Índice
Nas últimas semanas, o mundo acompanhou de perto as eleições americanas para definir o próximo presidente do país. Matematicamente, o democrata Joe Biden já está eleito, mas a apuração dos votos continua e deve durar mais alguns dias, até que todos os estados concluam suas apurações.
Para os brasileiros, essa demora dos resultados é algo do passado. Desde que a urna eletrônica foi implantada, lá em 1996, o sistema eleitoral brasileiro consegue divulgar resultados de uma eleição em algumas horas. Em 2018, por exemplo, em menos de 3 horas toda a população já sabia que Jair Bolsonaro havia sido eleito presidente do Brasil.
Segundo dados do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), cerca de 148 milhões de brasileiros estão aptos a votar nas eleições municipais de 2020. Realizadas em dois turnos, pouco tempo depois das 17h pelo horário de Brasília, que é quando se encerra a votação, todos os munícipes saberão quem são os vereadores que vão compor as câmaras municipais, assim como os candidatos às prefeituras que serão eleitos ou irão disputar segundo turno.
Sabendo que ainda há muita curiosidade sobre a história da urna eletrônica, o Showmetech fez uma matéria especial explicando a história desta máquina e como é o processo de segurança do dispositivo que permite o voto em alguns segundos.
Como a urna eletrônica chegou?
Para falar sobre a urna eletrônica, é preciso contextualizar a história recente do Brasil, voltando aos anos 1980, quando a ditadura militar chegou ao fim. Durante o regime, os eleitores não podiam votar diretamente para presidente. É neste contexto que surgem movimentos populares, como das Diretas Já, que reivindicavam votações presidenciais diretas no país.
Em 1985, a ditadura militar caiu e o Brasil retornou à democracia. Assim, por um projeto de lei, o TSE decidiu montar uma espécie de banco de dados eletrônico com informações de todos os eleitores brasileiros maiores de 16 anos.
Conhecido como “Recadastramento Nacional dos Eleitores”, este movimentou possibilitou que a justiça eleitoral criasse um documento para identificar a população nas seções de votos, o que conhecemos como título de eleitor.
“Antes da vigência da Lei 7.444/1985, havia muita controvérsia em relação à entrega do título eleitoral. Nos Códigos Eleitorais de 1932 e 1935, a entrega do documento era feita pessoalmente, ou a quem trouxesse assinado o recibo de sua emissão. Isso fragilizava o sistema, pois não havia a convicção de que aquela assinatura aposta para a entrega ou fornecimento do título era realmente do cidadão titular”
Afirmou o TSE, em comunicado, comemorando os 30 anos do documento.
A implantação deste cadastro tornou possível que, em 1986, o país recebesse as eleições de uma Assembleia Constituinte para redigir uma nova Constituição brasileira. Em 1987, os brasileiros escolheram 594 deputados federais e mais 82 senadores para formar o Congresso Nacional que havia sido fechado em 1968, durante o AI-5 (Ato Institucional nº5), editado pelo marechal Costa e Silva, presidente a época.
Em 1988, a Constituição brasileira estava pronta e agora, de fato, retomava plenos poderes ao povo e separava as instituições brasileiras, como é em uma democracia: Executivo, Legislativo e Judiciário.
Em Santa Catarina, juiz testa votação eletrônica
Apesar das eleições diretas retomadas, havia demora pela apuração dos votos. No interior de Santa Catarina, aproveitando o avanço tecnológico, um juiz de direito queria experimentar um sistema que automatizasse as eleições e desse agilidade ao processo.
O ex-desembargador Carlos Prudêncio, que na época era responsável pela 5ª Zona do Tribunal Regional Eleitoral catarinense pediu autorização à instância máxima da justiça para usar nas eleições municipais de 1989, na cidade de Brusque, um aparelho que havia desenvolvido junto ao seu irmão, Roberto Prudêncio.
O dispositivo montado pela dupla, que nada se parece com o que conhecemos hoje, já havia sido usado anteriormente, mas não de forma oficial, apenas como um teste.
Neste modelo, os eleitores preenchiam uma cédula de papel, que depois era validada em uma máquina com leitor óptico, muito parecida com as máquinas que validam os jogos da loteria federal, e devia ser depositava em uma urna convencional.
Como era um teste, os eleitores precisavam votar em dois passos para que o pleito fosse validado: primeiro ele votava da forma tradicional, por meio do voto manual; em seguida, votava eletronicamente.
