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“Nenhum fabricante de carruagens virou fabricante de automóveis”. Esse é um jargão utilizado para mostrar o poder disruptivo das novas tecnologias. Será que o Carro do Futuro será inventado por algum dos fabricantes de veículos que vemos hoje andando pelas ruas? A IBM não inventou o computador pessoal, foram dois moleques numa garagem. O WhatsApp e o Skype não foram inventados por operadoras de telefonia. Agora, essa profecia está chegando na própria indústria automobilística. Carros elétricos, carros autônomos, novos meios de locomoção, compartilhamento de veículos – nunca essa indústria centenária esteve tão ameaçada.
Fizemos essa pergunta para a FCA (Fiat Chrysler Automobiles) que nos convidou a conhecer seu Centro de Inovação, em Betim. A visita começou com uma conversa com Mateus Silveira, coordenador do Future Insights, o departamento responsável por alguns dos projetos de inovação do grupo.
O futuro das cidades
Como pensar o carro em um futuro onde a posse de um automóvel vai ser cada vez mais questionada devido a questões ambientais, mudanças de comportamento do consumidor e falta de vagas para estacionar? Carro elétrico é a solução? Carro autônomo? Carro compartilhado? Para Mateus, nenhuma das alternativas é a correta.
“Congestionamento de carro autônomo continua sendo congestionamento”, diz ele. “Para traçar estratégias para o carro do futuro, é preciso entender como serão as cidades do futuro e os desafios de mobilidade que elas apresentam”. Cidades do Futuro é justamente o nome do primeiro projeto do Future Insights. Iniciado em 2014, é um projeto aberto e colaborativo que teve a participação da USP Cidades, do Cesar, centro de software de Pernambuco e mais de 250 especialistas em mobilidade.
“Carro compartilhado, autonômo, elétrico são inovações tecnológicas que não resolvem os problemas da cidades. Metrô, trem, ruas maiores, tudo isso é necessário, mas a solução não está na infraestrutura. Tentar resolver o problema da mobilidade urbana investindo em infraestrutura e como tentar resolver a obesidade comprando calças mais largas”, diz o coordenador.
Para Silveira, o problema de mobilidade é uma questão de densidade urbana: “Nosso sistema urbano é muito parecido com o americano, com cidades espraiadas. Nossas cidades tem pouca densidade urbana. É preciso adensá-las, o que não significa perder qualidade de vida. Londres tem quase três vezes a densidade urbana de Belo Horizonte e tem uma ótima qualidade de vida. O importante é o coletivo ter prioridade em relação ao individual. Em vez de grandes condomínios fechados, construir parques e piscinas públicas. Também é preciso distribuir as oportunidades de emprego e lazer. Os problemas de mobilidade precisam ser resolvidos primeiro arrumando a circulação das pessoas para depois investir em infraestrutura”.
O carro como plataforma
Mateus chama seu departamento de “exército de um homem só”. Ele não tem funcionários, mas pode requisitar recursos humanos de dentro ou fora da empresa de acordo com a necessidade do projeto. Uma das características do Future Insights, é o foco na inovação do ponto de vista do usuário, não da tecnologia. “Várias inovações na história da Fiat não foram tecnológicas, mas somente uma nova maneira de atender uma demanda do consumidor. O primeiro carro a etanol foi uma resposta à crise do petróleo da década de 70, por exemplo”.
Para ele, o mais importante para o futuro da indústria é pensar o carro não como um veículo, mas como uma plataforma digital de negócios. “Para mim, ele faz parte de um line up que começa no wearable, passa pelo smartphone, notebook e chega no carro. Faz todo sentido complementarmos nosso produto com conteúdos digitais. E isso não significa necessariamente desenvolver novos acessórios, podemos explorar digitalmente os que já existem. A câmera de ré pode fazer selfies, timelapses. Estamos propondo pensar o carro como um dispositivo móvel. Há quem diga que quando seu carro e sua casa estiverem conectados, com assistentes pessoais acionados por reconhecimento de voz, você não vai precisar mais do celular”.
