Na última sexta-feira a Anatel divulgou um extenso balanço da situação do serviço de telefonia móvel no Brasil. A intenção da agência era mostrar que a suspensão dos serviços feita no ano passado quando uma cautelar da autarquia proibiu as operadoras de habilitar novos celulares por 15 dias trouxe efeitos positivos para os consumidores, com a melhoria dos serviços. O presidente da Anatel, João Rezende, chegou a dizer que os serviços têm apresentado uma estabilidade para melhor. O engraçado é que os números apresentados pela autarquia não mostram isso.
Não é a primeira vez e, infelizmente, imagino que não será a última que os dados produzidos pela agência desmentem a versão falada de seus dirigentes. No caso dos problemas da telefonia móvell, o cenário exposto nas tabelas técnicas não deixa dúvidas de que houve sim uma repercussão do bloqueio das vendas de novos celulares. Mas para pior. A tabela mais chamativa é a que mostra a evolução das reclamações sobre rede na Central de Atendimento da Anatel. Até meados de junho do ano passado, todas as operadoras apresentavam índices baixos de reclamação, com uma leve tendência de queda. A partir de julho de 2012, quando a Anatel expediu a cautelar suspendendo as vendas, os índices se inverteram e passaram a subir dramaticamente.
Podemos imaginar que a Anatel previu essa trajetória de elevação nas reclamações e que esse seria o motivo do bloqueio nas habilitações. Sendo assim, seria de se esperar que a trajetória de alta nas críticas fosse ao menos estancada. Mas não foi isso que aconteceu. Durante um mês, as reclamações apenas aumentaram. Entre altos e baixos, todas as operadoras chegaram ao mês de abril de 2013 último mês apurado pela Anatel com índice de reclamação bem acima daqueles apresentados antes da cautelar.
O bloqueio das vendas divulgado por toda a imprensa no ano passado claramente incentivou o consumidor a reclamar mais. Não direi que as reclamações são injustas. Há muitos problemas na prestação dos serviços de telefonia móvel no país. Mas a realidade cruel apresentada nos dados divulgados pela Anatel é que nada melhorou depois das ações da agência reguladora. Quem saiu ganhando nessa história foi apenas a agência.
O presidente da Anatel foi eleito por uma revista semanal como um dos heróis do ano de 2012 exatamente por ter tido a coragem de suspender a venda de celulares no Brasil. A responsável por escrever o perfil elogioso a João Rezende foi nada menos do que a secretaria Nacional do Consumidor do Ministério da Justiça, Juliana Pereira. Me pergunto se, um ano após a suspensão sem melhoria na qualidade dos serviços, Juliana estaria arrependida da interpretação que fez.
Há outras informações interessantes no balanço da Anatel sobre o perfil das reclamações. Como já destaquei aqui em outras ocasiões, o assunto campeão de críticas no Call Center da agência não é a precariedade das redes, que faz com que as ligações caiam com mais frequência do que o aceitável. 48% das reclamações computadas entre clientes pós-pagos fazem referencia a problemas de cobrança (falhas na rede são apenas 5% do total). Não custa questionar mais uma vez o motivo pelo qual a agência jamais ter agido nessa área. Cobrar dos clientes serviços que não foram prestados não parece ser um problema tão grave aos olhos das autoridades. Os Procons do país que o digam, já que este é o principal motivo para as operadoras de telecomunicações permanecerem no topo da lista de empresas reclamadas. Procons estes ligados à Secretaria Nacional do Consumidor cuja secretaria acha que o presidente da Anatel é um herói, mesmo vendo que a agência não tem agido no foco dos problemas dessa avalanche de reclamações.
Outro detalhe curioso é que, apesar do aumento dos protestos contra os serviços telefônicos, a base de clientes das quatro grandes operadoras móveis do país Oi, Claro, TIM e Vivo permaneceram estáveis mesmo após a punição da agência. Não é preciso ser um gênio para entender o porquê. Há uma sensação entre a massa de consumidores de que todas as operadoras são iguais no que diz respeito às falhas na prestação do serviço. Sendo assim, o jogo é disputado apenas no preço. Quem oferece serviços mais baratos, ganha. E, mesmo com a exposição pública de que as empresas não estão cumprindo os índices de qualidade impostos pela Anatel, o consumidor se sente pouco disposto a trocar de operadora. Pelo simples fato de que todas apresentam problemas.
Como marketing, a jogada da Anatel de suspender a habilitação de novos chips foi brilhante. A própria agência nunca teve uma boa imagem entre os consumidores. Essa má vontade com a agência foi temporariamente abandonada quando houve o bloqueio nas vendas. Um exemplo simples desse efeito pode ser percebido nas páginas mantidas pela agência no Facebook. No geral, é difícil encontrar um comentário elogioso ao trabalho da agência. Uma exceção óbvia está no dia 18 de julho de 2012, quando a agência divulgou a suspensão nas vendas e dezenas de pessoas apoiaram a iniciativa, parabenizando a Anatel. A perspectiva de que o bloqueio das vendas era apenas o início de uma grande ação para melhorar a qualidade dos serviços telefônicos encheu esses internautas de esperança. É triste constatar que tudo não passou de uma ilusão.
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