No fim do turno, o tribunal regional eleitoral fez a contagem de ambos os votos e o total bateu, mostrando que o novo método era seguro e eficaz. Além disso, o município de Brusque teve destaque nacional com a apuração de votos mais rápida da história do país, até então.
Mas o sucesso do CEV (Coletor Eletrônico de Voto), como foi nomeado, não foi suficiente para que esse sistema fosse implantado em todo o Brasil. Assim, as discussões sobre o uso da tecnologia ficaram paralisadas por cerca de 4 anos.
TSE cria o sistema de processamento eletrônico do voto
Em 1994, o TSE criou um sistema de processamento eletrônico do voto, para integrar os tribunais regionais de cada estado, dando mais agilidade na divulgação dos resultados eleitorais. A gestão do ministro Sepúlveda Pertence criou uma rede que permitiu anunciar Fernando Henrique Cardoso como vencedor antes das 23h, em um primeiro passo para a digitalização das eleições.
“No meu biênio, montamos a infraestrutura necessária para que se pudesse pensar em votação eletrônica, que foi a criação da rede nacional da Justiça Eleitoral”, disse o ministro em reportagem da TV Justiça.
Características da urna eletrônica
Um projeto de urna eletrônica, efetivamente, só começou a ser avaliado no ano seguinte, quando o próprio tribunal, agora sob responsabilidade do ministro Carlos Velloso, decidiu informatizar o voto e usar máquinas para que os eleitores votassem.
Para o projeto, o TSE designou uma equipe de especialistas composta por juízes, profissionais de Tecnologia da Informação e funcionários do órgão. Neste período, deu-se inicio ao planejamento de uma urna que cumprisse alguns requisitos: resistência às variações do clima, facilidade para o transporte e garantia de segurança da votação.
Desta forma, com o projeto pronto, o tribunal fez uma concorrência pública para contratar a empresa que faria a montagem do dispositivo, conforme as informações disponíveis. A brasileira OMNITECH venceu a licitação que foi disputada com a americana Unysis e a Microbase, também nacional.
Dentro da empresa, o grupo que montou a primeira urna eletrônica brasileira ficou conhecido como “os cinco ninjas”. Isso porque, três profissionais tinham origem oriental e toda a equipe trabalhava em um serviço sigiloso.
O projeto contou com muitos detalhes, pensados de modo a acolher o voto de qualquer eleitor. Um exemplo disso é a disposição dos números no equipamento, que está no mesmo formato de um telefone para simplificar a identificação por parte dos analfabetos.
Os botões possuem cores e tamanhos diferentes para que o processo de votação seja intuitivo e promova facilidade para qualquer brasileiro votante. Além disso, desde o primeiro momento, os dispositivos contavam com números em braille, o que permitia a votação por deficientes visuais, e, futuramente, veio a ter suporte para fones de ouvido considerando a população com deficiência auditiva.
Em 2000, todos os municípios passam a ser informatizados
O pleito municipal, novamente, foi palco de avanços do sistema eleitoral. Nas eleições de 2000 os eleitores de todos os estados brasileiros puderam eleger prefeitos e vereadores por meio da urna eletrônica, tornando o Brasil um país com eleições completamente informatizadas.
As urnas contavam com um sistema operacional chamado de VirtuOS que garantia segurança dos votos e apuração rápida, logo que o turno era finalizado. Com este mesmo ritmo, nas eleições de 2002, os eleitores elegeram o novo representante por meio dos equipamentos eletrônicos. Mas, para isso, o TSE decidiu mudar o sistema operacional para o Windows CE.
Conforme explica Pedro Antônio Dourado Rezende, professor da Universidade de Brasília, em um artigo para a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência: “O Windows CE é um sistema praticamente inauditável, devido ao seu tamanho e aos truques que a Microsoft usa para dificultar a compreensão do código fonte dos seus produtos”.
Assim, o pleito foi realizado, novamente com sucesso, e a urna eletrônica se tornou o modo tradicional de votação no Brasil. Nos anos seguintes, algumas atualizações foram feitas, mas sempre tendo a premissa da segurança.
Em 2003, depois de muitos debates sobre a impressão, foi instituído o Registro Digital do Voto. Com este registro, cada voto era assinado digitalmente, de forma individual, o que permitia a recontagem deles, caso fosse necessário.
Com o RDV o TSE implantou a criptografia baseada em chaves assimétricas, garantindo a autenticação e o sigilo de cada voto registrado na urna. Então, ao final de cada pleito, os votos são somados e apresentados no boletim de urna, sem identificação do eleitor.