Carro elétrico x Carro a combustão
Com mais de 100 anos de existência, a tecnologia do motor a combustão já é considerada pré-candidata a peça de museu por vários especialistas, mas não para a FCA. Silveira acredita que existe muito deslumbramento por experiências de veículos elétricos no exterior, mas que eles não fazem sentido no Brasil.
De acordo com o coordenador, “O carro elétrico não é o futuro. Ele faz sentido na Europa, onde existem usinas nucleares produzindo energia ininterruptamente, mas não no Brasil, onde volta e meia ainda precisamos apelar para termoelétricas. Em termos ambientais, se considerarmos todo o ciclo de vida do produto – da produção de minério para baterias ao seu descarte – ele acaba sendo menos sustentável que um motor a etanol”.
A FCA deve aumentar sua aposta no motor a etanol. A empresa promete para o curto prazo um motor que irá eliminar o gap de desempenho entre etanol e gasolina.
Isso não quer dizer que a empresa não pesquise o uso da energia elétrica em seus veículos. O Projeto Girassol é um protótipo nascido em Betim que utiliza uma tecnologia de filme fotovoltaico de uma empresa mineiro-suíça, a Sunew.
Ele traz um teto solar que capta a luz do sol e utiliza a energia para alimentar o consumo elétrico de acessórios como o ar-condicionado, a central multimídia, os vidros-elétricos e qualquer outro sistema elétrico do carro. Já existem 30 protótipos do projeto em teste, mas ainda não há previsão de quando ele irá virar um produto comercial.
Carro Autônomo
Da mesma forma que pesquisa carros elétricos, a FCA também tem projetos de carros autônomos. Ela é a fornecedora de veículos para o Waymo, o projeto de carros autônomos do Google. Nos próximos anos, 62 mil minivans Chrysler irão rodar pelas estradas americanas sem ninguém atrás do volante.
A tecnologia do Google é considerada pela FCA como um passo evolutivo na direção do carro autônomo. O grupo também tem projetos em andamento com o BMW Group, Intel, Mobileye e Aptiv.
Todos esses tiros, cada um para um lado, refletem a situação atual da indústria automobilística. Ninguém sabe onde essa história de carro autônomo vai parar. Existem inúmeras variáveis de segurança, legislação, custo e desempenho a serem avaliadas. E a arquitetura eletrônica dos carros atuais foi inventada na década de 80. É provável que aconteça a mesma explosão pré-cambriana que rolou no início da computação pessoal (quem lembra do Synclair? Do Commodore?) ou da computação móvel (Simbyan? Palm Pilot?). Até chegarmos na IBM e na Apple dos automóveis inteligentes, ainda vai demorar. De repente, pode ser a própria Apple.
Indústria 4.0
Uma coisa é ler e escrever sobre a tal da Indústria 4.0: fábricas automatizadas, conectadas, filhas da quarta revolução indústrial, a revolução do IoT (Internet of Things ou Internet das Coisas, em tradução livre). Outra coisa é vê-la funcionando.
A fábrica da FCA em Betim tem 41 anos, mas tem carinha de millenial. Em sua unidade de motores, mãos robóticas gigantescas deslizam em trilhos sobre a cabeça de seus trabalhadores humanos, levando componentes de um lado para o outro. Cada peça traz um databolt, um parafuso com uma etiqueta RFID que permite ao sistema rastrear cada componente dentro do processo de produção. “Da fábrica original, só sobrou as colunas e o teto”, diz o funcionário que nos acompanhou na visita.
Ao todo, são 15 mil funcionários e 1100 robôs trabalhando em harmonia (nenhuma greve de robôs até o momento). Alguns, inclusive, na mesma linha de produção. Os “cobots”, como são chamados os robôs que interagem com operários humanos, tem características especiais.
Eles são utilizados em tarefas repetitivas como aplicação de cola, apertar parafusos ou seleção de componentes para montagem. Qualquer contato indevido com um ser humano faz o robô parar, previnindo acidentes. A automação permitiu que a produção da fábrica saltasse de 100 mil motores para 400 mil motores por ano.
