradora OriginalMy.
Conforme explica Diego Perez, presidente da associação, a ideia partiu de uma das associadas, que enxergou no processo a capacidade para o pleito. Segundo ele, que também é especialista em direito digital, por ser uma organização que une empresas de tecnologia, não foi difícil dividir a proposta com o grupo, sendo que a maioria mostrou interesse nesta nova modalidade. Ele avalia:
Nós somos uma associação que representa financeiras de tecnologia, portanto, nada mais justo que usarmos no nosso dia a dia ferramentas inovadoras. Queríamos uma eleição segura, com integridade e que pudesse ser auditada posteriormente pelos próprios usuários, então o blockchain caiu como uma luva.
Diego Perez, presidente da Associação Brasileira de Fintechs
Participaram do pleito mais de 50 pessoas, em diferentes localidades do Brasil. A condução do voto, em si, foi realizada por uma plataforma digital interna, mas foi o mecanismo que autenticou os eleitores antes e validou os votos no final.
Perez ainda comenta que, antes de incluir essa técnica no processo, eles conduziam a eleição pelo voto impresso, que se mostrava obsoleto para os associados, visto que eles são oriundos da área de tecnologia.
Em 2020, a entidade passou uma nova eleição, mas, mesmo com o sucesso anterior, em razão da pandemia, usou outro método no pleito, por não haver tempo hábil para preparar algo tal qual 2018.
No entanto, Diego destaca que isso pode ajudar a associação em outros âmbitos, como na gestão dos associados e a dar maior transparência aos processos internos, principalmente nas tratativas com documentos. Ainda segundo ele:
A partir do momento em que você usa uma plataforma, cujo registro das transações não é suscetível a modificações posteriores, ou seja, uma pessoa não consegue modificar, você garante que o eleitor realmente votou como queria. O desafio, porém, é criar uma interface para que as pessoas consigam participar do processo. E a nossa urna eletrônica é um exemplo de interface bem sucedida.
Diogo Perez, presidente da Associação Brasileira de Fintechs
Algum país já usa o blockchain em eleições?
Ainda que o blockchain tenha alcançado um certo sucesso nos últimos anos, poucos países o usam de forma efetiva no processo eleitoral. O que se encontra, em sua maioria, é um processo digital de voto, que pode ser melhorado com a implantação do protocolo.
Doutor em Computação, Rodrigo Silva passou alguns anos estudando o sistema de votação da Estônia, um pequeno país do norte europeu, que, desde 2005, usa um método eletrônico. Por lá, a população é habilitada a votar remotamente, através de um aplicativo de celular.
A operacionalização do voto é possível graças a uma identidade digital emitida pelo próprio governo que serve como cartão de saúde, prova de identificação de contas bancárias, para pagamento de tributos e, claro, para a eleição.
Apesar dessa avançada tecnologia, o processo de voto não é baseado na corrente de blocos. Por isso, em estudo, Silva propôs sua aplicação na verificação dos votos no país que tem cerca de 1,3 milhão de habitantes.
Ele, que também é auditor das eleições brasileiras, destaca três pontos de observação para o pleito estoniano: o servidor de dados é centralizado; identificação do eleitor é feita por fator único; e o processamento e contagem das cédulas são realizados offline.
Desta forma, o uso do blockchain para autenticar os votos aumentaria a segurança das eleições, visto que ela atende e soluciona as lacunas observadas.
No entanto, Rodrigo também acredita que a implantação desta técnica é fácil em um país como a Estônia, que tem uma cultura tecnológica muito forte. Já no Brasil, em que parte da população ainda não está inserida digitalmente, talvez esse processo fosse um pouco mais complexo. Mas, mesmo com as diferenças geográficas e sociais que existem no Brasil, Rodrigo acredita que há condições de se inovar e trazer novas tecnologias para o processo eleitoral brasileiro:
As eleições são parte da cultura de um país, portanto, qualquer mudança estrutural deve ser minimamente calculada, sempre pensando que a solução precisa se adequar à realidade daquele povo. Se a gente pode levar uma urna eletrônica por meio de um barco [se referindo às comunidades ribeirinhas do Amazonas], podemos também levar um sistema nestes moldes.
Rodrigo Silva, doutor em Computação
Já nos Estados Unidos, onde cada estado tem suas regras eleitorais, há lugares que já aliam a votação eletrônica ao uso do método de Nakamoto. Na Vírginia Ocidental, por exemplo, testou-se o uso do app Voatz para que eleitores em trânsito pudessem votar.
No experimento, que aconteceu nas eleições de 2018, 144 americanos votaram a partir de 31 países diferentes em cédulas que eram preenchidas no app e autenticadas digitalmente pelo blockchain. No fim do pleito, o estado classificou o avanço como um sucesso e disse que já planejava usá-lo nas eleições de 2020.