Já em 2007, o SERPRO (Serviço Federal de Processamento de Dados), órgão público vinculado ao Ministério da Economia, anunciou mais uma mudança no sistema operacional da máquina. Desta vez, as urnas contariam com o Linux, que é um software de licença livre e permite personalização do usuário.
“Essa substituição, por fim, aumentará a credibilidade das eleições, pois a substituição dos atuais sistemas operacionais utilizados por Linux é um fator facilitador para apresentação do sistema na íntegra, incluindo o núcleo, sem as dificuldades impostas pela propriedade intelectual dos criadores.” afirmo a SERPRO em comunicado.
Portanto, nas eleições de 2008, as 430 mil urnas em uso no país foram atualizadas para um sistema que foi completamente desenvolvido pelo TSE, o que promoveu ainda maior segurança ao ato democrático.
De lá para cá, o sistema eleitoral só foi aprimorado e poucas mudanças foram aplicadas. Mas todos os dados eleitorais mostram como a urna é importante para a realidade continental do Brasil, que, em outras metodologias, levaria dias para finalizar a eleição.
“Considerada a maior de todos os tempos, as eleições gerais de 2014 utilizaram quase meio milhão de urnas para registrar o voto dos 115 milhões de brasileiros que compareceram ao pleito. No primeiro turno, o tempo de apuração e totalização de votos foi recorde: às 19h56m28s foi possível saber o resultado matemático, com 91% dos votos válidos apurados”
Comunicado do Tribunal Superior Eleitoral, após as eleições de 2014
Biometria
Um destaque foi a chegada da biometria, em 2008, visando garantir a identificação do eleitor durante o voto, com base nos dados registrados na justiça eleitoral.
Desde então, o TSE tem trabalhado para implantar o sistema biométrico e, nas últimas eleições, ele já foi usado em muitas cidades brasileiras. O tribunal havia previsto que as eleições de 2020 já contassem com o sistema de forma obrigatória, no entanto, devido à pandemia do novo coronavírus, isso não será possível.
A expectativa do órgão é que, nas próximas eleições, todos os brasileiros se identifiquem na seção eleitoral por meio da biometria.
Urnas eletrônicas modelo 2020
Até 2020, a empresa que produzia as urnas eletrônicas era Diebold Brasil, que venceu licitações anteriores e conquistou o direito exclusivo de fabricar os equipamentos. A partir deste ano, as novas urnas serão fabricadas pela Positivo, que venceu a última concorrência com valor previsto de R$ 799 milhões.
“O objetivo do TSE é adquirir até 180 mil urnas para substituir parte do parque tecnológico, que atualmente é de 470 mil unidades em todo o país. Urnas fabricadas em 2006 e 2008, cuja vida útil está esgotada, precisam ser substituídas pelos novos modelos. A situação, contudo, não interfere no pleno funcionamento do processo eleitoral, já que atualmente a Justiça Eleitoral dispõe de unidades suficientes para realização do pleito”, afirma o tribunal.
Segurança das urnas eletrônicas
Não é de hoje que circulam críticas, muitas falsas, sobre a urna eletrônica brasileira. Políticos de diversos partidos afirmam que é possível acessar o equipamento e fraudar eleições.
Em 2018, o então candidato Jair Bolsonaro, ainda em campanha, publicou um vídeo fazendo críticas ao equipamento, afirmando uma possibilidade de fraude nas eleições que, posteriormente, sagraram ele como vencedor.
O TSE, por sua vez, determinou que o Google e o Facebook excluíssem o vídeo e após o episódio, já eleito, Bolsonaro pediu desculpas aos ministros do TSE e afirmou que o vídeo foi publicado no calor da emoção da campanha eleitoral.
Além de políticos, há estudiosos que também criticam o dispositivo, como Diego Aranha, um especialista em criptografia e segurança digital. O profissional é um dos principais questionadores da urna e um dos defensores do voto impresso com registro digital.
No entanto, apesar das críticas, o desenvolvimento da urna eletrônica passa por um rigoroso processo de segurança, que promove diversas etapas de proteção do voto, conforme destacamos a seguir:
Teste Público de Segurança
A principal etapa de proteção da urna é o Teste Público de Segurança, que ocorre no ano anterior à eleição. O teste foi criado pelo TSE para que sejam encontrados problemas ou fragilidades no sistema eleitoral.