Dentro da fábrica quarentona, encontramos um laboratório batizado de Manufacturing 2020. É ali que estão os melhores brinquedos. Em uma sala escura, uma outra fábrica, virtual, é projetada na parede. Você bota uns estranhíssimos óculos 3D cheios de hastes com bolinhas nas pontas e segura uma espécie de Wiimote avantajado para manipular peças de carros virtuais, abrir capôs e olhar embaixo do chassis.
Do lado de fora da sala, um óculos de Realidade Virtual HTC Vive é utilizado para treinar funcionários. Mais adiante, uma equipe desenvolve um game de celular para ensinar conceitos de segurança onde os melhores no ranking ganham prêmios.
O laboratório utiliza a RV para acelerar processos, no melhor estilo startup do Silicon Valley (fail fast, fail often, fail better ou falhe rápido, falhe frequentemente, falhe melhor). Graças a ele, o desenvolvimento de produtos pôde ser acelerado com a criação de Provas de Conceito (POCs, da sigla em inglês) virtuais. A FCA afirma que o investimento de R$ 1 milhão na Sala de Realidade Virtual se pagou em oito meses de funcionamento.
Mecha-operários
A fábrica 4.0 não eliminou os funcionários humanos, pelo contrário, melhorou muito suas condições de trabalho. Eles andam para lá e para cá com smartwatches que permitem validar operações realizadas, são auxiliados por robôs nas tarefas mais perigosas ou tediosas e utilizam exoesqueletos para evitar lesões por esforço repetitivo.
Um desses exoesqueletos nada mais é que uma cadeira mecânica que permite ao operário sentar para alcançar melhor uma área dentro do automóvel que está sendo construído. Atualmente são 14 exoesqueletos em uso na fábrica, divididos em três categorias (coluna lombar, ombros e membros inferiores)
O videogame mais caro do mundo
Pensando em Gran Turismo? O SIMCenter da FCA é o videogame de simulação definitivo. Custando a bagatela de R$ 18 milhões, ele traz um Jeep Renegade serrado ao meio em cima de uma plataforma suportada por pistões gigantes. Na frente, uma tela gigante de 230 graus projeta um cenário 3D que pode ser as ruas de uma cidade (assustadoramente parecida com a San Andreas de GTA) ou uma pista de corrida. Pequenos monitores nos retrovisores simulam a visão traseira para dar ainda mais realismo.
Você entra no cockpit e pé na tábua, sentindo cada curva e freada como se estivesse em um carro de verdade. Em vez de usar o câmbio, muda as marchas em um botão no volante. Acabei me guiando pelo som do motor, reproduzido digitalmente, mas bem fiel às mudanças de marcha em um carro de verdade. Tentei dar um cavalo de pau, mas não foi possível. Mas dizem que um jornalista conseguiu capotar na pista.
Segundo Rudinixon Bitencourt, analista de Dinâmica Veicular da FCA , este é o único simulador do gênero no hemisfério sul e é idêntico a um modelo utilizado pela NASA. O objetivo do simulador é analisar as características de cada componente do veículo (amortecedores, molas, pneus, direção, freios) e gerar especificações técnicas para a construção de peças físicas.
No SIMCenter, é possível avaliar, por exemplo, diferentes geometrias da suspensão em tempo real, num ambiente totalmente controlado, sem ter que ir a uma pista de teste. O SIMCenter está instalado na PUC Minas e me deu uma vontade enorme de prestar vestibular para esta instituição. O simulador pode ser utilizado pelos cursos de arquitetura, engenharia, medicina, psicologia, entre outros.
O futuro do carro
Com cento e poucos anos de existência, o automóvel pode não estar com seus dias contados, mas com certeza em duas ou três décadas ele se transformará em algo bem diferente do que conhecemos hoje. Ainda é uma incógnita se vamos ter veículos altamente personalizados ou modelos idênticos, mas que você destrava com seu smartwatch, viaja até um ponto e descarta para o próximo passageiro. A única certeza é que a busca pela inovação é o único caminho para se manter relevante nesse futuro.
E vocês, leitores? O que acham do futuro dos carros? Quem ganha essa corrida? Comentem abaixo.
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