Entretanto, auditores externos fizeram um relatório dizendo que o governo estadual não foi muito transparente com o tratamento dos dados recebidos e que isso era potencial para falhas e riscos de segurança nos smartphones dos eleitores.
Depois disso, e vendo que poderiam surgir alegações de fraudes eleitorais, o projeto voltou para a gaveta e deixou de ser discutido na Câmara estadual.
Blockchain não é consenso entre especialistas
Embora seja uma luz no horizonte, o uso do blockchain como alternativa aos processos tradicionais ou camada de proteção a fraudes eleitorais não é um consenso entre os especialistas de segurança digital.
No fim do ano passado, um grupo de pesquisadores do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts) publicou um documento mostrando vulnerabilidades do app Voatz, que usa o protocolo para validar os votos.
Para os cientistas, o código dos bitcoins não é um método seguro suficiente para que receba as eleições democráticas de um país, sem incitar denúncias de fraudes eleitorais. Em 25 páginas, eles destacam que qualquer processo online está exposto a ataques em escalas ainda maiores que nos sistemas mais tradicionais, ainda baseados nas cédulas de papel.
Essas ideias parecem serem úteis para votação eletrônica. Por exemplo: usar assinaturas criptográficas para dificultar a falsificação de votos e usar hashing e consenso distribuído para manter um registro de votos que os invasores não possam adulterar, a menos que peguem grande parte dos dados da rede. No entanto, é extremamente desafiador fazer essas técnicas funcionarem de forma confiável, na prática.
Pesquisadores do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT)
Por outro lado, há gente que questiona e diz que alguns cientistas trabalham para encontrar problemas em tudo, esquecendo que há um mundo fora da universidade, como Pete Martin, CEO da Votem, uma empresa norte-americana que cria protótipos de votos baseados no blockchain.
Eles acreditam que a cédula marcada a mão é o tipo mais verificável pelo eleitor, mas esquecem que, após a postagem no correio, por exemplo, o voto entra numa cadeia e se perde no meio das outras cartas.
Pete Martin, CEO da Votem
E no Brasil, há projetos neste modelo?
No Brasil, o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) reitera categoricamente que não há nada que aponte fraudes eleitorais nos pleitos que acontecem bianualmente. No entanto, o tribunal trabalha com a hipótese de adicionar novas soluções tecnológicas ao sistema com o propósito de dar ainda mais confiança.
Em 2020, o tribunal abriu um chamado público a fim de receber propostas da iniciativa privada para otimizar o modelo de votação que é adotado desde 1996. Denominado “Eleições do Futuro”, mais de 30 companhias se inscreveram para apresentar soluções, preferencialmente online, sendo que 26 delas foram selecionadas para o processo.
Entre as empresas selecionadas, estão marcas conhecidas pelos brasileiros: a certificadora Certsign; a operadora Claro; a big tech IBM; além de empresas menores, mas que, em uma primeira análise, se mostraram capazes de apresentar ferramentas nos moldes do órgão que gerencia uma das maiores eleições do mundo.
Assim, entre os dias 05 e 14 de outubro, todas as companhias passaram por reuniões técnicas com o TSE para acertar detalhes dos testes públicos que viriam a acontecer em 15 de novembro, no primeiro turno das eleições municipais.
Três cidades brasileiras foram escolhidas para serem palco das demonstrações das fórmulas propostas pelas empresas, sob monitoramento da justiça. De posse dos resultados efetivos, agora o tribunal trabalha para separar as melhores soluções, pensando na geografia do Brasil, que tem dimensões continentais.
O tribunal diz que, no próximo mês, deve apresentar essas soluções ao atual presidente do TSE, o ministro Luís Roberto Barroso, que as conhecerá e poderá decidir por apresentá-las aos seus pares, em uma estratégia para uma eventual mudança no processo atual.
A ideia do tribunal é que, embora uma possível solução seja efeito da parceria com empresas do setor privado, todo o processo e controle dele continue sob a administração da Justiça Eleitoral.
Se o presidente [Barroso] achar que alguma ou algumas delas satisfazem os requisitos de sigilo, eficiência e segurança, o passo seguinte será levá-las para discussão conjunta com os ministros Edson Fachin e Alexandre de Moraes, que vão presidir o TSE em 2022. Qualquer inovação que venha a ser cogitada nesse assunto será devidamente amadurecida e compartilhada com a sociedade, com total transparência.
Nota oficial do TSE
Aproveite para conhecer a história da urna eletrônica brasileira no nosso canal no YouTube:
Fonte: Forbes, Fapesp, Slate, MIT Technolog e TSE.
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Processo, mas o Presidente está cercado de especialistas para afirmar sobre segurança no processo eleitoral, ele não é ingênuo como vocês pensam.