Nele, que é aberto ao público, os brasileiros maiores de 18 anos podem tentar explorar possíveis vulnerabilidades da urna e de seus componentes que possam interferir no processo.
Este teste é obrigatório e previsto no calendário eleitoral brasileiro. Caso algum erro seja encontrado, devido à distância das eleições, os profissionais do TSE podem corrigir o sistema, pois ele só será finalizado na cerimônia de lacração.
Assinatura digital e lacração dos sistemas
Outra etapa de segurança das eleições é a cerimônia de assinatura digital e lacração dos sistemas. Ela acontece 20 dias antes do pleito e visa apresentar o sistema eleitoral que vai ser usado na eleição, dando maior integridade ao processo.
Participam dela representantes de várias instituições públicas, como OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), MP (Ministério Público) e de partidos políticos.
Na cerimônia, o tribunal faz a compilação dos programas de computador; geração dos resumos hashes, uma espécie de código para recontagem dos votos; assinatura digital dos sistemas; e, por fim, a gravação dos sistemas em mídias.
Depois que estes procedimentos são finalizados, cada aparelho recebe um lacre da Casa da Moeda do Brasil e são armazenados em cofres da justiça eleitoral.
Todos os sistemas usados no processo são de uso exclusivo do TSE, portanto, só podem ser abertos em computadores da instituição com inserção de senhas para ativação.
Criptografia
Assim como grande parte dos dados digitais, as informações das urnas eletrônicas são criptografadas em um processo que envolve diversas camadas de segurança. Os sistemas usados no Brasil embaraçam os dados registrados nas máquinas que só são revertidos com o aval de autoridades eleitorais, como juízes.
No fim do turno, depois que o presidente da seção encerra a votação, a própria urna faz o movimento inverso, de descriptografia, para disponibilizar os dados daquela sala, como falaremos mais a frente.
Sem conexão à internet
Um dos diferenciais da urna eletrônica brasileira é que ela não tem conexão com a internet. Desta forma, os dados registrados no equipamento são armazenados em um cartão de memória que é enviado à zona eleitoral depois do término da votação.
Essa ausência de conexão à internet garante o isolamento do equipamento, sem contato com outro dispositivo eletrônico que possibilitaria a manipulação dos registros da urna.
Votação paralela
No sábado, véspera da eleição, os tribunais regionais fazem um sorteio de até quatro urnas eletrônicas, dependendo do estado, que seriam utilizadas durante o pleito, para serem substituídas.
Esses equipamentos são levados aos tribunais para que as autoridades chequem as assinaturas digitais e o resumo de votação. Assim, representantes de partidos políticos são convidados a participar do evento, que é filmado, e eles votam em políticos que estão concorrendo para avaliar se, de fato, as urnas estão registrando seus candidatos.
Zerésima e Boletim de Urna
Por fim, já na seção eleitoral, assim que inicializada pelo presidente, a urna eletrônica emite o comprovante chamado de zerésima. Ele informa a quantidade de votos que foram registrados naquele dispositivo, então, como a seção ainda não recebeu votos, ele precisa conter a informação de que a urna está zerada.
Este comprovante deve ficar na porta da sala de votação à disposição de todos os eleitores para que chequem que, quando iniciada, a urna não havia votos registrados.
Já no fim da seção, o mesmo presidente encerra a votação e imprime o boletim de urna. Este documento contém um resumo de todos os votos registrados no aparelho, já com o candidato vencedor daquela seção.
O documento traz os seguintes dados: total de votos por partido; total de votos por candidato; total de votos nulos e em branco; total de comparecimento em voto; identificação da seção e da zona eleitoral; hora do encerramento da eleição; código interno da urna eletrônica; e sequência de caracteres para a validação do boletim.
Ele também é disponibilizado aos representantes de partidos políticos, além de ficar à disposição da população, posteriormente, pela internet.
Para o atual presidente do TSE, o ministro Luís Roberto Barroso, o uso das urnas eletrônicas torna as eleições brasileiras limpas. Em entrevista recente à imprensa, o magistrado lembrou que a tecnologia brasileira existe desde 1996 e nunca se documentou um único episódio de fraude que envolvesse os equipamentos.
“Até aqui elas [as urnas] se revelaram confiáveis, ao contrário do que acontecia com o voto em papel, quando foram registradas muitas fraudes. Portanto, até que alguém me traga algum elemento que prove o contrário, eu confio no nosso sistema de votação.
Descubra mais sobre Showmetech
Assine para receber nossas notícias mais recentes por e-mail.